quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Carta de Lord Castlereagh ao Rei George III (1 de Setembro de 1808)


Coombe Wood, Quinta-feira, 12 horas da noite.


Lord Castlereagh, ao submeter a Vossa Majestade os ofícios adjuntos do Tenente-General Sir Harry Burrard e do Tenente-General Sir Arhur Wellesley*, tem a humilde satisfação de informar Vossa Majestade que antes do Capitão Campbell (encarregado de trazer os ofícios) ter partido no dia 22 [de Agosto], o General Kellermann tinha chegado [ao Quartel-General britânico] com uma bandeira de tréguas para tratar a capitulação do exército francês em Portugal. 

[Fonte: A. Aspinall (ed.), The Later Correspondence of George III - Volume Five (1808-1810), London, Cambridge University Press, 1970, p. 119 (doc. n.º 3711)].


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Nota:


* Os ofícios aludidos deveriam ser todos, ou pelo menos alguns, daqueles que viriam a ser publicados dois dias depois num número extraordinário do periódico The London Gazette.

Carta de Lord Castlereagh ao Rei George III (1 de Setembro de 1808)



Downing Street, 1 de Setembro de 1808.


Lord Castlereagh tem que informar humildemente Vossa Majestade que os vossos servidores confidenciais, havendo tomado na sua mais séria consideração o estado da actual guerra na Espanha e em Portugal, são humildemente da opinião que, assim que as forças de Vossa Majestade tiverem libertado Portugal do domínio do inimigo, talvez seja aconselhável dirigir os esforços das armas de Vossa Majestade (numa proporção consistente com a permanência duma guarnição adequada em Lisboa e nos fortes do Tejo) para o norte da Espanha, para se reunirem com os 10.000 homens que agora estão prontos para embarcar na Inglaterra, e para cooperarem com os exércitos na Espanha para expulsar o inimigo da Península. 
Eles são humildemente induzidos a recomendar esta linha de operações, por ser preferível a um movimento avançado para o interior da Espanha, através de Portugal, pois assim manter-se-á o exército de Vossa Majestade mais próximo das suas comunicações com a frota [britânica], e consequentemente com os seus provimentos. Esta medida tornará a sua linha de operações muito menos extensa, e, ao mesmo tempo que facilitará a comunicação da Inglaterra com o exército ao seu serviço, tornará o seu regresso por terra mais fácil quando o serviço proposto se tiver realizado. 
Os servidores confidenciais de Sua Majestade julgam que, depois de proporcionarem uma força adequada para a segurança de Portugal, um corpo de 30.000 homens (incluindo os 10.000 que agora estão prontos a partir daqui), com a respectiva proporção de cavalaria, poderia ser levado a agir no norte da Espanha, em caso necessário. A esta força podemos finalmente acrescentar as 10.000 tropas espanholas que estão no Báltico [comandadas pelo General o Marquês de la Romana], sendo que estas não poderão senão lisonjear-se se a nação espanhola continuar a fazer os esforços que fez até aqui, e cuja ocasião requer que a adesão de 30.000 britânicos e 10.000 tropas regulares espanholas aos seus esforços contra o inimigo naquela parte, não só acelere a sua expulsão da Espanha, mas que também contribua, se a sua retirada for demorada, para a destruição de uma parte considerável do seu exército.
Tendo em vista acelerar a execução desta operação tanto quanto as circunstâncias permitam, eles humildemente submetem à grata aprovação de Vossa Majestade que as instruções adjuntas sejam enviadas ao Tenente-General Sir Hew Dalrymple; e a fim de que as tropas que partirem daqui possam estar reunidas e prontas para partir, de acordo com as informações que daqui em diante poderemos receber sobre o progresso das operações em Portugal e com o momento em que possa esperar que a força que partirá daqui atinja o norte da Espanha, os servidores de Vossa Majestade recomendam humildemente que as tropas em Cork sejam ordenadas a embarcar e a dirigirem-se para Plymouth, onde encontrar-se-ão com a parte dos 10.000 homens que está recrutada nesta região - a força reunida nesta posição estará mais imediatamente conforme à disposição de Vossa Majestade do que no actual estado dividido, e existem todas as razões para esperar que antes que o total possa ali ser reunido, Vossa Majestade verá que possui informações suficientes para decidir sobre o seu destino posterior.

[Fonte: A. Aspinall (ed.), The Later Correspondence of George III - Volume Five (1808-1810), London, Cambridge University Press, 1970, pp. 118-119 (doc. n.º 3711)].

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico, ao Lord Mayor de Londres (1 de Setembro de 1808)





Downing Street, 1 de Setembro de 1808.




Tenho a honra de informar Vossa Senhoria que o Capitão Campbell chegou hoje à noite com ofícios do Tenente-General Sir Arthur Wellesley, remetidos do Vimeiro, a 22 de Agosto, dando conta de duas vitórias obtidas sobre o Exército francês, em Portugal; a primeira, no dia 17, na Zambujeira, sobre os corpos avançados dos franceses, que consistiam em 6.000 homens comandados pelos Generais Laborde e Brenier, na qual os franceses foram batidos, com a perda de 1.500 homens, entre mortos, feridos e prisioneiros; a segunda, sobre a totalidade do Exército francês em Portugal, constituído por 14.000 homens, comandados pelo General Junot, na qual os franceses foram completamente derrotados, com a perda de treze peças de canhão, vinte e três carros de munições e cerca de 3.500 homens mortos, feridos e prisioneiros.
Em consequência desta acção, o General Kellermann chegou ao Quartel-General [britânico], com uma bandeira de tréguas, para tratar os termos [da capitulação].
O Tenente-General Burrard desembarcou e chegou ao campo da acção no passado dia 21, depois da batalha ter começado; porém, generosamente declinou tomar o comando de Sir Arthur Wellesley. No dia 22, o Tenente-General Sir Hew Dalrymple desembarcou, e tomou o comando.
Tenho a honra de ser, etc.

