quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao General Dalrymple (8 de Setembro de 1808)





Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Depois de haver estado esta manhã com Vossa Excelência, recebi os ofícios da Junta Suprema de Governo [do Porto], e não se fazendo neles menção da marcha de um destacamento deste Exército [português], que deva entrar em Lisboa enquanto os franceses a ocupam, e ao mesmo tempo reflectindo que as tropas do Exército que comando não serão de modo algum próprias para calmar uma comoção popular, porque na alternativa de obrar contra os franceses ou contra os habitantes de Lisboa, seguramente tomariam o partido de seus compatriotas; desejando evitar toda a ocasião de comprometer as minhas tropas, estou decidido a não fazer entrar na capital destacamento algum português enquanto nela existirem tropas franceses; logo porém que os franceses evacuem Lisboa, estará pronto o destacamento que Vossa Excelência me requereu, e que nesse caso poderá servir utilmente para manter a polícia e tranquilidade da capital; e para estar à mão de poder logo entrar para esse fim, oo mando reunir em Bucelas, de donde com aviso do General Hope marchará. Espero da prudência de Vossa Excelência que aprovará esta minha resolução, como a mais própria para evitar os males que mais devemos recear; o que acabo de expor a Vossa Excelência e outras muitas considerações me obrigam a lembrar a Vossa Excelência o que já hoje tive a honra de dizer-lhe, que seria de muitíssima conveniência a pronta saída dos franceses de Lisboa, para qualquer parte aonde embaraços de vexar os povos, ficassem cobertos pelas forças inglesas. Aproveito esta mesma ocasião de remeter Vossa Excelência a carta inclusa da Junta do Governo Supremo.
Quartel-General de Mafra, 8 de Setembro de 1808.


Bernardim Freire de Andrada [sic].


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 49-50 (doc. 93). Este documento foi publicado originalmente em inglês, in Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 209 (doc. 114)].

Assento do Conselho Militar do Exército comandado por Bernardim Freire de Andrade (8 de Setembro de 1808)



Tendo o Senhor General Comandante do Exército português feito convocar em Conselho os Oficiais abaixo assinados, a quem comunicou as ordens que hoje recebeu da Junta Suprema do Governo, em data de 5 do corrente, que vão adiante copiadas, e comparando-se neste Conselho as mesmas ordens com os ofícios e procedimentos que já tinha feito o Senhor General, e perguntando-se se o que estava feito era o que se devia fazer a elas mais completamente:
Assentou-se unanimemente que se tinha feito tudo quanto se podia fazer, vistas as instruções que o Senhor General tinha recebido do Governo de obrar de acordo com o Exército inglês, e a resposta que o General deste Exército tinha dado às instâncias que oficial[mente] lhe fizera o Major Aires Pinto de Sousa de sustentar a Capitulação [tantoquanto a sua influência ou poder se pode supor [que] se estenda pelas Leis ordinárias e sabidas da Guerra, o que unanimemente se entendeu por obstar com mão armada às operações que tentássemos em contravenção da mesma Capitulação; não restando outra coisa senão reiterar as instâncias a fim de minorar os males que pode sofrer o povo de Lisboa, acelerando a evacuação da mesma cidade.
Quartel-General de Mafra, 8 de Setembro de 1808.


Bernardim Freire d'Andrada [sic].
D. Miguel Pereira Forjaz.
Nuno Freire d'Andrada.
Francisco da Silveira Pinto da Fonseca.
Filipe de Sousa Canavarro.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 55 (incluído no doc. 95)].

Carta do General Beresford e do Tenente-Coronel Proby ao General Dalrymple (8 de Setembro de 1808)



Lisboa, 8 de Setembro de 1808.




