segunda-feira, 2 de maio de 2011

Número de mortos, feridos e extraviados a 2 de Maio de 1808, em Madrid


As primeiras contagens das vítimas dos distúrbios de 2 de Maio em Madrid, recolhidas pelas autoridades de cada quartel da capital espanhola, foram levadas ao Conselho de Castela logo a 14 de Maio, dia em que se verificou que tinham sido 104 os espanhóis mortos, havendo a somar 54 feridos e 35 desaparecidos. Como se pode ver no seguinte quadro, muito maior era o número de vítimas francesas. 





Segundo contagens posteriores, estabelecidas a partir de documentos de arquivos militares, camarários, paroquiais e hospitalares de Madrid, estes números ascenderiam, da parte dos espanhóis, a 409 mortos e 171 feridos [Cf. D. Juan Pérez de Guzmán Y Gallo, El dos de mayo de 1808 en Madrid. Relación Histórica Documentada- Vol. II, Madrid, Establecimiento Tipográfico «Sucesores de Rivadeneyra», 1908, pp. 641 e ss. (Apéndice cuarto)].

Ainda assim, bem longe estão estes últimos números daqueles mais de 10.000 mortos anunciados logo em 1808 pela propaganda anti-francesa...

Gravura sobre os fuzilamentos de 2 de Maio de 1808



Fonte: Europeana

Dia 2 de Maio de 1808 na Montanha do Príncipe Pio.
Gravura de Arturo Eusebi Valladares e A. Sagardoy

Edital do Conselho de Madrid sobre os incidentes de 2 de Maio de 1808



[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 20, 17 de Maio de 1808].

Bando ou aviso de Móstoles (2 de Maio de 1808)




El Alcalde de Móstoles declara la Patria en peligro.
Quadro de Antonio Pérez Rubio, presente na Real Casa de Correos de Madrid.

*

Senhores de Justiça das povoações a que se apresentar este ofício de mim, o Alcaide da vila de Móstoles: 

É notório que os franceses postados nas vizinhanças de Madrid e dentro da Corte tomaram a defesa sobre esta capital e as tropas espanholas; de maneira que em Madrid está correndo a esta hora muito sangue; como espanhóis, é necessário que morramos pelo Rei e pela Pátria, armando-nos contra uns pérfidos que, sob pretexto de amizade e aliança, querem-nos impor um pesado jugo, depois de se terem apoderado da Augusta pessoa do Rei; procedamos pois a tomar as activas providências para escarmentar tanta perfídia, acudindo ao socorro de Madrid e demais povoações, e alentando-nos, pois não há forças que prevaleçam contra quem é leal e valente, como os espanhóis o são. 
Deus Guarde a Vossas Mercedes muitos anos. 
Móstoles, dois de Maio de mil oitocentos e oito. 

Andrés Torrejón 
Anton. Fernandéz 




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Nota

A notícia, logo exagerada, que os franceses tinham espalhado o terror em Madrid, na manhã de 2 de Maio de 1808, espalhou-se quase imediatamente por todo o oeste e sudoeste de Espanha (território não ocupado pelos franceses). O maior contributo para tal difusão parece ter sido dado precisamente pelo bando ou aviso acima traduzido, composto (ou somente assinado, segundo as versões) nessa mesma tarde de 2 de Maio pelas autoridades de Móstoles (vila situada a cerca de 25 quilómetros a sudoeste da capital espanhola). Nos três dias seguintes, este aviso percorreu mais de 600 quilómetros, facto que se depreende com certezas através daquela que durante muito tempo foi considerada como a única cópia conhecida deste documento, a qual inclui acrescentos das autoridades das povoações por onde o aviso ia passando, como por exemplo a seguinte nota, que antecedia a transcrição do aviso propriamente ditoA esta hora e nesta data acabo de receber o seguinte; o que à mesma hora do seu recibo se servirá V[ossa Mercêde remeter a Cortegana e Aroche. Diz assim: A estas horas que são as quatro e um quarto da tarde, acaba de me ser entregue um ofício do Sr. Alcaide mor da vila de Fregenal que vem a toda a diligência referente ao que recebeu do Sr. Alcaide mor da vila de Fuente del Maestre, que lhe dirigiu o Sr. Alcaide mor Interino da cidade de Mérida relativo ao que por um mensageiro que veio a toda a diligência lhe comunicou outro da vila de Móstoles com data de dois do [mês] corrente que diz o seguinte...
Segundo estas e outras notas incluídas nessa cópia, o aviso teria feito o seguinte percurso em apenas três dias:




