segunda-feira, 2 de maio de 2011

Bando ou aviso de Móstoles (2 de Maio de 1808)




El Alcalde de Móstoles declara la Patria en peligro.
Quadro de Antonio Pérez Rubio, presente na Real Casa de Correos de Madrid.

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Senhores de Justiça das povoações a que se apresentar este ofício de mim, o Alcaide da vila de Móstoles: 

É notório que os franceses postados nas vizinhanças de Madrid e dentro da Corte tomaram a defesa sobre esta capital e as tropas espanholas; de maneira que em Madrid está correndo a esta hora muito sangue; como espanhóis, é necessário que morramos pelo Rei e pela Pátria, armando-nos contra uns pérfidos que, sob pretexto de amizade e aliança, querem-nos impor um pesado jugo, depois de se terem apoderado da Augusta pessoa do Rei; procedamos pois a tomar as activas providências para escarmentar tanta perfídia, acudindo ao socorro de Madrid e demais povoações, e alentando-nos, pois não há forças que prevaleçam contra quem é leal e valente, como os espanhóis o são. 
Deus Guarde a Vossas Mercedes muitos anos. 
Móstoles, dois de Maio de mil oitocentos e oito. 

Andrés Torrejón 
Anton. Fernandéz 




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Nota

A notícia, logo exagerada, que os franceses tinham espalhado o terror em Madrid, na manhã de 2 de Maio de 1808, espalhou-se quase imediatamente por todo o oeste e sudoeste de Espanha (território não ocupado pelos franceses). O maior contributo para tal difusão parece ter sido dado precisamente pelo bando ou aviso acima traduzido, composto (ou somente assinado, segundo as versões) nessa mesma tarde de 2 de Maio pelas autoridades de Móstoles (vila situada a cerca de 25 quilómetros a sudoeste da capital espanhola). Nos três dias seguintes, este aviso percorreu mais de 600 quilómetros, facto que se depreende com certezas através daquela que durante muito tempo foi considerada como a única cópia conhecida deste documento, a qual inclui acrescentos das autoridades das povoações por onde o aviso ia passando, como por exemplo a seguinte nota, que antecedia a transcrição do aviso propriamente ditoA esta hora e nesta data acabo de receber o seguinte; o que à mesma hora do seu recibo se servirá V[ossa Mercêde remeter a Cortegana e Aroche. Diz assim: A estas horas que são as quatro e um quarto da tarde, acaba de me ser entregue um ofício do Sr. Alcaide mor da vila de Fregenal que vem a toda a diligência referente ao que recebeu do Sr. Alcaide mor da vila de Fuente del Maestre, que lhe dirigiu o Sr. Alcaide mor Interino da cidade de Mérida relativo ao que por um mensageiro que veio a toda a diligência lhe comunicou outro da vila de Móstoles com data de dois do [mês] corrente que diz o seguinte...
Segundo estas e outras notas incluídas nessa cópia, o aviso teria feito o seguinte percurso em apenas três dias:




Para além das localidades assinaladas, sabe-se ainda, através de outras fontes, que este aviso chegou ainda no dia 3 de Maio ao conhecimento das autoridades de Trujillo (que por sua vez puseram em alarme as mais de 80 povoações da sua jurisdição). No dia 4, o aviso teria chegado a Badajoz, levando o Capitão-General da Extremadura a expedir no dia seguinte uma carta circular onde incentiva o alistamento de toda a província, ao mesmo tempo que enviava Frederico Moretti numa missão secreta a Portugal, a fim de tentar obter o apoio do General Juan Carrafa. Entretanto, o bando de Móstoles continuava a ser divulgado, passando por Córdoba, Sevilha, etc. Contudo, apesar de tantos quilómetros percorridos, as cópias deste documento perderam-se nos tempos, talvez devido aos avisos quase imediatos das autoridades de Madrid, que desmentiram a gravidade dos incidentes de 2 de Maio, numa tentativa, que surtiu efeito (ainda que temporário), de serenar os ânimos mais exaltados. Resulta curioso observar-se que logo a 13 de Outubro de 1808, as autoridades de Móstoles escreveram ao Corregedor de Talavera de la Reina pedindo uma cópia do aviso que tinham expedido, pois com a pressa de o enviarem para todas as partes, não se tinham lembrado de conservar a respectiva cópia. No entanto, em Talavera de la Reina também não se tinha guardado cópia alguma... 
Aparentemente, tinha-se perdido o rasto do aviso original: entre as dezenas ou centenas de periódicos e escritos patriotas e políticos que foram publicados na Espanha entre 1808 e 1809, incluindo os sete tomos da Demostración de la lealtad española (a maior colecção de proclamações e avisos da época), não se encontra qualquer transcrição do aviso original de Móstoles. Este facto deu azo a que logo em 1810 fosse publicada a seguinte versão apócrifa, forjada nitidamente pela máquina propagandística patriota e anti-napoleónica

A Pátria está em perigo; Madrid perece, vítima da perfídia francesa. Espanhóis, acudi todos a salvá-la. 
2 de Maio de 1808.
O Alcaide de Móstoles
[FonteAlvaro Flórez Estrada, Introducción para la historia de la revolución de España, Londres, Imprenta de R. Juigné, 1810, p. 126].

Esta deturpação foi repetida em obras posteriores, e foi preciso esperar até à comemoração do centenário destes acontecimentos para que o texto original fosse resgatado do esquecimento. Entretanto, em 1886, o padre da povoação de Cumbres de San Bartolomé encontrara uma cópia do aviso original nos arquivos da sua paróquia, depositando-a pouco depois no arquivo municipal da mesma povoação. Tanto a nossa tradução como os dados acima indicados derivam precisamente desta cópia, que durante muito tempo se julgou que era a única ainda existente, embora hoje se saiba da existência de pelo menos outras tres cópias (uma das quais irremediavelmente perdida).

Consultar, ainda a este respeito