Senhor: 


Temos a honra de reconhecer o recibo da carta de Vossa Excelência, acedendo à proposição do General em Chefe francês em relação à disposição da restante prata e ouro, derivada das contribuições sobre o país, e notificamos a Vossa Excelência o consentimento dos Comissários franceses.
Ontem, logo depois de escrevermos a Vossa Excelência, pedimos por carta ao General Kellermann para que se tornasse pública a intenção de restituir toda a propriedade privada, assim como a das livrarias e museus públicos e reais, convidando-o a indicar como se executaria este objectivo com o menor perigo para a tranquilidade da cidade; e segundo a sua resposta, recebida esta manhã, ele pensa que a ordre du jour [sic] é suficiente; contudo, reforçámos novamente que o General [Dalrymple] observou que ambas as partes, e não somente as tropas francesas, devem ser informadas sobre aquilo que diz respeito a ambas. O General em Chefe repetiu as proibições, com as ordens que agora enviamos cópias.
Temos a honra de ser, etc.,


W. C. Beresford, Major-General.
Proby, Tenente-Coronel.

Carta do General Dalrymple ao General Beresford e ao Tenente-Coronel Proby (8 de Setembro de 1808)




Quartel-General, Oeiras, 8 de Setembro de 1808.




Senhores: 


De acordo com o relato do Tenente-Coronel Murray sobre aquela parte da Convenção relativa às barras ou lingotes de prata, a oferta do General Kellerman parece justa, e podemos aceder à mesma.
A ordre du jour [sic] do Comandante em Chefe do Exército francês também é satisfatória, caso se torne pública em Lisboa; e deve-se ter em conta que as reclamações são apoiadas por nós, e que os reclamantes estão protegidos do insulto e serão compensados.
O Tenente-General Hope partiu ou está partindo para Lisboa; ele terá plenos poderes para fazer aquilo que seja necessário, seja pela persuasão, seja pela força, para manter a paz pública. 


H. W. Dalrymple


Carta do Tenente-Coronel Murray ao General Wellesley (8 de Setembro de 1808)


Quartel-General, Oeiras, 8 de Setembro de 1808.


Senhor:

Tenho a honra de vos informar que o oficial que está comandando em Torres Vedras deu ordens para que um destacamento do 45.º Regimento ocupasse Peniche, e que obrigasse a guarnição francesa que evacuasse aquela praça a marchar através de Montachique para Lisboa, a fim de embarcar. Uma companhia do 45.º acompanhará as tropas francesas, e o Tenente-Coronel Gerard foi informado que um destacamento das tropas debaixo do vosso comando irá render tal companhia naquele ponto que possais achar apropriado, antes deles alcançarem Montachique; e ele dar-vos-á o aviso necessário para a sua marcha para esse destino.
Tenho a honra de ser, Senhor, o vosso mais obediente e humilde servidor,

George Murray


Diário do General John Moore (8 de Setembro de 1808)



Paço de Arcos, 8 de Setembro de 1808.


No dia 5, todo o exército marchou em diversas colunas e tomou esta posição, com a ala direita sobre o mar junto a este lugar, estendendo-se o centro ao longo duma ravina íngreme e acidentada até onde a mesma termina, e onde está postado o corpo do Major-General Paget. Em geral, as tropas formam uma longa linha, com grandes intervalos entre as divisões. O exército reunido nesta posição está dividido, de acordo com a nova organização, em quatro divisões, cada uma delas comandada por um Tenente-General, ademais dum Corpo Ligeiro, comandando pelo Major-General Paget, e dum corpo chamado de Reserva, comandado pelo Major-General Spencer. A cavalaria é comandada pelo Brigadeiro-General Charles Stewart; a divisão de Sir Arthur Wellesley está no outro lado de Lisboa. Desembarcaram-se as tendas, e agora, pela primeira vez desde que desembarcaram, as tropas estão abrigadas. Estamos a cerca de seis milhas de Lisboa, e os navios de guerra e os transportes estão no porto. A confusão que existe nos diferentes departamentos excede tudo o que já tinha testemunhado.
Sir Hew, como nunca teve experiência de comando, parece muito desorientado em relação à forma como deve trabalhar com os diferentes chefes dos departamentos; e a tropa sofre. Entretanto, ele está ocupado com a sua correspondência com o Governo, com os portugueses, e com os franceses, que têm dado grandes problemas aos Comissários [Proby e Beresford] enviados a Lisboa para supervisionar a execução do tratado, devido à sua má fé e às suas disposições astutas, que, se não lhes eram naturais antes da Revolução, têm sido características suas desde então. Quando ontem conversei com Sir Hew, este falou-me sobre o que poderão ser as nossas operações futuras. Mostrou-me um ofício de Lord Castlereagh, que, como é habitual, era um palavreado sem sentido aparente, propondo que os britânicos deveriam agir, como ele dizia, sobre o flanco e retaguarda dos franceses de Santander a Gijón, enquanto os espanhóis os pressionariam pela frente. Este é um tipo de linguagem sem nexo utilizado por homens que, nos seus escritórios, supõem ser militares, mas que não sabem até que ponto tais medidas são susceptíveis de ser postas em prática. Parece que os nossos ministros não têm comunicado com os líderes na Espanha, nem estão informados sobre os seus recursos ou planos. Sem um conhecimento disto, e sem uma combinação com os espanhóis, não posso ver como é possível determinar onde e como vamos agir. 


