quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Primeiras medidas do General Junot e a preciosa ajuda da Regência



Na manhã do dia 1 de Dezembro (ironicamente, o 167.º aniversário da restauração da independência), uma comitiva composta pelos membros da Regência, pelo Senado da Câmara de Lisboa, por vários nobres, magistrados e eclesiásticos dirigiu-se a saudar o General em Chefe Junot, que os cumprimentou de pé e à entrada da casa do Barão de Quintela... 
Nesse dia e seguintes continuaram a chegar mais tropas francesas a Lisboa, sendo logo um batalhão expedido para a fortaleza de Cascais e outras tropas para o porto de Lisboa, e também os arsenais de guerra e os estaleiros navais da capital e arredores foram sendo ocupados pelos franceses. Vê-se claramente que Junot temia um eventual ataque da esquadra britânica ancorada na foz do Tejo. Também foram impedidos de saírem para fora da barra os navios que se achavam no dito porto.  
Porém, a mais importante medida tomada neste dia foi a introdução de François-Antoine Hermann (enquanto comissário do governo francês) nas reuniões da Regência instituída por D. João, o que serviu para facilitar sobremaneira as operações de Junot. 
A 3 de Dezembro, através dum decreto de Junot, o mesmo Hermann (na gravura à direita) era nomeado administrador geral das finanças, passando então a ter o controle do Real Erário (que no entanto o príncipe regente se apressara em esvaziar, antes de partir para o Brasil). Não tardou muito para que os bens da família real e da corte que a acompanhara começassem a ser inventariados e apreendidos.

No mesmo dia 3 de Dezembro, Junot decreta a imposição de uma contribuição extraordinária de dois milhões de cruzados (quantia equivalente a cerca de oitocentos mil réis), a ser paga pelos negociantes e banqueiros portugueses até ao dia 24 de Dezembro. Os membros da Regência, logo no dia 4, mandando executar o dito decreto, nomearam uma Junta de Negociantes presidida pelo barão de Quintela, a fim de se deliberar, para cada indivíduo em particular, a respectiva quantia a ser paga, conforme e de acordo com as posses e rendimentos (conhecidos ou presumidos) de cada um. (A lista de todos estes indivíduos e a sua quota-parte  para este assim chamado "empréstimo forçado" consta na obra manuscrita de Domingos Alves Branco Muniz Barreto, Memoria dos Successos acontecidos na cidade de Lisboa, fls. 10-13]). 


No dia 4 de Dezembro (4 dias depois de se encontrar em Lisboa!), Junot decreta finalmente que se apreendessem as propriedades e manufacturas inglesas:




O Governo da Regência, por sua vez, através da Câmara de Lisboa, proclamava um edital proibindo o aumento dos preços que, dadas as circunstâncias, tinham repentinamente subido:




 Ainda no mesmo dia 4, Junot ordenou também as primeiras medidas que visavam desarmar o país, através da proibição da caça e do uso de armas sem licença:




 No dia 5, era a vez da Regência publicar a seguinte portaria, prevendo pôr fim a alguns desacatos que tinham ocorrido entre soldados franceses e portugueses embriagados nas tabernas de Lisboa:






No dia 17 de Dezembro, a Regência expedia ainda o seguinte aviso relativo a providências de mantimentos:

Os Governadores deste Reino determinam que a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação deste Reino convoque os comerciantes e especuladores que costumam e podem fornecer de mantimentos esta capital e mais portos do Reino, para que efectivamente os mandem vir sem perda de tempo, debaixo da certeza que terão pronta venda, sem embaraço algum, e que serão eficazmente protegidos pelo Governo com os meios que forem necessários para o transporte. Outrossim ordenam que a Real Junta persuada os administradores das fábricas a que dirijam os seus trabalhos quanto lhe for possível para os objectos necessários ao consumo do Reino, em lugar dos que se importavam dos países estrangeiros; e ultimamente lhe declaram que estas providências são insinuadas pela benevolência e desejo que tem o General em Chefe de Sua Majestade Imperial e Real de felicitar todo este Reino, com toda a sua autoridade e sábias providências. O que V.ª S.ª fará presente na mesma Real Junta para sua inteligência e execução.
Deus Guarde a V.ª S.ª
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 17 de Dezembro de 1807.
João António Salter de Mendonça.
[Fonte: Discursos do Imortal Guilherme Pitt..., p. 423 e ss. (compilação de vários textos impressos e manuscritos desta época)].


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Fonte dos documentos aqui inseridos, à exepção do indicado: Joaquim José Pereira de FREITAS, Biblioteca Histórica, Política e Diplomática da Nação Portuguesa – Tomo I, Londres, Casa de Sustenance e Strecht, 1830.

Ordem do dia do General Solano

As tropas espanholas estacionadas em Badajoz e em Vigo não entraram em Portugal ao mesmo tempo que Junot, aparentemente porque ainda não estavam suficientemente preparadas. 
A seguinte Ordem do dia foi emitida pelo General Solano, Marquês del Socorro, na qualidade de Comandante das tropas espanholas destinadas a entrar no Alentejo, um dia antes de invadirem Portugal.  