Castlereagh

[Fonte: The Times, London, September 3, 1808; The National Register, n.º 36, September 4, 1808, p. 571; Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 312-313; outra tradução disponível no Correio Braziliense, Londres, Setembro de 1808, pp. 294-295]. 

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (1 de Setembro de 1808)


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:




Fui pela manhã logo a casa do General em Chefe [Dalrymple]; disse-lhe que tinha algumas observações a fazer-lhe relativamente aos artigos da Capitulação que me havia mandado mostrar; porém, como eram alguma coisa importantes, que eu devia pô-las por escrito; disse-me que em tal caso me daria também por escrito a resposta; vim imediatamente para o Quartel; dirigi-lhe a carta (cujo borrão remeto a Vossa Excelência); foi o Capitão Malheiro levá-la, e achou que o General tinha partido sem se saber para onde; mando pois o mesmo a encontrá-lo aonde quer que o achasse a entregar-lhe o ofício acima dito; eu perco com efeito o fio à teia se isto assim contia, ainda que não perderei nunca a paciência, nem o desejo de poder justificar o conceito que se faz de mim, muito superior decerto à realidade das minhas forças; se o General inglês não me responder, estou decidido a ir eu mesmo buscar a resposta logo que saiba aonde; não mandando Vossa Excelência o contrário. Remeto essa carta para o Senhor Bispo, que eles me mandaram entregar; mas será bom que Vossa Excelência a acompanhe com alguma sua, que explique os termos do negócio e os esforços que se têm feito por salvar a dignidade nacional, comprometida já há bem tempo, Deus sabe por quem, e que agora certamente não lhe importa os que jogam de dentro; porque estou convencido que os verdadeiros portugueses são poucos. Tenha Vossa Excelência quanto deseja e lhe apetece este. 
De Vossa Excelência, súbdito o mais atento e obrigado,

Aires Pinto de Sousa.

Torres Vedras, primeiro de Setembro de mil oitocentos e oito.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 226 (incluído no doc. 59)].

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (1 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Ainda hoje não me é possível escrever a Vossa Excelência de mão própria com a extensão que quisera, porque os meus olhos, como os de muitas pessoas do Exército, têm sido atacados de inflamação, sem que se conheça exactamente a razão desta epidemia. Na última que tive a honra de dirigir a Vossa Excelência, da Lourinhã, expus a Vossa Excelência quanto havia acontecido até à sua data. Acrescentarei agora que a 29 partimos da Lourinhã, fazendo a direita do Exército de Operações, tendo-se combinado este movimento com o General Dalrymple, que escolheu a posição do centro; e pelo meio da tarde chegámos à Encarnação, aldeia distante de Mafra quase duas léguas. Alguns destacamentos franceses nos observavam, e se retiravam tanto que os mandei reconhecer. À noite tive insinuação daquele General para não adiantar a minha marcha enquanto o seu Exército se não avançasse mais, pois que estávamos mais distantes dele que do inimigo. Ontem se adiantaram os ingleses; expediram-se ordens ao Brigadeiro Bacelar para continuar a sua marcha, e por ofícios que dele recebi, entendo que estas ordens o achariam pronto para partir imediatamente; reuniram-se-nos quase todas as tropas que em Leiria tinha destacado para o Exército inglês, e hoje um corpo deste mesmo Exército, forte de 3.000 homens, comandado por Murray, se aproximou do nosso para cooperar com ele. Além de muitos oficiais de diferentes corpos, vieram mais 210 soldados da Guarda da Polícia incorporar-se armados com o Exército; segundo estas medidas, o inimigo está apertado por um cordão de mais de 40 mil homens; e findo o Armistício, ou deve capitular, ou se expõe a ser inteiramente derrotado. Ele tinha ontem na Ericeira 60 homens, e em Mafra 1.500, pouco mais ou menos; estes devem desaparecer diante de nós imediatamente que saiamos daqui.
Diz-se constantemente que o inimigo está desanimado; que o povo de Lisboa o trata já com desprezo e certa superioridade; e que Junot tem feito passar para Cacilhas alguma tropa, que se diz [que] estacionaria. O Brigadeiro Bacelar mandou reconhecer este lado do Tejo, e tem tomado medidas para se lhe obstar se for possível; e já se diz que a tropa de Setúbal e alguma outra lhe disputam o passo.
Da Esquadra russa nada se sabe aqui de positivo; parece provável que ela não tome o partido dos nossos inimigos. Tem sido preciso providenciar sobre as distribuições dos géneros que formam a base da subsistência do Exército, e mandei observar inteiramente o regulamento de 22 de Novembro de 1802, contando-se a data dos vencimentos segundo as ordens anteriormente estabelecidas. 
Igualmente dei algumas providências interinas para fornecimento da Caixa Militar do Exército que comanda o Brigadeiro Bacelar, tomando as quantias necessárias para os Cofres Públicos da Comarca de Santarém e Torres [Vedras] por empréstimo e serem pagas pela mesma Caixa. De provisões de boca temos melhorado, porque apareceram alguns celeiros públicos e de particulares que estavam debaixo de confisco, e deles nos vamos provendo de preferência, por não vexar os povos.
O Desembargador Sebastião Correia, que aqui chegou ontem à noite, poderá dar-nos mais algum descanso sobre estes artigos. Continua-se a prender e processar gentes más ou suspeitosas, e a pôr a coberto de insultos todas as autoridades públicas. Ao Exército do Brigadeiro Bacelar mandei reunir a tropa que estava em Tomar e qualquer outra que lhe ficasse ao alcance, e montar o Regimento de Cavalaria de Santarém; em consequência do que ele mandou vir de Abrantes 600 armas para o Regimento n.º 23 e 300 homens do mesmo Regimento, e 300 recrutas do Regimento n.º 24, e de Viseu toda a Cavalaria do Regimento n.º 11 que estivesse pronta para entrar em acção, e requereu ao Marechal de Campo José António Botelho as duas Companhias de Infantaria para se unirem ao Corpo espanhol do Marquês de Valladares, que, contra o seu primeiro destino, ultimamente haviam passado ao bloqueio de Almeida. Ele cuida em se apoiar dos povos de Ribatejo, entusiasmando-os e armando as ordenanças; eu lhe mandei provimento de proclamações para se obter aquele efeito. Até 29 não havia em Santarém notícia do Exército espanhol, que tantas vezes se tem anunciado vagamente, e se dizia ser de 15 mil homens. O Brigadeiro Bacelar tinha já mandado um oficial e três expressos para saber daquele corpo.
Se ele aparecesse sobre o lado esquerdo do Tejo, seria uma fortuna para aquela província, porque bateria o inimigo, se já tivesse na verdade desembarcado, e obstaria ao desembarque, se ele o intentasse; vindo a evitar-se em todo o caso que ele se recolha a Elvas, ou o que seria pior, se dirija para a Beira.
Enfim, eu insisto neste princípio, que de tal modo se deve atacar o inimigo, que as províncias e todos os povos da retaguarda dos Exércitos não possam mais ser inquietados por eles, e estou certo que é assim que se ganhará a confiança pública; sendo-me de muita consolação em todo o caso, Senhor, que estas medidas são da aprovação de Vossa Excelência e do Governo.
Quartel-General da Encarnação, 1 de Setembro de 1808*.