Carta do Bispo do Porto ao General Dalrymple (8 de Setembro de 1808)





Porto, 8 de Setembro de 1808.



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


Já tive a honra de oferecer à vossa presença os meus devidos sentimentos de respeito e gratidão à pessoa de Vossa Excelência, pelas gloriosas medidas através das quais Vossa Excelência efectuou a restauração deste reino; e devo agora repetir os meus agradecimentos com uma obrigação muito maior, por ver Vossa Excelência tão interessado na restituição da Regência instituída por Sua Alteza.
Excelentíssimo Senhor, este governo [=Junta Suprema do Porto], que não desmereceu a sua consideração de governo provisório nacional, foi instituído apenas para expelir deste reino um tirano usurpador, tão inimigo da Inglaterra como de Portugal, e que usou como pretexto para uma invasão e usurpação iníqua deste reino, uma objecção à fiel e indispensável correspondência que o Príncipe Regente mantinha e que deve manter com a sua mais antiga aliada, a Grã-Bretanha.
Este glorioso fim, planeado por esta Junta de governo provisório, foi declarado logo no início da sua instituição original, e tem sido provado por numerosos documentos sobre as suas operações públicas e privadas, faltando somente aquele último que sirva para suplicar a Vossa Excelência, como prova maior, que sejais servido a auxiliar, tanto quanto for possível, a rápida restituição da Regência. E para tal propósito, há três dias partiu uma deputação deste governo para requerer a Vossa Excelência, como o maior dos favores, a vossa ajuda ao encaminhamento das nossas vontades, que devem corresponder com as de Vossa Excelência. A dita deputação está autorizada e instruída para, tanto quanto for possível, ajustar imediatamente este negócio, e para explicar, tão plenamente como eu o faria, todas as informações que podem ser necessários a Vossa Excelência; e prontamente aquiescerei a todas as resoluções, exceptuando aquela que me nomeia como membro do conselho da Regência, pois sei, melhor que qualquer pessoa, que é necessário, tanto para o bem da causa pública e daquelas províncias do norte, como para a manutenção da boa harmonia com as nações aliadas, que não me mova donde estou colocado, tanto por Deus como por Sua Alteza Real o Príncipe Regente.
Tenho a honra de ser, com as declarações mais sinceras de respeito,
O mais obsequioso e fiel servidor de Vossa Excelência,


Bispo, Presidente e Governador. 


Pastoral do Arcebispo do Évora (8 de Setembro de 1808)



Dom Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, por Mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica Arcebispo Metropolitano de Évora, com Jurisdição Eclesiástica nesta Diocese de Beja, etc., etc., etc. etc. 

A todos os Fiéis da mesma Diocese, Saúde e Bênção. 

