Instruções secretas para o Major Aires Pinto, organizadas no Conselho [Militar].
Assentou-se que o Major Aires Pinto passasse ao Quartel-General do Exército britânico a expor ao Comandante em Chefe do mesmo Exército o seguinte:
1.º Que ao General em Chefe e mais oficiais Chefes das diferentes Armas [infantaria, cavalaria e artilharia] do Exército português, que se convocaram em Conselho, causou a maior estranheza ver que na Convenção que se lhes comunicou, feita entre o General Sir Arthur Wellesley e o General Kellermann, não se trata do fim que se tem em vista na presente guerra, que não é nem pode ser outro, à vista das proclamações publicadas pelos Comandantes das forças navais e terrestres da Grã-Bretanha*, e pelo unânime consentimento, tão energicamente expressado, de todo o povo português, senão o restabelecimento do Governo do Príncipe Regente e da Real Casa de Bragança.
2.º Que lhe causa uma igual estranheza e sentimento ver que nesta Convenção não se contemple em nada a Junta Suprema do Governo Provisório de Portugal, estabelecida na cidade do Porto e reconhecida por todo o país que se acha livre do inimigo francês, assim como o Exército português, que pelas expressões do Artigo 4.º se pode entender como um simples ajuntamento de rebeldes armados.
3.º Que um semelhante procedimento pode trazer após si as mais funestas consequências e excitar uma guerra civil mais desastrada do que as circunstâncias em que nos achávamos e prejudicialíssima aos fins que se propõe Inglaterra de libertar as Espanhas do jugo francês; pois que fazendo desconfiar tanto a nação portuguesa como a Espanha da sinceridade dos motivos pelos quais Inglaterra faz tão grandes esforços, longe de se prestar a aceitá-los, poderão querer tratar de os repelir com a mesma energia com que se declararam contra os franceses.
4.º Que nas estipulações já ajustadas na mesma Convenção se encontram artigos que podem ser prejudicialíssimos para os interesses deste país e da causa comum, como são:
I. Tendo-se estipulado simplesmente no artigo 3.º que a linha de demarcação entre os dois Exércitos inglês e francês fosse o rio Sizandro, mas não se determinando que os Exércitos ocupassem as mesmas posições que actualmente têm; e declarando-se no artigo seguinte que a linha de demarcação para a tropa portuguesa fosse a linha de Leiria a Tomar, fica à disposição do inimigo e sujeito às suas vinganças todo o país [=região] intermediário que as nossas tropas têm já ocupado, sem que por isso possa o mesmo inimigo ser arguido de faltar às estipulações.
II. Que pelo mesmo motivo pode ficar absolutamente perdido este Exército, que se acha nesta posição pela vontade com que se prestou a cooperar juntamente com o Exército inglês, uma vez que o inimigo queira interceptar a sua comunicação com o país.
III. Que tendo-se convencionado pelo Artigo 6.º uma amnistia geral para os franceses e seus aderentes, ainda mesmo portugueses, o que parece exceder as faculdades de um General do Exército Auxiliar, não se estipule com muita mais razão a segurança das vidas e fazendas dos povos leais que por aquela demarcação ficam expostos a todo o ressentimento dos Generais e Exército francês.
IV. Que a concessão feita pelo Artigo 5.º de poderem os indivíduos do Exército francês conduzir consigo as suas bagagens e efeitos particulares de qualquer natureza que sejam, vai reduzir este país à maior miséria, porque não só levarão a este título o fruto dos imensos roubos e concussões que têm feito os Generais e mais indivíduos deste Exército; mas as propriedades e fundos públicos acumulados em Lisboa e que eles têm já subtraído ou podem subtrair dos depósitos respectivos onde se deveriam achar; e que deste modo paralisarão a nação para a defesa a que se deve preparar, ou seja no interior do país, ou ajudando os seus vizinhos os espanhóis; parecendo por isso muito conveniente que na redacção da Convenção definitiva se modifique este artigo de tal modo que não venham a resultar dele os funestos efeitos que se receiam.
5.º Que prestando-se à Suspensão de armas por ora, mas exigindo que lhe seja requerida formalmente por escrito da parte do General em Chefe do Exército britânico, o General do Exército português se julga necessitado a pretender do mesmo General em Chefe a segurança de que o Comandante do Exército francês não ocupará povoação alguma mesmo das que ficam fora da linha de demarcação, nem abandonará as posições actuais.
6.º Que tendo o Exército inglês recebido numerosos reforços, e ficando por isso inúteis os corpos portugueses que se lhes prestaram na ocasião em que se supunha a sua cooperação necessária, se deve requerer que os torne a mandar juntar a este Exército.
7.º Depois do Major Aires Pinto haver exposto ao General em Chefe do Exército britânico estas observações e de lhe fazer sentir a justiça e conveniência delas, quando veja que o dito General não se preste a assentir nelas, lhe entregará a Protestação formal** que se lhe confia, e de um modo que para agora e para o futuro possa consta à nação e ao mesmo Governo inglês e a toda a Europa que os Oficiais Comandantes deste Exército fizeram quanto estava da sua parte para evitar as funestas consequências que se receiam, enquanto o Governo legítimo, que reconhecem, não pode tomar, pela distância em que se acha, a determinação conveniente que imediatamente se vai solicitar.
Quartel-General da Lourinhã, 24 de Agosto de 1808.
Bernardim Freire de Andrada [sic].
[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 203-204 (incluído no doc. 35)].
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Nota:
* Ver em particular a proclamação de Charles Cotton e Wellesley datada de 4 de Agosto.
** Como mais adiante se verá, Aires Pinto de Sousa não chegaria a entregar ao General Dalrymple o aludido protesto, bem como as observações que nele se incluíam.
** Como mais adiante se verá, Aires Pinto de Sousa não chegaria a entregar ao General Dalrymple o aludido protesto, bem como as observações que nele se incluíam.