Para além das localidades assinaladas, sabe-se ainda, através de outras fontes, que este aviso chegou ainda no dia 3 de Maio ao conhecimento das autoridades de Trujillo (que por sua vez puseram em alarme as mais de 80 povoações da sua jurisdição). No dia 4, o aviso teria chegado a Badajoz, levando o Capitão-General da Extremadura a expedir no dia seguinte uma carta circular onde incentiva o alistamento de toda a província, ao mesmo tempo que enviava Frederico Moretti numa missão secreta a Portugal, a fim de tentar obter o apoio do General Juan Carrafa. Entretanto, o bando de Móstoles continuava a ser divulgado, passando por Córdoba, Sevilha, etc. Contudo, apesar de tantos quilómetros percorridos, as cópias deste documento perderam-se nos tempos, talvez devido aos avisos quase imediatos das autoridades de Madrid, que desmentiram a gravidade dos incidentes de 2 de Maio, numa tentativa, que surtiu efeito (ainda que temporário), de serenar os ânimos mais exaltados. Resulta curioso observar-se que logo a 13 de Outubro de 1808, as autoridades de Móstoles escreveram ao Corregedor de Talavera de la Reina pedindo uma cópia do aviso que tinham expedido, pois com a pressa de o enviarem para todas as partes, não se tinham lembrado de conservar a respectiva cópia. No entanto, em Talavera de la Reina também não se tinha guardado cópia alguma... 
Aparentemente, tinha-se perdido o rasto do aviso original: entre as dezenas ou centenas de periódicos e escritos patriotas e políticos que foram publicados na Espanha entre 1808 e 1809, incluindo os sete tomos da Demostración de la lealtad española (a maior colecção de proclamações e avisos da época), não se encontra qualquer transcrição do aviso original de Móstoles. Este facto deu azo a que logo em 1810 fosse publicada a seguinte versão apócrifa, forjada nitidamente pela máquina propagandística patriota e anti-napoleónica

A Pátria está em perigo; Madrid perece, vítima da perfídia francesa. Espanhóis, acudi todos a salvá-la. 
2 de Maio de 1808.
O Alcaide de Móstoles
[FonteAlvaro Flórez Estrada, Introducción para la historia de la revolución de España, Londres, Imprenta de R. Juigné, 1810, p. 126].

Esta deturpação foi repetida em obras posteriores, e foi preciso esperar até à comemoração do centenário destes acontecimentos para que o texto original fosse resgatado do esquecimento. Entretanto, em 1886, o padre da povoação de Cumbres de San Bartolomé encontrara uma cópia do aviso original nos arquivos da sua paróquia, depositando-a pouco depois no arquivo municipal da mesma povoação. Tanto a nossa tradução como os dados acima indicados derivam precisamente desta cópia, que durante muito tempo se julgou que era a única ainda existente, embora hoje se saiba da existência de pelo menos outras tres cópias (uma das quais irremediavelmente perdida).

Consultar, ainda a este respeito





Proclamação do Grão-Duque de Berg aos espanhóis, em virtude dos incidentes de Madrid (2 de Maio de 1808)




Quartel-General de Madrid, 2 de Maio de 1808 


Valorosos espanhóis! 

