sábado, 20 de agosto de 2011

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra, ao General Dalrymple (20 de Agosto de 1808)





Stanmore Park, 20 de Agosto de 1808.



Senhor:

Como creio que não falta muito para que a vossa força tenha cumprido o objectivo para o qual foi inicialmente destinada, estou ansioso para ser informado sobre quais são as vossas opiniões em relação às operações posteriores.
Uma vez restaurado Portugal, os nossos objectivos parecem ser dois: em primeiro lugar, ajudar os espanhóis a expulsar o inimigo; em segundo lugar, ao fazê-lo, alvejar, se possível, a destruição ou a captura da totalidade ou de parte do exército francês.
Os meios que dispomos para pôr isto em prática são os 30.000 homens reunidos em Portugal, e os 10.000 homens que estão agora prontos para embarcar aqui (para além de 16.000 homens na Sicília, dos quais talvez possam ser dispensados 10.000). Nesta estimativa apenas falo da infantaria. Os nossos meios para fornecer cavalaria são limitados, principalmente devido à forma de transportá-los. 
Quando chegarem aqui os navios-transportes de cavalos que receberam ordens para regressar [da costa portuguesa], juntamente com os que já cá estão, estaremos habilitados para enviar quatro regimentos completos, para além da artilharia e dos cavalos do Estado-Maior agregado aos 10.000 homens que partem agora; e quando regressarem pela segunda vez os mesmos transportes, enviar-se-ão mais suprimentos de cavalaria.
Dirigindo a vossa atenção aos pontos que parecem necessitar maior investigação, suponho que podemos abandonar, presentemente, toda a linha de costa desde o Tejo até à fronteira francesa do Roussillon. Parece que o inimigo não sustenta outra posição no sul da Espanha a não ser Barcelona; e apesar de se poder considerar que esta praça, próxima da França pelos Pirenéus Orientais, é de grande importância militar, ainda assim é comparativamente de muito menor importância que a entrada pelos Pirenéus Ocidentais, pela qual o exército francês irá certamente receber os seus reforços principais. Para além disto, é uma região inconvenientemente remota para nela agir uma força britânica, longe de todos os seus recursos; e se a nossa força, apesar de grande, não conseguir estar dispersa em diversos objectivos sem perder muito do seu efeito de comando, é preferível que, se houver oportunidade, esteja num campo de não menor importância perto da Inglaterra, deixando a força da Sicília a agir segundo as circunstâncias, para incomodar o inimigo, quer na costa de Itália quer na Espanha, dentro do Mediterrâneo.
Se, então, a nossa força for ordenada a agir no lado de Portugal ou no norte da Espanha, estareis disposto a recomendar (tendo observado a posição, força, e aplicação provável do exército do inimigo) que cada e qualquer parte da força agora debaixo das vossas ordens seja equipada e avance em direcção à fronteira de Portugal, quer com o fim de ser empregue no interior da Espanha, em cooperação com os exércitos da Espanha contra o inimigo defronte, quer agindo como um corpo de observação, debaixo da aprovação com a qual o exército português possa ser reunido e preparado para a defesa do seu país, no caso dos franceses tentarem penetrar novamente na fronteira de Portugal?
Supondo que o exército francês não avançou para além de Segóvia e Burgos, não seria um movimento vindo de Lisboa, com o fim de agir ofensivamente contra tal exército, observado com muita inconveniência, devido à distância da vossa linha de comunicações, e à distância a que se afastaria o exército dos seus suprimentos e da Inglaterra? É a ajuda da força britânica requerida a opor-se à frente do exército francês? E, se sim, qual é a vossa opinião sobre a quantidade que ela deveria ter, observando os meios de a mover e de a prover com suprimentos? Ou considerais que os espanhóis podem ter meios e disposição de empregá-la em operações combinadas, para efectivamente opor-se defronte do inimigo? Neste cálculo, tereis em conta naturalmente os exércitos de Valencia, Múrcia, Andaluzia, Extremadura e Galiza. Não incluo o das Astúrias, que parece mais naturalmente destinado (e não empregue defensivamente) a levar a cabo as suas incursões pela parte oriental, para incomodar o flanco e a retaguarda do inimigo. Podemos esperar alguma ajuda de Castela e Leão, pois os franceses retiraram-se das suas respectivas capitais. 
Se a força nativa da Espanha se puder sustentar contra o inimigo pela frente, poderia uma força britânica operar a partir das províncias do norte com igual efeito, se não maior, e com melhores comunicações com a sua frota, do que entrando pelo lado de Portugal? Se sim, a que número ascenderia a composição do exército que seria empregada? E entraríeis por Gijón ou por Santander, assumindo que a Coruña, apesar de ser o melhor retiro, é demasiado afastada para ser um ponto conveniente donde se parta?
