Que novidades há da Espanha? Tem sido esta a pergunta universal dos nossos políticos de todas as facções, desde há algum tempo para cá. Se a ansiedade com que se faz esta questão procede somente duma preocupação generosa por aqueles bravos patriotas que nobremente ficaram firmes em defender a sua independência nacional, seriam altamente louváveis e honráveis aqueles que a sentem e a demonstram. Desejamos que eles a mereçam; e a nossa ajuda, tanto quanto possa ser dada com prudência, certamente receberão. Mas devemos parar por aqui. Não podemos ir mais longe. Acautelemo-nos de sermos enganados; pois a crise é impressionante, e um erro pode produzir as consequências mais fatais.
Aquele que acredita que o povo espanhol que recorreu às armas tem a mais pequena chance de derrotar Bonaparte (e esta é uma opinião que alguns editores de jornais se têm esforçado por inculcar) é um ingénuo que crê na ilusão mais completa, mais lamentável e mais perigosa. Nenhum homem acostumado a pensar acurada e independentemente, que esteja informado das condições relativas das partes em contenda e dos eventos bélicos dos últimos dezassete anos, pode duvidar por um momento de qual seja o desenlace da presente luta. É um facto lamentável que os bravos espanhóis irão ser, infelizmente, obrigados a se submeterem; mas seria inútil e criminoso esconder ou iludir a convicção que nos inquieta. Não somente demonstraremos a verdade desta opinião, para a satisfação dos nossos leitores, mas apontaremos a utilidade e as vantagens duma atenção antecipada e séria sobre as suas importantes consequências.
Se as tropas espanholas tivessem sido autorizadas a continuar inteiras nas suas posições e sem se dividirem; se elas tivessem continuado em posse de todas as suas praças-fortes; se tivessem fortificado e guardado todas as passagens dos Pirenéus; se os soldados franceses tivessem sido expulsos do país; se o exército espanhol tivesse sido inflamado com entusiasmo e dirigido pelo seu próprio Governo, mesmo débil como estava; e se os bravos habitantes de todas as províncias tivessem sido armados regularmente e organizados, dispostos a combater, poderíamos então de facto ter tido racionalmente alguma esperança de eles serem capazes de se opor com sucesso ao moderno Alexandre.
Mas quando o contrário de tudo isto é notoriamente o caso; quando o exército espanhol foi dividido, expatriado, inclusive privado dos seus oficiais e armas; quando os franceses, com uma força numerosa, que cresce todos os dias, encontram-se numa imperturbável posse da capital, do Governo, e de todas as fortalezas; quando o último Rei [Carlos IV], e o seu pretendido sucessor [D. Fernando], se comportaram com uma pusilanimidade, não só contemplativa, mas surpreendente e incomparável; quando os bravos habitantes da capital, depois de centenas dos seus concidadãos terem sido cruelmente assassinados [a 2 de Maio], se constrangeram silenciosamente, apesar de relutantes, a se submeter; quando quase todas as províncias já seguiram o seu exemplo, o que podem realizar os habitantes de duas províncias (Astúrias e Galiza), ainda que sejam bravos e patriotas? Pode alguém esperar que eles conseguirão bater os franceses, marchar à sua própria capital, libertar o seu país, e impelir os invasores franceses para além dos Pirenéus? Não. Tais esperanças não podem ser seriamente tidas em conta, por um só momento, por qualquer homem, mesmo da mais baixa posição social, que seja capaz de calcular dificuldades ou de comparar probabilidades.
Quais serão então as consequências da resistência patriótica destas duas províncias do norte da Espanha face ao usurpador francês? Os esforços destes bravos homens podem, por um momento, ocupar a sua atenção, distrair a sua força, e tornar a sua conquista menos fácil e menos segura. Estes são, indubitavelmente, eventos de considerável importância, se fizermos uso deste intervalo de tempo para aumentar, reforçar e consolidar os nossos próprios meios de defesa e de ataque, mas fatalmente ilusórios se alimentam esperanças que a Espanha está destinada a formar uma barreira à ampla ambição de Bonaparte.
A verdade é que o nosso perigo é mais iminente no presente momento do que alguma vez foi desde o começo da presente guerra. Esta proposição foi muito habilmente ilustrada por Mr. York, no seu excelente discurso na Casa dos Comuns, na segunda-feira passada, em relação à defesa do país. Assim, se não nos levantamos rápida e efectivamente daquela letargia em que caíram quase todas as nossas classes; se não nos tornamos plenamente sensíveis dos riscos da nossa situação; se confiamos cegamente na nossa superioridade naval, e esperamos com uma lamentável inércia e com uma confiança presunçosa e criminosa pela tempestade que se avizinha; se não nos preparamos, com esforços extraordinários, para enfrentar os perigos que nos cercam; e se insensatamente esperamos ou temos a mais pequena confiança em alguma ajuda estrangeira, o perigo é incalculável (e triste para que um britânico o consinta), havendo uma possibilidade de sermos destruídos.