O dia dois de Maio será um dia de luto tanto para mim como para vós. 
Os nossos inimigos comuns, havendo-me provocado, ao princípio, de maneira que me esgotassem toda a paciência, concluíram depois excitando uma parte do povo de Madrid e das aldeias adjacentes a tais excessos que, por fim, foi necessário empregar a força irresistível confiada ao meu comando. 
Eu tive prévia informação dos esforços que faziam os mal intencionados, mas ainda assim quis-me persuadir que nada poderia perturbar a tranquilidade pública. Preparei-me para o pior, esperando contudo que as minhas precauções seriam supérfluas. 
Esta manhã rebentou a tempestade que havia muito tempo que eu temia. Preparam-me para ela grande número de circunstâncias e de libelos incendiários, pelos quais me informaram dos meios que se tinham adoptado. O sinal da revolta foi a partida da Rainha da Etrúria e do Infante D. Francisco, que foram chamados a Bayonne por El-Rei seu pai. Um dos meus Ajudantes de Campo, que se achava então no Palácio, estava ao ponto de perecer às mãos dos sediciosos, ao mesmo tempo que todos os franceses que se achavam sós nos diferentes bairros de Madrid foram assassinados. Vi-me por fim obrigado a dar ordens para castigar tão enormes crimes. 
Com que horrível alegria contemplarão os inimigos da França e da Espanha o dia em que os generosos franceses se viram obrigados a ferir os espanhóis iludidos! Os inimigos comuns de ambos os países continuarão a usar os seus esforços para obter outros triunfos não menos horríveis em outras partes deste belo Reino. Suas fúteis esperanças serão frustradas pela minha franqueza e pelo vosso sólido juízo. Valorosos espanhóis, falo com a vossa sinceridade sobre um acontecimento não menos penoso aos vossos corações do que ao meu; e ao mesmo tempo, eu vos explico a vossa situação: 
Carlos IV e seu filho estão agora em Bayonne com o Imperador Napoleão para ajustar o destino da Espanha. O Imperador não pensa que é conveniente esperar o resultado de tão importante decisão para vos fazer conhecer os sentimentos que o animam a favor de uma nação magnânima, que ele deseja livrar de uma crise revolucionária e trazê-la ao estabelecimento daquelas instituições políticas que são mais acomodadas ao seu carácter. 
Ele pois vos assegura e me encarrega de vo-lo repetir, que ele deseja manter e segurar a integridade da monarquia espanhola, cujo território não será desmembrado nem na menor parte; não perderá sequer uma aldeia, nem padecerá contribuições algumas; cuja imposição autorizam as leis da guerra nos países conquistados, mas que somente pessoas mal intencionadas suporão aplicáveis a um aliado. 
Acaso não vos unireis comigo, valorosos espanhóis, para prevenir que os malévolos disturbem tão feliz prospecto? Eu não vos suporei capazes de tanta cegueira, que sofrais serdes desencaminhados por vis perturbadores que desejam conduzir-vos à vossa ruína. E pois o sossego público é o objecto do nosso cuidado, não será certamente o interesse do exército que eu comando, o mesmo de todos aqueles que gozam dignidades e têm propriedade que conservar? Não ameaçam a ambos os tumultos da multidão que insultam a Majestade das Leis? 
Nobres proprietários, mercadores, fabricantes: usai da vossa maior influência para prevenir toda a espécie de sedição; este exercício de Magistratura é direito e dever da vossa situação. 
Ministros da religião: o vosso dever vos chama a fazer cessar a ilusão do povo; porque vós sabeis os segredos de suas consciências, que as vossas vozes dirigem com tanta autoridade. 
Depositários do poder civil e militar: em vós reside a mais directa responsabilidade se vos descuidareis de exercitar o vosso poder com vigor, de sufocar a sedição no seu berço ou de a cortar nos seus primeiros movimentos. Se outra vez se derramar o sangue francês, vós, em particular, responderei ao Imperador Napoleão, cuja ira ou clemência ninguém provoca em vão. A vossa fraqueza seria tanto mais inescusável, depois de eu vos ter trazido à lembrança, com a maior diligência e intimativa, este importantíssimo dever que tendes a preencher. 
Mas lisonjeio-me com a esperança de melhor futuro, confiando em que os ministros da religião, os magistrados espanhóis da mais alta graduação, numa palavra, todas as classes, trabalharão por evitar os distúrbios que podem ser prejudiciais ao melhoramento da Espanha. A todos os oficiais Generais e pessoas militares empregadas nas diferentes províncias da monarquia, servirá de modelo digno de imitação, nesta lamentável ocasião, o comportamento que tiveram as tropas da Casa Real e a guarnição de Madrid, e as tropas espanholas aquarteladas na Corte. Se as minhas esperanças ficarem frustradas, será a minha vingança verdadeiramente tremenda; porém, a serem realizadas, serei verdadeiramente feliz em anunciar ao Imperador que o seu juízo relativamente aos naturais de Espanha (a quem ele estende a sua estima e afeição) não foi errado. 

Joachim 


Por Sua Alteza Imperial e Real, o General do Estado Maior 

Agustin Belliard



[Fonte: Correio Braziliense - Agosto de 1808, pp. 168-171]. 

Ordem do dia do Grão-Duque de Berg ao exército francês em Madrid (2 de Maio de 1808)




Ordem do dia

A população de Madrid sublevou-se, e provocou assassinatos. Sei que os bons espanhóis gemeram por causa destas desordens; estou muito longe de confundi-los com aqueles miseráveis que não querem senão o crime e a pilhagem. Mas o sangue francês foi derramado e pede vingança; e por conseguinte ordeno o seguinte:

Artigo 1.º O General Grouchy convocará esta noite a comissão militar.