Bernardim Freire d'Andrade [sic].

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 3-5 (doc. 60)].


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Nota: 

* Segundo a transcrição que utilizámos, este documento está datado de 2 de Setembro. Contudo, pelo seu contexto, tal datação parece estar errada, e aliás, no índice da correspondência da citada "Serie chronologica", indica-se que este documento foi composto a 1 de Setembro, data que nos parece a correcta. De facto, quando escreveu esta carta, Bernardim Freire de Andrade ignorava ainda que os franceses tinham assinado a capitulação definitiva, facto que só conhecerá já durante a noite de 1 para 2 de Setembro, escrevendo em consequência, logo de seguida, uma nova carta ao Bispo do Porto.

Carta do General Junot ao General Dalrymple (1 de Setembro de 1808)





O General em Chefe do Exército francês em Portugal a Sua Excelência o Senhor General em Chefe do Exército inglês em Portugal




Lisboa, 1 de Setembro de 1808.




Senhor:


Recebi a ratificação [da Convenção de 30 de Agosto] que Vossa Excelência me reenviou ontem através do sr. Tenente-Coronel Lord Proby, e apresso-me a reparar a omissão que ocorreu da minha parte sobre a Convenção Definitiva*.
As minhas tropas receberam ordens esta manhã para se retirarem de maneira a deixar às de Vossa Excelência os postos que devem ocupar segundo a Convenção. Convém-vos agora nomear, pela vossa parte, um Comissário para a execução definitiva de todas as medidas que devem ser tomadas para o embarcamento das tropas que comando, tal como o farei pela minha parte.
Os fortes do Bugio e de S. Julião serão entregues às tropas de inglesa amanhã, às dez horas da manhã, e a partir de então nada poderá retardar o embarcamento.
Rogo a Vossa Excelência o reconhecimento da garantia da minha alta estima, e de me crer, 
Senhor General em Chefe, 
O vosso mais humilde e mais obediente servidor,


O Duque de Abrantes.



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Nota:



Carta do General Wellesley a Charles Stuart (1 de Setembro de 1808)




Sobral [de Monte Agraço], 1 de Setembro de 1808.


Meu caro Senhor:

Creio que na última carta que vos escrevi informei-vos das nossas acções dos dias 17 e 21 de Agosto; e que o Comandante em Chefe [Dalrymple] tinha acordado uma suspensão de hostilidades com os franceses, a fim de ser negociada uma Convenção para a sua retirada completa de Portugal. 
Depois de ter escrito tal carta, recebi a vossa, segundo penso, no dia 19 de Agosto, que dei a Sir Hew Dalrymple, e ele certamente ter-vos-á escrito. Somente vos incomodo agora porque a partida de Sir Robert Wilson oferece uma oportunidade favorável para enviar uma carta, e porque considero que é desejável que sejais informado do estado das circunstâncias aqui.
O acordo para a suspensão de hostilidades, concluído na noite de 22 de Agosto, culminou com uma Convenção para a evacuação de Portugal pelos franceses, assinada no dia 30 daquele mês. Tanto quanto fui informado, a Convenção não contém nada de grande importância, exceptuando que os franceses serão levados para um porto na França; que até embarcarem ficarão em posse de Lisboa, e de duas léguas à sua volta; e que devemos ter o forte de São Julião, em Cascais, e todos os fortes da costa e no interior, depois da ratificação da Convenção.
Eles libertarão os prisioneiros espanhóis perante o comprometimento do General [Dalrymple] em usar os seus bons ofícios para que sejam igualmente libertados os franceses que foram aprisionados na Espanha, e que não se tenham envolvido em hostilidades.
Segundo fui informado, não existe nada mais na Convenção que tenha qualquer importância. Os russos, dinamarqueses, etc., ficam à nossa mercê.
Por aquilo que pude conhecer destes acordos, tenho muitas objecção tanto em relação ao Acordo para a suspensão de hostilidade como à Convenção para a evacuação de Portugal pelos franceses. Aprovo, contudo, o principal ponto da última, a saber, que se permita a sua evacuação; e é inútil incomodar-vos com as minhas objecções sobre o modo como se decidiu executar tal ponto.
As razões que tenho para pensar que fizemos o que era certo ao permitirmos a sua evacuação são as seguintes:
Primeira: Sir Harry Burrard e Sir Hew Dalrymple, ao determinarem que levariam o corpo de Sir John Moore para Lisboa, em vez de o colocarem numa posição onde teria meios para cortar a retirada do inimigo através do Tejo, permitiram que o inimigo se pudesse defender em Elvas e Almeida, e a campanha teria sido gasta no cerco ou bloqueio de tais praças. Admitindo que o exército que evacuará Lisboa passaria imediatamente às fronteiras da Espanha, concebo que era melhor ter tal exército nessa posição, e o nosso exército agindo na Espanha, em cooperação com as tropas espanholas, do que ter as tropas francesas ocupando praças-fortes em Portugal, e o nosso exército ocupado com o seu cerco ou bloqueio.
Segunda: O Comandante em Chefe [Dalrymple] e aqueles que o rodeiam pareceram muito relutantes em avançar para Lisboa, mesmo depois da nossa vitória de 21 de Agosto, sem a assistência do corpo de Sir John Moore; e como era muito incerto o momento da sua chegada à Maceira [=praia do Porto Novo], que era o lugar de desembarque, e como os atrasos nesta estação do ano eram muito perigosos, e já tinha havido bastante mau tempo no dia 22 de Agosto, que se esperava que se prolongasse no início deste mês, tendo que abandonar a costa a frota de transportes, cuja comunicação nos era também tão necessária naqueles dias, considerei que a única chance de alcançar Lisboa seria através duma negociação.
Se não tivéssemos negociado, não poderíamos ter avançado antes do dia 30, pois o corpo de Sir John Moore somente ficou pronto naquele dia. Os franceses teriam ao mesmo tempo fortificado as suas posições perto de Lisboa, o que possivelmente impediria que estivéssemos em situação de atacá-los antes do fim da primeira semana deste mês. Assim, tendo em conta a hipótese do mau tempo nos privar de comunicarmos com a frota de transportes e provisões, atrasando e tornando mais difíceis e precárias as nossas operações terrestres, que depois de tudo acabariam por não conseguir cortar a retirada dos franceses através do Tejo para o Alentejo, fui claramente da opinião que a melhor coisa a fazer era consentir uma Convenção e permitir que evacuassem Portugal.
Os detalhes desta Convenção, bem como os do acordo para suspensão de hostilidades, são questões doutro tipo, sobre as quais escuso de vos incomodar; e escrevi o que acima ficou escrito apenas para que estejais consciente das bases gerais pelas quais aquiescei com a Convenção, em virtude do seu ponto principal, parte do qual, segundo penso, induziu o próprio General [Dalrymple] a consenti-la.
Não sei o que é que Sir Hew Dalrymple está disposto a fazer, ou como foi instruído, mas se eu estivesse na sua posição teria 20.000 homens em Madrid dentro de menos de um mês.
Tenciono recomendar-lhe a armar e a vestir as tropas espanholas, e a enviá-las para a Espanha.
Nós, ou seja, o meu corpo, estamos apenas a vinte e quatro milhas de Lisboa, e creio que o exército está à mesma existência, no lado de Mafra.
Acreditai em mim, etc.,

Arthur Wellesley


Carta do General Wellesley ao Duque de Richmond, Lord Tenente da Irlanda (1 de Setembro de 1808)




Sobral [de Monte Agraço], 1 de Setembro de 1808.



Meu caro Duque

Anteontem foi assinada uma Convenção para a evacuação de Portugal pelos franceses, que estarão fora do país em sete dias. Não vi a Convenção, mas sei que contém alguns pontos que desaprovo tanto quanto desaprovei o acordo para suspensão das hostilidades; porém, é inútil incomodar-vos com as minhas objecções à Convenção. Disse-vos na minha última carta que pensei que era justo concordar com o ponto principal da Convenção, a saber, a evacuação; e o modo este ponto como foi posto em execução não tem grande importância.
Os exércitos estão agora posicionados como se segue: o meu corpo está à esquerda, a cerca de vinte e quatro milhas de Lisboa, e deverei marchar amanhã para Bucelas e [Santo Antão do] Tojal, onde ficarei a cerca de vinte milhas de Lisboa; e o exército que consiste no corpo de Moore e nas brigadas de Anstruther e Ackland está hoje em Mafra, e amanhã estará em Sintra. Este exército ocupará o forte de S. Julião e Cascais, e devemos ficar nessas posições até que os franceses evacuem. Através da ratificação da Convenção, ficámos imediatamente com os fortes do interior e da costa.
Devo esperar até ver os franceses abandonarem completamente o país, em cujo momento deverei saber se os ministros querem que regresse ao meu ofício*. Se assim o quiserem, estarei convosco sem demora; e garanto-vos que, considerando a forma como as coisas serão provavelmente levadas a cabo aqui, não me arrependerei de partir.
Dai sinceras lembranças minhas à Duquesa e às crianças.
Acreditai em mim, etc., 

Arthur Wellesley

P.S.: Lord Fitzroy regressou de Lisboa, e apresentou uma boa descrição de Junot, que foi muito polido consigo.