Fiquemos assim completamente convencidos de que é quase indubitavelmente certo que, dentro em breve, poderemos estar expostos, sozinhos, à força inteira, indivisível e concentrada da Europa. Enfrentamos um homem que, apesar de bastante dotado pela sorte, é ainda mais prendado pela natureza; que persegue os seus esquemas sem descanso; que até aqui obteve os objectivos da sua ambição; que nos detesta, que detesta o nosso poder, a nossa liberdade e a nossa independência com inextinguível ódio; cujo interesse, cujo poder e cuja felicidade depende, num grau considerável, da nossa destruição.
Este homem detém agora o ceptro da Europa. Ele subjugou os Países Baixos, a Holanda, e todos os Estados da Itália; conquistou a Prússia, derrotou e aterrorizou a Áustria, humilhou a Rússia, cativou a a Dinamarca, adquiriu a confiança e a amizade da Porta [Constantinopla], apoderou-se de Portugal, e agora tomou posse da Espanha. Consideremos, por um momento, os meios que ele possui para invadir as nossas costas. Ele tem toda a riqueza do Continente ao seu comando. Um milhão de soldados, bravos e aventurosos, acostumados à guerra e à vitória, estão reunidos debaixo da sua bandeira. Todos os portos continentais que estão abertos ao Oceano Atlântico e ao Mar do Norte, de Cádis a Texel [na Holanda], encontram-se agora debaixo do seu controle – na sua posse. Haverá alguém que ame o seu país, e que depois de considerar todas estas circunstâncias se aventure a afirmar que este inimigo não é terrivelmente formidável? Poderá algum esforço ser tão vigoroso e algum anseio ser tão grande em relação à luta com semelhante adversário?
A grande vantagem natural da nossa situação insular e a orgulhosa superioridade da nossa marinha foram até aqui consideradas, por toda a nação, como barreiras contra a invasão, quase impossíveis de transpor. Nas circunstâncias e tempos comuns, e contra um inimigo comum, teria sido razoável pensar assim, mas opostos como estamos agora a uma combinação de meios físicos, com uma habilidade extrema, quase sem precedentes na história da humanidade, é prudente que coloquemos alguns limites na nossa confiança. Todos os nossos almirantes mais competentes declararam que uma invasão não era, de forma alguma, improvável ou impraticável. Lord Nelson, Lord St. Vicent, Lord Howe, Sir Sidney Smith, todos o disseram. E se isto for verdade, o que não resta dúvida, deveríamos, indubitavelmente, estar tão preparados para enfrentar os franceses como se não tivéssemos um único navio no mar.
Com este objectivo, deveria-se recorrer imediatamente a algumas medidas mais compreensivas do que as que foram até aqui adoptadas. O nosso exército regular, apesar de excelente, é escassamente suficiente em número para guardar toda a extensão das nossas costas. O espírito nobre, louvável e honorável que originalmente animou os nossos voluntários, evaporou-se quase totalmente, devido a várias causas, que agora não nos deteremos para enumerar. O nosso exército de reserva entrou em decadência; o sistema de recrutamento é menos produtivo do que antigamente; e o plano de milícias locais é terrivelmente inferior à magnitude do nosso perigo. Um plano semelhante àquele que recentemente foi proposto por Lord Selkirik é tenazmente necessário para a presente crise alarmante – é absolutamente necessário para a preservação da nossa existência nacional. Que cada jovem deste país possa portar armas e que seja instruído da parte mais essencial das tácticas da guerra moderna. Que o povo esteja devidamente consciente da extensão do perigo que corre, e da necessidade do seu esforço. Que a única luta dos nossos maiores homens seja entre quem mais auxilia e quem mais promove os interesses do país. Que todas as classes se unam entusiástica e permanentemente para se prepararem para repelir o inimigo que se aproxima. Desta forma, e somente desta forma, a segurança do país pode ser realmente garantida.
E se formos tão prudentes para o fazer, não estaremos na necessidade de olhar com impaciência e ansiedade para os bravos, honráveis, mas infrutíferos esforços dos patriotas da Espanha; estaremos completamente preparados para nos defendermos de todo o mundo; poderemos desprezar as ameaças e ataques do Senhor do Continente, e transmitir uma lição gloriosa à posterioridade, sobre a resistência brava e bem sucedida dum povo livre ao mais formidável tirano que o mundo alguma vez viu; e poderemos passar às gerações futuras as nossas liberdades, as nossas leis iguais, os resultados da nossa ciência, conhecimento e civilização, e de tudo quanto seja interessante e valorável para a sociedade.
[Fonte: The National Register, n.º 26, June 26, 1808, pp. 401-402].