Art. 2.º Todos os que foram presos na desordem e com as armas na mão serão fuzilados.

Art. 3.º A Junta de Estado vai fazer desarmar os habitantes de Madrid. Todo os habitantes que depois da execução desta ordem forem encontrados armados ou que conservem armas sem uma licença especial, serão fuzilados.

Art. 4.º Todo o lugar onde seja assassinado um francês será queimado.

Art. 5.º Toda a reunião de mais de oito pessoas será considerada como uma associação sediciosa, e desfeita a tiros de espingarda.

Art. 6.º Os amos ficarão responsáveis pelos seus criados; os chefes de oficinas, artesãos e afins, pelos seus empregados; os pais e as mães pelos seus filhos; e os prelados dos conventos pelos seus religiosos.

Art. 7.º Os autores, vendedores e distribuidores de libelos impressos ou manuscritos que provoquem a sedição, serão considerados como agentes da Inglaterra, e fuzilados.

Dada no nosso Quartel-General de Madrid, a 2 de Maio de 1808.

Joachim

Por ordem de Sua Alteza Imperial e Real

O chefe do Estado-Maior, General Belliard


[Fonte: Conde de Toreno, Historia del Levantamiento, Guerra y Revolución de España - Tomo I, Madrid, Imprenta de Don Tomas Jordan, 1835, pp. 67-69 (apéndices)]


Os motins de 2 de Maio de 1808 segundo Goya



El dos de mayo de 1808, o La lucha con los mamelucos.
"O dois de Maio de 1808, ou a luta com os mamelucos".
Quadro de Francisco de Goya (1814)

Memoria histórica dos principais acontecimentos do dia 2 de Maio de 1808 em Madrid, por Emilio de Tamarit

Notícia publicada no Moniteur Universel, relativa à chegada da família real espanhola a Bayonne




Bayonne, 2 de Maio


El-Rei Carlos IV e a Rainha Luiza chegaram, a 27 do mês passado, a Burgos, onde foram recebidos com todas as honras devidas à sua qualidade. Suas Majestades se mostraram muito satisfeitas de ver os corpos dos oficiais franceses que lhes apresentou o Marechal Bessieres.

A 28 entraram Suas Majestades em Vitória, onde o General Verdier teve a honra de apresentar-lhes o corpo dos oficiais franceses. Achando-se naquela cidade um destacamento de 100 Guardas de Corps, que acompanhara o Príncipe das Astúrias, e havendo, segundo o costume, tomado posse do palácio que deviam ocupar Suas Majestades, quando El-Rei Carlos neles advertiu, [e] lhes disse: “Nao levareis a mal que eu vos peça que saiais do meu palácio, já que haveis traído os vossos deveres em Aranjuez; não preciso dos vossos serviços, nem tampouco os quero”. Tiveram pois de retirar-se os ditos guardas; e Sua Majestade pediu ao General francês que lhe desse uma guarda. El-Rei veio até Burgos acompanhado do belo regimento de clavineiros [=carabineiros], que sempre lhe tem sido fiel.

A 29 pernoitaram Suas Majestades em Tolosa, onde o General Lasalle teve a honra de apresentar-lhes o corpo dos oficiais franceses. Em todo o seu caminho encontrou El-Rei um perfeito acolhimento no povo; e tão somente se mostravam tristes nessa ocasião os indivíduos que se viram agitados pelas intrigas de Aranjuez.

A 30, ao meio-dia, chegaram Suas Majestades a Irun, onde o General Lebrun, Ajudante de Campo de Sua Majestade, lhes entregou cartas do Imperador. O Príncipe de Neufchâtel foi quem os recebeu na entrada do território francês. Às 2 horas da tarde entraram Suas Majestades nesta cidade, cuja guarnição formava as alas: todas as autoridades passaram à esplanada, e a cidadela e as embarcações surtas na baía saudaram com toda a sua artilharia. Assim que Suas Majestades chegaram ao palácio preparado para sua recepção, apresentou-lhes o Grão-Marechal Duroc os oficiais do Imperador designados para o seu serviço. Meia hora depois foi visitá-los o Imperador e esteve com Suas Majestades muito tempo.

Ontem oferecia esta cidade um espectáculo tão extraordinário como majestoso, pois víamos aqui ao mesmo tempo Suas Majestades o Imperador e a Imperatriz; El-Rei e a Rainha de Espanha; o Príncipe das Astúrias, que, há poucos dias, também se intitulava Rei; vários Infantes; o Príncipe da Paz; vários Ministros espanhóis e vários Grandes de Espanha.