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Nota: 

* Imediatamente antes de ser nomeado para partir ao comando do exército britânico destinado a Portugal, Wellesley era chefe da Secretaria da Irlanda, servindo como secretário do Duque de Richmond (destinatário desta carta), para além de ser igualmente conselheiro privado do Governo britânico.

Carta do Major Aires Pinto de Sousa ao General Bernardim Freire de Andrade (1 de Setembro de 1808)




Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

A minha carta de ontem à noite mostrará a Vossa Excelência «si les français se sont rendus» como lhe [as]segura o General Murray; os franceses fizeram quanto queriam, e é tudo; eu mesmo não sei como semelhante Convenção há de ser vista em Inglaterra. Hoje hei de pedir outra vez cópia oficial dos artigos e hei de desabafar com o General [Dalrymple], e pode Vossa Excelência contar que não me há de esquecer nada, e de tudo darei uma exacta conta, esperando que seja o último passo da mesma comissão, em que a velhacaria francesa em grande parte transtornou o que se me havia prometido. Até logo saberá Vossa Excelência o resultado.
Tenha Vossa Excelência saúde e paciência, que lhe deseja seu primo, etc.

Aires Pinto de Sousa.

1.º de Setembro de 1808.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 225-226 (doc. 59)].

Carta do Major Aires Pinto de Sousa, Ajudante do General Bernardim Freire de Andrade, ao General Dalrymple (1 de Setembro 1808)





Senhor: 

De acordo com as ordens de Vossa Excelência, o Coronel Murray mostrou-me ontem os artigos da Capitulação concluída entre os exércitos britânico e francês, e ontem mesmo dei parte ao General em Chefe do Exército português; e em consequência das minhas instruções, considerando, por uma parte, que a capitulação entre os dois exércitos inglês e francês está definitivamente concordada; e que, por outra parte, o General Bernardim Freire de Andrade seria de alguma forma responsável, perante o Governo Provisório de Portugal [=Junta do Porto], se não conseguisse obter para os habitantes do Reino de Portugal tudo quanto lhes poderia ser útil, e honroso ao Estado; e reflectindo ainda que, na capitulação que Vossa Senhoria quis por bem fazer-me ver, não há um só artigo em que o exército português seja considerado, e que, não obstante, encontra-se um artigo que garante aos franceses a restituição dos oficiais civis que o exército português aprisionou, creio ter o dever, em virtude das instruções que recebi, de apresentar a Vossa Excelência as seguintes questões: 

1.ª Até que ponto se estende a garantia oferecida aos franceses, em relação à restituição dos oficiais civis que estão em nosso poder? 

2.ª Se o Governo provisório de Portugal, aprovando a conduta do General Freire por não ter tomado parte nos ajustes feitos com os franceses, ordenar [que o exército português] se mova para diante, em combinação com o exército espanhol do Alentejo, o exército inglês opor-se-á a este movimento? 

3.ª Se suceder que, devido aos acordos feitos entre o exército britânico e francês, a honra e a dignidade da nação portuguesa e a autoridade de Sua Alteza Real o Príncipe pareçam ter sido de alguma forma comprometidas, os Generais ingleses responderão [pela responsabilidade que nisto tiveram]? 

Espero que Vossa Excelência convencer-se-á de que nenhum interesse particular guia a minha pena, que faço justiça aos sentimentos de amizade e lealdade da nação britânica, e que, pela parte que me toca, confesso a Vossa Excelência que me sinto bastante honrado pelo acolhimento amigável com que Vossa Excelência me recebeu; mas Vossa Excelência deve sentir muito bem que o público não julgará nada segundo a nossa conduta particular, mas sim a partir do que terá um carácter autêntico; e não haverá nenhum meio de evitar a malevolência do público, a não ser obtendo uma tal resposta de Vossa Excelência, através da qual todo o povo português possa saber que o General a quem ele confiou a direcção das suas forças não cedeu senão à urgência das circunstâncias e à necessidade absoluta de não comprometer o exército debaixo do seu comando.
Tenho a honra de ser, com o mais profundo respeito, o mais devoto e respeitador servidor de Vossa Excelência. 

Aires Pinto de Sousa 


Torres Vedras, 1 de Setembro de 1808.


[Fonte: Parece que esta carta foi escrita originalmente em francês, sendo nesta língua que se conservam as transcrições publicadas nas seguintes obras: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 202 (doc. 99). Foi publicada uma tradução em português no Correio Braziliense, Londres, Maio de 1809, pp. 426-427; Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 226-227 (incluída no doc. 59)].

Carta do Brigadeiro-General Frederick von Decken ao General Hew Dalrymple, Comandante do Exército britânico em Portugal (1 de Setembro de 1808)



Porto, 1 de Setembro de 1808


Senhor:

Lamento muito ver, através da carta de Vossa Excelência do dia 24 do mês passado (a qual tive a honra de receber na noite passada), que tive a desgraça de excitar o vosso descontentamento, e não perco tempo para rogar-vos para estardes convencido de que as vossas ordens serão obedecidas mais estritamente; e que, no caso de que me cheguem instruções do Governo [britânico], pretendo não agir segundo as mesmas sem antes ter recebido as vossas ordens. 
O Bispo do Porto sabe que não recebi quaisquer instruções, tanto da vossa parte como do Governo [britânico]. Tudo o que se passou entre nós, em relação à sua renúncia, foi apenas considerado como um assunto privado, ainda que, da parte do Bispo, houvesse a intenção destas conversações servirem de meio para que as suas ideias fossem transmitidas a vós. Se nas cartas que tive a honra de vos escrever encontram-se propostas que não são referidas como tendo sido feitas pelo Bispo, tal se deve ao seu desejo de não se mencionar o seu nome para não se dar a entender que ele quer continuar à cabeça do Governo; mas o certo é que todas as propostas e observações foram sugeridas ou pelo próprio Bispo ou pelo seu secretário; e Vossa Excelência pode estar seguro que o Bispo não recebeu da minha parte qualquer insinuação que pudesse dar-lhe esperanças que vós ou o nosso Governo querem que ele continue à frente do Governo temporário.
É verdade (como tive a honra de vos referir na minha carta de 18 de Agosto) que não tinha quaisquer instruções para responder às primeiras comunicações do Bispo; e talvez ele tenha tomado em consideração se não seria mais aconselhável resignar no momento presente; mas eu estava então convencido que o Bispo era o único homem que tinha alguma influência sobre a mente deste povo inculto, que estava num estado de revolução; e considerei que a mera ideia do Governo ser retirado do homem que o povo tinha escolhido para seu líder, poderia conduzir às mais fatais consequências para a causa comum. Tinha todas as razões para me esforçar em ganhar a confiança do Bispo, e não poderia, por isso, de deixar de vos transmitir os seus desejos; e, além do mais, ao não ter eu assumido qualquer autoridade, ficou completamente nas vossas mãos agirdes segundo a vossa vontade. As brilhantes façanhas do exército debaixo do comando de Vossa Excelência alteraram bastante o estado das circunstâncias. A ordem pode agora ser facilmente restaurada, ao passo que tal seria difícil enquanto o país fosse um teatro de guerra; e a necessidade de obedecer, pelo menos aparentemente, à vontade do povo que tomou as armas, ficou certamente removida em grande parte.
Ao ter o Bispo declarado que não pode deixar o Porto, e, portanto, que não pode fazer parte do Governo se o assento deste não for transferido para esta cidade, fica completamente nas mãos de Vossa Excelência a justa pretensão de se excluir o Bispo do Governo; dando o Governo à antiga Regência ou àqueles membros da mesma que achardes mais próprios. Peço licença para acrescentar que, desde há uns dias, o Bispo parece estar consciente de que o assento do Governo não será transferido para esta cidade, e que, consequentemente, deverá resignar. Apesar de não o conhecer suficientemente para formar uma opinião decidida, ainda assim atrevo-me a dizer que ele está muito ligado aos interesses do seu Soberano para usar a sua grande influência contra o Governo que Vossa Excelência achar que será o mais próprio para se nomear, com a excepção de diversos membros da antiga Regência, que ele acusa de serem do partido francês.

Brigadeiro General


Notícia publicada na Minerva Lusitana, sobre as movimentações do Exército português (1 de Setembro de 1808)


Encarnação, 1.º de Setembro.

Viemos da Lourinhã para a Encarnação, onde recebemos aviso de não marchar mais adiante por estar o inimigo em negociação. Esperámos estes dois dias, e com bom proveito; porque agora que são duas da noite, chega do Quartel-General inglês a notícia de que o inimigo capitulou.

[Fonte: Minerva Lusitana, n.º 31, 2 de Setembro de 1808].

Carta do Tenente-Coronel Nicholas Trant ao General Bernardim Freire de Andrade (1 de Setembro de 1808)


Quartel-General da Encarnação, 1.º de Setembro de 1808.



Meu General:


As ordens que recebi, para fazer recuar ao vosso Corpo de Exército o Destacamento português que serviu debaixo do meu comando na campanha que acaba de terminar, indicavam-me para ficar junto do vosso Quartel-General, a fim de o apresentar. Porém, penso que o objecto dessa instrução dirigia-se mais imediatamente às operações hostis que poderiam ainda fazer-se na nossa aproximação a Lisboa.
Estando neste momento as coisas terminadas do melhor modo, peço-vos para acreditardes nas garantias do meu reconhecimento pela maneira honesta como me haveis recebido quando regressei para o pé de vós, e ao mesmo tempo para vos persuadirdes que caso surja uma ocasião para vos acompanhar mais uma vez à guerra, encontrar-me-eis sempre às vossas ordens.
Aguardo partir para a Inglaterra, porque a minha missão em Portugal chegou ao fim, e devo necessariamente regressar aos meus deveres oficiais no Quartel-General do Duque de York, onde o meu emprego ainda me está reservado.
Pretendo assim, meu General, deixar o vosso Exército amanhã, se não houver nada em que ainda possa ser útil.
Ainda que o comando que me haveis confiado da Brigada que recuei para aqui me tenha lisonjeado tanto quanto o mérito dela própria, apenas me poderia aplicar a permanecer ao seu comando se houvesse mais alguma oportunidade para a conduzir em ocasiões de actividade.
Devido à crise actual, é bastante provável que enviareis esse Destacamento das vossas Tropas para a Espanha; nesse caso, nada me daria mais honra do que ter debaixo das minhas ordens três ou quatro dos vossos Batalhões, e não hesitaria em marchar amanhã.
Não pediria mais dinheiro, senão somente a distinção militar que o comando exige, pois não me sentiria senão bastante lisonjeado por ter debaixo das minhas ordens umas Tropas que, apesar das desvantagens [derivadas das posições] onde foram colocadas, como [se fossem] novos recrutas, a boa vontade e a conduta geral, tanto delas como de toda a restante Nação, são por mim estimadas.
Tenho a honra de ser, General, vosso muito devotado e fiel servidor.


Trant


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 225 (doc. 58)].