Estaria um corpo britânico de 20.000 homens, com uma parte proporcional de cavalaria, e apoiado por recrutas espanhóis, demasiado exposto, na vossa opinião, nas Astúrias, ou no principado [sic] de Santander, tendo em consideração a natureza defensiva da região? E, se o exército inimigo for ocupado na fronte pelo exército principal da Espanha, reunido nas províncias anteriormente referidas, seria conveniente que os corpos britânicas agissem ofensivamente, não avançando muito pela grande estrada de Oviedo a Leão, ou pela estrada de Santander a Burgos?
Supondo que o estado das circunstâncias em Portugal admite que, ademais dos 20.000 homens que acima se supuseram que seriam empregues no norte, parta ao mesmo tempo de Portugal um destacamento de 10.000 homens, sois da opinião de que seria prudente, com 30.000 tropas britânicas, tomarmos uma posição em Santander ou a oeste desta cidade, tendo em vista agir, em conjunção com a força da região, contra a linha de comunicações francesa, e também contra o flanco e retaguarda do seu exército, enquanto somos pressionados pela frente, como anteriormente se supôs? Poderia uma força tão considerável, levada a agir em tal direcção, tornar impraticável que [o exército francês] avançasse mais na Espanha, até que fosse subjugado? Estais induzido a pensar que os franceses têm actualmente na Espanha, ou que terão em breve, uma tal quantidade de força reunida naquela parte que lhes permita defender-se contra um tal ataque?
Se se sentirem obrigados a retirar-se para a França, é provável que possam salvar o seu exército com tanta pressão sobre eles, sendo as passagens dos Pirenéus tão difíceis, escasseando as provisões, e com as montanhas possivelmente ocupadas por paisanos armados?
Supondo que os franceses conseguem superar e desarmar os asturianos, e assim entrar na Galiza antes desta província estar apoiada por nós ou antes que os exércitos do sul da Espanha aí cheguem, que efeito teria este esmagamento dos esforços militares que surgiram nas províncias do norte sobre as operações posteriores do inimigo contra Portugal e contra o resto da Espanha? Não ficaria a manutenção da linha de comunicações com a França a dever-se a um corpo comparativamente fraco? E não ficaria uma proporção muito maior desta força  livre para continuar a subjugar a restante Península? Não se provaria, por fim, que é menos arriscado para o exército britânico, tal como mais vantajoso para a causa comum, reunir os nossos esforços aos da Espanha para expulsar o inimigo, enquanto o norte da Espanha não está subjugado, do que reservar a nossa força para a defesa de Portugal, e termos que nos contentarmos com ela quando a resistência da Espanha se tornar eventualmente menos geral do que é agora?
Disse o suficiente para sugerir para vossa consideração o esboço que desejo que examineis e aperfeiçoeis, pois algumas partes das questões dependem das informações locais, particularmente o relativo à natureza das defesas militares nas Astúrias e no principado de Santander, e na região a leste do último lugar. Parece-me aconselhável que deveis enviar, sem perda de tempo, um oficial experiente de confiança para entrar em Gijón, para observar toda aquela linha, e para vos relatá-la. Se não tiverdes uma necessidade urgente dos seus serviços em Portugal, o que espero que seja o caso quando esta carta vos alcançar, ficaria satisfeito que enviásseis Sir Arthur Wellesley para este serviço, com qualquer assistente científico que possais requerer. Ele achará um progresso considerável através da recolha de informações pelo Major-General Leith, que enviei para aquela região, ajudado pelo Capitães Lefevre e Birch, ambos bons oficiais engenheiros.
Lamento que o estado das nossas informações não nos permita ter chegado ainda a uma decisão sobre a aplicação da nossa força na Inglaterra, ou sobre o uso que se fará às vossas; o progresso dos acontecimentos possibilitar-me-ão, segundo espero, que vos escreva muito em breve sobre estes pontos, de modo mais claro do que agora me é possível. Entretanto, e enquanto continuarem a executar-se as medidas necessárias para se reunirem informações, espero que não hesitareis em usar a plena discrição em que vos haveis comprometido, de tal modo que o vosso excelente julgamento possa indicar-vos o que é vantajoso para o serviço de Sua Majestade, sem achardes necessário esperar pela autorização ou instruções vindas da Inglaterra; e posso seguramente garantir-vos que encontrareis, não somente em mim mas em todos os meus colegas, a disposição mais sincera e cordial de serdes apoiado no exercício da responsabilidade que tendes, segundo penso, sempre que as vossas acções possam promover o bem do serviço sem que seja feita referência alguma à Inglaterra.
Tenho a honra de ser, etc., 

Castlereagh

[Fonte: Charles William Vane (org.), Correspondence, Despatches, and other Papers of Viscount Castlereagh, second Marquess of Londonderry – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, pp. 403-407].