Fonte: British Museum
O forno em chamas - ou a última fornada de Boney completamente estragada!
Caricatura de Isaac Cruikshank, publicada a 24 Agosto de 1808.
A fim de representar as dificuldades que Napoleão começou a sentir perante o alastramento das revoltas anti-francesas na Península Ibérica, Isaac Cruikshank concebeu uma espécie de sequela duma das caricaturas mais conhecidas de James Gillray, na qual o Imperador era representado como um padeiro a fazer fornadas de monarcas*. Contudo, dois anos e meio depois da primeira ter sido executada, o cenário alterou-se. Napoleão aparece agora vergado, de braços no ar, surpreendido pelas labaredas que irromperam do forno da Espanha e Portugal (este último nome mal se deixa ver devido ao fogo). Da boca do forno, também tapada pelas chamas, surge a expressão Um povo unido jamais pode ser conquistado, enquanto nas labaredas aparecem outras inscrições, a saber (no sentido dos ponteiros do relógio): Legiões das Astúrias, Exército de Portugal, Biscaia, Exército catalão, Exército da Galiza, Exército andaluz, Exército de Castela Velha e Nova, Exército e frota britânica, Exército da Extremadura, Leão, Exército de Valencia, Múrcia, Exército de Granada. Perante estas chamas, Napoleão largou a pá com a qual queria meter o seu irmão José Bonaparte dentro do forno. Desequilibrado e prestes a cair como já caiu o seu ceptro, José grita ao seu irmão: "Oh Nap, Nap! O que é isto! Em vez de me tornardes um Rei, apenas me enganastes"**. Significativamente, também já caída sobre o chão debaixo de José, encontra-se uma pá em cujo cabo está inscrito o nome do General francês Dupont. Napoleão, que usa um avental de padeiro por cima do seu uniforme militar, bem como um chapéu bicorne exageradamente grande, exclama: "Raios, serei dominado por estas malditas chamas patrióticas; pensava que não restava uma única, mas acho que há ali mais chamas do que as que podem ser extintas por todos os meios da França".
Na direita da imagem aparece Tayllerand, representado como assistente de padeiro, de mangas arregaçadas e avental. Observando o cenário, declara ironicamente a Napoleão: "Ai Ai! Eu disse-vos que queimaríeis os dedos nessa fornada de bolo de gengibre. Mas não tenho nada a ver com isso. Sou apenas um carcereiro, por isso toda a minha glória chegou ao fim". Tayllerand está encostado a um móvel que ostenta a inscrição Prisão do Estado, sobre o qual aparecem as cabeças de Carlos IV, da sua esposa, de Fernando VII e seus irmãos***.
Outras digitalizações:
British Museum (a cores)
British Museum (a preto e branco)
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Notas:
* Aludimos à caricatura intitulada Tiddy-Doll, the great French-Gingerbread-Baker; drawing out a new Batch of Kings, publicada originalmente a 28 de Janeiro de 1806:
Fonte: Brown University Library
** " [...] Instead of a King you've only made me a Dup - ont", no original. Trata-se de um trocadilho difícil de traduzir, entre o nome do General Dupont (que fora derrotado na batalha de Bailén), e a palavra inglesa dupe, sinónimo dos termos "ingénuo", "crédulo", "incauto" (e por extensão, "otário", "tolo", "parvo"), e dos verbos "enganar, ludibriar, lograr, iludir", sendo que a expressão be the dupe of someone significa "deixar-se enganar por alguém", enquanto que make a dupe of someone, tem o sentido de "trapacear ou enganar alguém".
*** O autor da caricatura alude ao facto de Fernando VII, o seu irmão D. Carlos, o seu tio D. António e diversas outras personalidades da alta nobreza e do alto clero espanhol terem ido viver, depois das chamadas abdicações de Bayona (e durante os 5 anos seguintes), para o Château de Valençay, propriedade do próprio Tayllerand. (Carlos IV e a sua esposa, por outro lado, foram primeiro para Compiègne, depois para Marselha, e finalmente para a Itália, acabando ambos por morrer em Roma, com poucos dias de diferença, em Janeiro de 1819).