Carta do Bispo do Porto ao General Bernardim Freire de Andrade (1 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:



Tenho recebido com toda a satisfação dois ofícios de Vossa Excelência [de 25 e de 27 de Agosto], em que me referia as notícias relativas às operações do Exército, pelas quais dou muitas graças a Deus Nosso Senhor, e às actuais circunstâncias do Exército, o qual ainda me deve necessariamente um grande cuidado, assim pela incerteza dos futuros sucessos, como também pela sua conservação e subsistência, visto que de Inglaterra somente veio a metade do que se pedia. Achei muito bem obstado os preliminares da Capitulação, porque eram para nós de grande prejuízo*. Muito bem me parece que se adiante Bacelar para o fim que Vossa Excelência me participa. 
Remeto a promoção em que me fala**, e a Junta do Supremo Governo passa as ordens necessárias a respeito de dinheiro.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 1 de Setembro de 1808.

De Vossa Excelência amigo obsequioso e obrigado,
Bispo Presidente e Governador.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 224 (doc. 56)].
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Notas: 

* Note-se que o Bispo do Porto refere-se tão somente aos artigos do Armistício, e não aos da Convenção definitiva, que entretanto já tinha sido assinada, mas cuja notícia só chegaria ao Porto no dia 3 de Setembro.

*Na carta de 27 de Agosto, Bernardim Freire de Andrade alertava ao Bispo que era necessário nomear um Governador para a província do Alentejo, cargo que a Junta do Porto decidiu confiar, interinamente, ao Conde Monteiro Mor.


Carta do Secretário da Junta Provisória do Governo Supremo do Porto ao General Bernardim Freire de Andrade (1 de Setembro de 1808)


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

A Junta Provisional do Governo Supremo manda participar a Vossa Excelência que o Conde Monteiro Mor, Capitão General do Reino do Algarve, vem acompanhando o Exército que saiu deste Reino [do Algarve], para ocupar com ele, pela banda do sul, as imediações do Tejo, e na fundada probabilidade desta informação, passa a cometer-lhe a direcção e Governo interino da mesma província para regular as providências que as circunstâncias ocorrentes forem exigindo; assim como deverá Vossa Excelência combinar, nesta suposição, as relações que for precisado contrair com a província do Alentejo.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Porto, em 1 de Setembro de 1808.

Manuel Joaquim Lopes Pereira Negrão.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 224 (doc. 57)].

Carta da Junta do Porto ao Conde Monteiro Mor, General em Chefe do Exército do Sul (1 de Setembro de 1808)



Em nome do Príncipe Regente Nosso Senhor:

A Junta Provisional do Governo Supremo [do Porto], tomando em consideração o estado em que se acha a província do Alentejo, e querendo prover como convém à segurança e defesa da mesma, há por bem determinar que o Conde Monteiro Mor, Governador e Capitão General do Reino do Algarve, que passou já com o seu Exército à dita província do Alentejo, enquanto nela se achar, tome em si a defesa da mesma província, tomando e exercendo também provisoriamente o comando e governo das suas armas; a cujo fim se lhe ordena que, pondo logo todo o cuidado e actividade em preencher e organizar os Regimentos antigos que fazem a força militar da dita província, empregue e dirija a mesma força segundo as ordens que lhe forem expedidas por esta Junta; e na falta delas, ou no caso de qualquer imprevisto acontecimento que faça necessário a sua alteração, use da mesma força onde mais convier, para repelir qualquer agressão do inimigo e [para] proteger a segurança dos Povos e das suas propriedades. Para a subsistência e fornecimento das ditas tropas, enquanto não se podem dar outras providências mais adequadas, o autoriza a mesma Junta para se servir de qualquer fundo e dinheiros públicos existentes nos Cofres da dita província, passando ordens sobre eles aos ministros da sua inspecção, que serão cumpridas e abonadas as entregas que em virtude delas se fizerem; ordenando-se-lhe que estabeleça a competente forma de administração que deve haver neste artigo com a maior economia possível, nomeando para administrador do Assento, que deve haver, e para tesoureiro pagador dos soldos e prés, sujeitos de inteira confiança, de que dará conta para se lhe confirmar. Recomenda-se-lhe muito particularmente que procure manter a boa inteligência e harmonia com as tropas espanholas nossas aliadas e com o seu comandante [em] chefe, residente em Badajoz, combinando-se com ele de forma que se prestem reciprocamente os auxílios que convierem à segurança de ambas as nações, como ao dito comandante espanhol é requerido por esta Junta na carta de que se lhe remete a cópia inclusa, para sua inteligência e governo. Recomenda-se-lhe muito de se dirigir e governar pelas instruções particulares que com esta se lhe remetem; e segundo elas poderá cometer interinamente o Governo de quaisquer praças da província a oficiais portugueses que se façam dignos da sua confiança, dando logo conta da escolha que fizer, e motivos dela, para se lhe aprovar, ou substituir [por] outro, sendo conveniente. Esta Suprema Junta confia muito da desteridade, prudência, valor e fidelidade do Conde Monteiro Mor, para lhe cometer o governo e direcção de um negócio de tanta importância, e tando do serviço do Príncipe Regente Nosso Senhor e da Nação; e ainda confia do seu arbítrio qualquer alteração que se faça indispensável pelas circunstâncias ocorrentes, de que dará logo parte.
Porto, em Junta do 1.º de Setembro de 1808.

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, 1941, pp. 370-371 (doc. 48)].

The Spanish Bull broke loose or Josephs flight out of Spain, caricatura de James Gillray (Setembro de 1808)


Fonte: Brown University Library

O touro espanhol solto ou a debandada de José da Espanha.
Caricatura de Charles William, publicada em Setembro de 1808.

