Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:
Tendo-me constado pelo Major Aires Pinto de Sousa a comunicação confidencial dos artigos da Capitulação entre os Exércitos britânico e francês, que se diz assinados e de que ainda não recebi [a] cópia oficial que [o dito Major] deve esperar; e sabendo pela mesma via que aqueles artigos não diferem substancialmente dos ajustados no Armistício, sobre os quais ele apresentou a Vossa Excelência, de ordem minha, verbalmente e por escrito, algumas observações tendentes a salvar a honra, dignidade e interesses da nação portuguesa; é do meu dever declarar a Vossa Excelência que não sendo eu ouvido para esta negociação, em que suponho de algum modo comprometido este país, eu me reputo livre de toda a responsabilidade que se me possa imputar a este respeito.
Não permitindo a situação em se acha este Exército fixar-me aqui por todo o tempo necessário para a conclusão deste negócio, e vendo adiantar as Colunas inglesas, sem que se me comuniquem os seus movimentos ou se me indique a cooperação que se me tinha anunciado para a entrada na capital, devo pretender de Vossa Excelência uma explicação a este respeito, para meu governo*.
Observarei mais a Vossa Excelência que nesta Capitulação não são também contempladas nem as tropas que comanda o Monteiro-mor do Reino e que se acham no Alentejo, nem o Exército espanhol que na mesma província marcha sobre o Tejo, como Vossa Excelência verá da carta que remeto do seu General D. José Galluzo, e que vem auxiliar este Reino, talvez no desígnio de libertar os prisioneiros que ainda existem em poder do Exército francês.
Deus guarde Vossa Excelência.
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.
Bernardim Freire d'Andrada
Quartel-General da Encarnação, 2 de Setembro de 1808.
Bernardim Freire d'Andrada
[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, p. 24 (incluída no doc. 69). Originalmente este documento foi publicado em inglês, in Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 203 (doc. 102)].
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Nota:
* Existem duas versões desta carta, ambas publicadas originalmente em 1931, no citado 2.º volume do Boletim do Arquivo Histórico Militar (docs. n.º 62 e n.º 69). É possível que a primeira versão (que não transcrevemos) seja a minuta apresentada no Conselho Militar reunido a 2 de Setembro de 1808. A segunda versão (acima transcrita) parece ter sido a que realmente foi recebida por Dalrymple, pois é dela que deriva a tradução fiel que foi publicada logo em 1809, na citada obra Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention. Devemos assinalar que ambas as versões pouco diferem entre si, exceptuando a alteração significativa (e mais moderada) do trecho acima sublinhado, que na primeira versão ia como se segue:
"parece-me conveniente tomar a posição de Alenquer e outras povoações da margem do Tejo, porque, ficando em igual distância da capital, posso ali mais comodamente esperar a decisão da Junta do Supremo Governo Provisório da cidade do Porto, a quem refiro tudo o que este respeito se tem passado, e de quem espero instruções".