El-Rei e a Rainha de Espanha habitam o Palácio do Governo; o Príncipe das Astúrias e o Infante D. Carlos, as antigas Casas da Intendência; o Imperador e a Imperatriz, a Quinta de Marrac, e os Ministros e oficiais da Casa de Suas Majestdades, os campos em torno.

Quando a artilharia anunciou, a 30 de Abril, a chegada de El-Rei e da Rainha de Espanha, foram sair-lhes ao encontro o Príncipe das Astúrias e o Infante D. Carlos. Logo que Suas Majestades entraram no seu palácio, todos os espanhóis que se acham aqui foram ao beija-mão. Os espectadores franceses, que haviam lido no mesmo dia, na Gazeta de Bayonne, as peças relativas aos acontecimentos de Aranjuez e a protestação de El-Rei, e que viam este infeliz Monarca chegado sem comitiva, sem guardas, sem cortejo, receber aquela homenagem dos mesmos homens que entraram na conspiração do mês de Março, experimentaram sentimentos penosos, que igualmente transluziam nos semblantes de El-Rei e da Rainha. Suas Majestades, nessa ocasião, falaram ao Conde de Fuentes, que por acaso chegara a Bayonne. Suas Majestades, por estarem fatigadas do beija-mão, se retiraram para o seu quarto. O Príncipe das Astúrias quis segui-los; porém El-Rei o deteve e lhe disse em espanhol: “Príncipe, não tendes vós já ultrajado assaz as minhas cãs?”. Estas palavras deixaram o Príncipe assombrado, e confusos os espanhóis que o acompanhavam e que com ele se foram logo retirando.

No mesmo dia, às 5 horas da tarde, foi o Imperador visitar Suas Majestades: o encontro foi largo e tocante. El-Rei e a Rainha contaram ao Imperador os ultrajes de que tinham sido alvo havia um mês, e os perigos a que constantemente se viram expostos, exprimindo a mágoa que lhes causava a ingratidão de tantos homens a quem tinham enchido de benefícios, e o desprezo com que olhavam os Guardas de Corps pela vileza com que os haviam traído. Várias vezes repetiu El-Rei estas palavras: “Vossa Majestade não sabe o que custa a um pai ter de se queixar de seu filho; esta desgraça é a mais dolorosa de todas as que se podem experimentar”. O Imperador, depois de ter estado mais duma hora com Suas Majestade, tornou para Marrac. El-Rei de Espanha, fatigado da viagem e atormentado da gota que padece, parecia ser mais idoso do que é. Não vinha acompanhado [por] mais que dum estribeiro, um camarista e um coronel de clavineiros (que fora deposto por um dos primeiros actos do Governo do Príncipe das Astúrias) e que faz as vezes de Capitão das Guardas. O Imperador designou para se empregarem no serviço de Suas Majestade o General Reille, seu Ajudante de Campo, como Governador do Paço, mrs. Duinanoir e de Barol, como camaristas, e mr. D'Oudenarde, como estribeiro.

Suas Majestade El-Rei e a Rainha de Espanha jantaram ontem em Marrac, com Suas Majestades o Imperador e a Imperatriz.

Hoje, às 4 da tarde, Sua Majestade a Imperatriz foi visitar El-Rei e a Rainha de Espanha, e esteve muito tempo com Suas Majestades. 

[Fonte: 1.º Suplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 21, 27 de Maio de 1808].


Ofício de Lagarde ao Juíz de Fora de Vila Franca de Xira (2 de Maio de 1808)




Lisboa, 2 de Maio de 1808


[…]


Senhor, eu envio a Vossa Mercê alguns exemplares de um edital cuja importância será facilmente por Vossa Mercê conhecida. O seu primeiro dever é fazê-lo autêntico pela sua publicidade. O artigo 7.º é aquele que só pode ser aplicável a esse termo; mas este artigo exige uma grande e severa vigilância, a qual espero do seu zelo.
Quando as declarações prescritas por este artigo, assim como os depósitos de armas proibidas, tiverem tido o seu efeito, formará Vossa Mercê destes uma relação que me remeterá todos os quinze dias, a fim que eu determine o mais que deve executar.
Tenho a honra de saudar a Vossa Mercê.

P. Lagarde




Resposta de D. Carlos IV à renúncia do seu filho, feita no dia anterior (2 de Maio de 1808)




[Fonte: Correio Braziliense - Julho de 1808, pp. 104-109].