Esta caricatura é uma sequela duma outra que já tivemos ocasião de publicar aqui. Se na anterior caricatura o touro espanhol não tinha nome, agora passa a ser nomeado Don Bull ("Dom Touro"), e a corrente corsa que antes levava ao pescoço jaz agora no chão, debaixo do seu acompanhante, John Bull personificado também num touro, o qual transporta no dorso um cesto (com a sigla do rei britânico George III) cheio de inúmeras espadas e espingardas munidas de baionetas. Iluminados e aquecidos pelo sol do Patriotismo, ambos touros bufam Liberdade das narinas enquanto perseguem José Bonaparte, que foge espavorido em direcção a Bayonne, montado num burro carregado com cálices e outros objectos religiosos de prata e com sacos com dólares ouro (este último está rasgado e já caíram algumas moedas ao chão). Ao fundo, atrás de José (que deixa cair a coroa espanhola na fuga), e toldados por uma nuvem densa e escura que nada augura de bom, soldados franceses marcham também em direcção à França, puxando dois carros carregados com Prata das Igrejas e de Privilégios Reais



Finalmente, e tal como na outra caricatura acima aludida, toda a cena é observada com aparente euforia por um grupo de soberanos europeus, dispostos sobre um monte localizado no centro da gravura.

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Outras digitalizações: 


- Oxford Digital Library

- British Museum

Joseph in Jeopardy, in the last scene of the Pantomime Royal, at Madrid. A Spic and Span New Ballad, to the Tune of "Beat the Knave out of Doors", sátira publicada por John Hatchard (Setembro de 1808).




Esta gravura foi publicada na Inglaterra em Setembro de 1808, tratando-se de uma das muitas sátiras coetâneas sobre o início dos desaires dos franceses na Espanha. A caricatura que encabeça a folha alude à saída apressada de Madrid, por parte do exército napoleónico (ao fundo) e de José Bonaparte (em primeiro plano), depois da tomada de conhecimento das vitórias espanholas dos Generais Castaños e Blake em Bailén. Como noutras caricaturas publicadas na mesma época, José Bonaparte perde a coroa de Espanha nesta fuga, embora mantenha consigo vários objectos religiosos roubados. Da boca de um dos Generais (vestidos como nobres espanhóis) que seguem no encalce do novo monarca sai a seguinte frase latina: Non fuit Autolyci tam piceata manus ["Nem Autólico tinha tal mão de gatuno"]. Trata-se duma expressão atribuída ao poeta latino Marcial, referindo-se a Autólico, que, na mitologia grega, era filho de Hermes, e, como o seu pai, famoso em todas as artes da fraude e do roubo. 

A ilustração é procedida pelos versos duma "balada", que, como o título indica, deveria ser cantada ao som duma suposta música intitulada Beat the knave out of doors. Ora, esta expressão, que na verdade era o nome dum antigo jogo de cartas, significa literalmente Expulsar/retirar o valete para fora, para além de ter outros significados possíveis: dar batida ao patife; provocar a retirada apressada do patife; levar a melhor sobre o patife; expulsar o patife à pancada; bater no patife na ruaremover o patife para o exterior, etc. Deve notar-se ainda que o termo knave tanto significa valete como patife, como ainda criado (neste caso, de Napoleão). Alguns destes significados estão presente tanto na ilustração como na tradução livre que fizemos dos versos originais, que contudo não permite reproduzir as rimas originais dos versos (AABCCB). 






José em perigo, na última cena da Pantomima Real, em Madrid.
Uma balada novinha em folha,
ao som de "Beat the knave out of doors"


A toda a pressa para Madrid
José Bonaparte viajou;
E quando entrou na cidade
Vigorosamente berrou:
Dizei aos vossos Bourbons boa noite!
Eles cederam o seu Direito
A Napoleão: Para que lado o vento está
Claramente podeis ver, 
Pois Napoleão deu-o a mim:
Sou, assim, Zé, Rei da Espanha e das Índias».

«Se fostes convocado pela Providência
Para reinar sobre o nosso Reino da Espanha,
mostrai-nos a sua autorização»,
Exclamaram os espanhóis - «Visto que,
Zé, se nenhuma podeis mostrar,
Regressareis sem cumprir a vossa missão».

Tão inflexíveis pareciam ambos os Dons,
Que Zé concluiu que era tempo de ir embora; 
e, pronto para partir,
Pensou ele: aqui vou eu,
Estou em forma; deveis saber,
Sou irmão-rendido do grande Bonaparte.


Filho de peixe sabe nadar,
E, assim, forçou todos os cadeados,
Roubou o alcaçuz do palácio;
Roubou as Igrejas para o butim;
Bem sabia ele como fazê-lo,
Tendo durante tantos anos roubado os patíbulos.  

O seu zelo em despojar
A prata e ouro dos espanhóis
Não poupou nem as suas refeições nem as suas bolsas;
Se os dentes das suas cabeças
Fossem feitos daqueles metais,
Todos furtaria Zé das suas dentaduras.

Assustado, então regressou,
Para Bayonne debandou
Como um cão cuja cauda foi chamuscada;
Pois Castaños e Blake 
Perseguiram de perto o seu rastro,
Determinados a dar-lhe uma carga de pancada.

Mas Zé não receia o chicote
Desde que deles escapou; 
Pois a sua pressa, como a sua coragem, era grande: 
E, tendo entretanto sido privado da Coroa
Nesta corrida celebrada,
Zé jura que veio pela Prata.

Apologia do Rei José Bonaparte aos espanhóis (no fim do seu Reinado de Sete Dias) 
sobre a sua fuga de Madrid com as pilhagens do Palácio e Igrejas, etc.


          Se na breve Pantomima tive uma má actuação
          Enquanto fiz de Rei no seu trono,
          Fazei-me justiça, e dizei: Representei bem o Ladrão:
          Pois essa personagem, Senhores, era a minha própria.