Salvo dos fatais destroços da capital da minha metrópole, Évora, facilmente aproveito esta graça para repetir as observações necessárias na outra minha antiga e agora canonicamente por mim administrada capital do Bispado de Beja. Moisés temeu os destroços dos seus irmãos no Egipto, e protestou a Deus visitar e observar os que ainda viviam – Vadam et revertar ad fratres meos, ut videam si adhuc vivunt [Deixai-me voltar a meus irmãos, para ver se ainda vivem]. Esta imponderável Graça de achar os bejenses sãos e salvos da tristíssima ruína, comove a entranha para agradecer a Deus tão sensível benefício. Seus efeitos devem ser tocados em particular para animar os povos. Ainda vivemos, amados bejenses. Ainda nos resta o mesmo espírito de vida e doutrina. Ainda a Graça Divina nos fez superiores à turbulenta animosidade que se atreveu contra as nossas respirações e alento. Sim, é favor extraordinário da Providência que nos vejamos e escutemos uns aos outros, dizendo-nos: a força bruta dos Demónios, que tanto mal sugeriram aos homens e fizeram; mas achou de encontro a Dominação Celeste para nos proteger e defender, como respeitamos no Bem-aventurado Arcanjo que neste feliz território por nós intercede e nos defende, agora mais do que nunca verificou a sua denominação: Michael quis ut Deus. Sim: a Omnipotência Divina ainda foi servida conservar nestes lares as demonstrações da sua Virtude Infinita. Ainda mostra querer a continuação de seus auxílios para connosco. Ainda faz enternecer vosso Pastor à vista da vossa Religiosa Piedade; à vista da vossa resignação para com as permissões da Sua Justiça; e à vista, digo, de vossas carinhosas e constantes afeições para a vossa antiga devoção ao Senhor Sacramentado. Não é possível que vos depreendam desta filial afeição quaisquer outros cuidados temporais. Nem o necessário emprego para as coisas da Milícia, nem os cuidados económicos e domésticos, nem o estudo, nem as letras tenho conhecido serem capazes de vos desviarem e separar do Sacramento, que em boa hora penetrou vossos corações na adoração da Santíssima Eucaristia. A este Maior dos Mistérios atribuo a preservação de maiores males, a conservação da vida nas instantes angústias, sabendo entreter-se judiciosamente com as temporalidades indispensáveis nos ofícios da vida, nos empregos honrados que a distinguem, no amor da Pátria que a coonesta. Alegre com a invenção deste Tesouro, com a animação dos vossos espíritos e constância de vossos propósitos pela Religião, pela Justiça e Lei; vendo-vos interessados pelo Amado Príncipe e pela Pátria, enquanto me não repito a vós e a vossos festivos clamores de alegria, volto a outros indispensáveis ofícios, tendo presentes a minha Palavra e a vossa Fé.
Dada em Beja sob o nosso sinal e selo das nossas armas aos oito de Setembro de mil oitocentos e oito.

[Fonte: Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas, Diário - 5.º Códice, fls. 100-100v (disponível para consulta on-line na Biblioteca Digital do Alentejo)].

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Nota: 

No dia 13 de Agosto de 1808, Frei Manuel do Cenáculo foi preso em Évora, segundo ordens da Junta de Beja, acusado de colaboracionismo com os franceses, os quais, de facto, segundo as suas próprias palavras, tinham-lhe recomendado que governasse Évora na sua ausência (o exército francês abandonara a cidade no dia 1 de Agosto, depois de ter assassinado pelo menos 220 pessoas). Recordemos que Cenáculo já era presidente da Junta de Governo de Évora (juntamente com o General Paula Leite) antes dos franceses entrarem na cidade; não obstante, foi decretada a sua prisão, como acima dissemos. Foi transportado para Beja, onde chegou a 16 de Agosto, tendo depois a Junta de Beja declarado que lhe concederia a libertação se ele dirigisse aos povos uma pastoral "análoga às circunstâncias". A pastoral acima transcrita foi precisamente a sua resposta; contudo, não se chegou a publicar, pois, segundo as suas próprias palavras, a mesma "foi à censura, e lida no consistório disse o Presidente: Está muito escura. O Arcebispo não quer desenganar-se em falar claro a favor desta Regência?". (Por Regência entenda-se aqui a Junta de Beja, e faça-se aqui um aparte para acrescentar que estas lutas de poder e pela primazia foram nesta época bastante comuns e constantes em toda a Península Ibérica, que podia ter sido palco de várias guerras civis, se a mesma não tivesse entretida, pelo menos por enquanto, com um "inimigo comum"...). 
Como muitas outras vítimas do maniqueísmo político das auto-apelidadas Juntas (Supremas e/ou Provisórias) de Governo, na maior parte das vezes impelido pelo próprio povo, Cenáculo, ao não se pronunciar explicitamente contra os franceses, e, sobretudo, como lhe apontou o censurador, nem sequer a favor da Junta de Beja, acabaria por permanecer preso até ao início da segunda semana de Outubro do mesmo ano, já depois dos próprios Governadores da Regência terem instado à dita Junta para o libertar. Veja-se ainda, a este propósito, a segunda parte da sua memória sobre estes acontecimentos, adiante publicada.