A ferocidade nunca foi valor; é sempre uma prova de barbaridade, e as mais das vezes de cobardia. A maior confiança, a maior honra que El-Rei pode fazer a um vassalo é entregar-lhe as suas armas, consagradas sempre à conservação da monarquia, ao amparo da religião e das leis, à defesa dos seus vassalos e à protecção dos seus amigos. Quando o governo português nos dá provas da sua amizade, recebendo-nos no seu território, seria corresponder-lhe de um modo indigno do carácter espanhol, seria falar a todas as leis o converter em inimigas estas mesmas armas protectoras. A guerra tem os seus direitos e as suas leis, e só pode ter lugar entre os chefes dos governos: nós os governados não estamos autorizados a fazê-la senão à voz dos chefes; tudo o mais é assassínio, e à justiça universal pertence o castigo deste cobarde delito, odioso à humanidade inteira.
Encarregados de uma importante expedição, vamos desempenhar as esperanças do nosso soberano; orgulhosos desta confiança honrosa para nós, não nos mostraremos indignos dela; não podemos consentir que permaneça connosco quem nos prive desta honra e manche o nome de todos, confundido a opinião geral do exército. Eu não sofrerei tal; toda a injúria de facto, de palavras e apodos, e ainda também por gestos de desprezo, insulto ou provocação a renovar rixas bárbaras e preocupações populares, será irremissível e severissimamente castigada por mim, não só com as penas positivas e legais em que possam incorrer, mas ainda com as arbitrarias ditadas pela importância extraordinária das circunstâncias, pela sua consequência, pela baixeza do proceder, pela desobediência a El-Rei, pelo comprometimento das suas reais intenções e pelo desdouro do nome espanhol.
O soldado receberá todos os socorros; havendo carestia saberemos embora suportar privações momentâneas a troco do bom nome e da honra de desempenhar um grande objecto. Os chefes dos corpos de meu mando me são conhecidos, os soldados sabem que eu os conheço pessoalmente; não se envilecerão; eles não vieram da Andaluzia comigo para desobedecer a El-Rei, nem para desonrar a nação. 
Quartel General de Badajoz, 30 de Novembro de 1807
Marquês del Socorro








In Simão José da Luz SORIANO, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 4-5.

O primeiro dia em Lisboa

Apesar de chegar a Lisboa sob uma chuva copiosa e um vento rijo, Junot não perde tempo na cidade, indo logo à bateria do Bom Sucesso, ao lado da Torre de Belém, "desenganar-se com os seus próprios olhos de que a esquadra portuguesa tinha saído e a inglesa não entrara, limitando-se somente ao bloqueio do porto". Em seguida expediu parte do Regimento n.º 70 para o forte de S. Julião, regressando a Lisboa. Foi então "aquartelar-se em casa do Barão de Quintela, uma das mais ricas e opulentas da capital. Não entrarei, como outros fizeram, na indagação dos motivos que o decidiram nesta escolha, objecto de que nenhum interesse resultaria à posterioridade; direi somente que Junot melhorou muito em hospedar-se numa casa tal, onde foi tratado e assistido esplendidamente enquanto residiu em Lisboa, não só do preciso, mas até dos objectos do seu grande luxo, sem lhe custar um real, não obstante o receber do Senado da Câmara para o seu tratamento uma contribuição mensal de doze mil cruzados" (in José Accursio das NEVESHistória Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, e da Restauração deste Reino – Tomo I, 1809, Lisboa, pp. 215-217). 


Também não se vai aqui indagar os motivos pelos quais Junot se instalou naquela casa. Não obstante, inserem-se aqui as ordens do Marquês de Vagos a José Carcome Lobo acerca das tropas que deveriam escoltar a casa do Barão de Quintela: 

O Sr. General Marquês de Vagos ordena que V.S. se ponha à frente do Batalhão de Granadeiros e de dois Esquadrões de Cavalaria que devem marchar para o cruzeiro de Arroios para os comandar, e igualmente que mande já marchar uma guarda de Capitães, Tenentes, Alferes inferiores e 80 soldados para as casas do Barão de Quintela, aonde vai residir o General Junot.
Deus Guarde a Vossa Senhoria.
Quartel-General da Junqueira, 30 de Novembro de 1807.

Fonte: Arquivo Histórico Militar (cota: AHM/DIV/1/14/002/15)


Nesse mesmo dia expediram-se outras ordens relativas à evacuação de tropas portuguesas dos seus quartéis para darem lugar às tropas francesas, que deviam ser acolhidas com tranquilidade e harmonia (cf. AHM/DIV/1/14/002/15).



Fonte: BND

Barra de Lisboa, onde se assinalaram o forte ou torre de S. Julião da Barra, a bateria de Belém (ou forte do Bom Sucesso) e a Junqueira




Finalmente, segundo Domingos Alves Branco Muniz [sic] Barreto, na sua  Memoria dos Successos acontecidos na Cidade de Lisboa, desde vinte e nove de Novembro de mil oito centos e sete athe trez de Fevereiro de mil oito centos e oito [sic], (fl. 6), "nesse mesmo dia apareceu afixado nas esquinas e lugares públicos de Lisboa o Edital seguinte, promulgado pelo Intendente Geral da Polícia, para que nas compras não se recusassem a moeda francesa e espanhola":


 Edital


Faço saber a todos os moradores desta capital e seu termo, que ninguém deve recusar a moeda francesa e espanhola com que as tropas de Sua Majestade o Imperador e Rei se oferecem a comprar os géneros de que precisam: quem assim o não praticar será punido com graves penas a arbítrio da polícia. E para que assim indefectivelmente se observe, enquanto o Governo não dá mais circunstanciadas providências, mandei lavrar e afixar o presente Edital.
Lisboa, 30 de Novembro de 1807


Lucas de Seabra da Silva




[nota: segundo o mesmo Muniz Barreto, "para evitar todas as dúvidas se mandou estampar todas as moedas francesas e espanholas"]