Lisboa, 7 de Junho
Estamos autorizados para publicar como autênticas as peças seguintes, que aclaram muito os intuitos benéficos de Sua Majestade o Imperador e Rei relativamente à Espanha e à sorte que lhe destina. Sua Majestade Imperial quer pessoalmente ouvir os homens notáveis daquela Monarquia sobre as instituições que mais lhe convém. Não é um conquistador que se adianta por entre povos vencidos: é um legislador que, querendo escorar-se só na sua missão evidentemente celeste e aos direitos que lhe cederam os antigos Soberanos do país, vem a suprir à sua falta de poder e de energia, e salvar uma nação, que estima, dos horrores de uma revolução que as injustiças e divisões do seu governo haveriam tornado inevitável. A Espanha não tem agora outro Rei senão Napoleão o Grande*: toda a resistência às suas ordens ou às ordens daqueles que o representam, vêm a ser pois um crime tão contrário às leis da Monarquia como às da Religião, a qual manda obedecer aos soberanos da terra, sem que pertença aos indivíduos contestar o que o Céu permite.
Como é possível que entre uma nação que faz glória de ser essencialmente Católica possa haver apologistas da sedição e da revolta? Como é possível que haja Ministros de um Deus de paz que preguem pela própria boca a guerra, e a mais horrível de todas as guerras, qual é a guerra civil? Acaso poderão deixar de reconhecer que um tal procedimento, especialmente no século em que vivemos, seria trazer sobre si a sua ruína, largar, aniquilar pelas suas próprias mãos o carácter sagrado de que estão revestidos, e dar contra si armas aos seus inimigos? Lembrem-se os de entre eles que quiserem abusar da sua influência para persuadir ao povo o desprezo da autoridade legítima, que a revolução da França começara assim; que acabara deixando ali quase destruída a Religião Católica, e que ao braço muito poderoso de Napoleão é que o culto dos nossos pais deveu a sua nova vida naquele vasto Império!
Que são essas Juntas que alguns perturbadores cobiçosos de poder e de turbulências, têm, como se diz, tentado formar em algumas cidades da Espanha? São umas verdadeiras Juntas revolucionárias, da família daquelas que espalharam tantos desastres pela França. De que poderiam elas servir senão de converter amigos, aliados, em vingadores, em inimigos; e em fazer com essas mesmas cidades sejam entregues à canhonada e às devastações?
Acaso se capacitam os membros dessas Juntas que combateriam com a menor esperança de vantagem exércitos que tão facilmente podem invadir a Espanha; e que, depois de terem vencido os exércitos os mais formidáveis e os mais aguerridos da Europa, não são capazes de recuar diante de uns corpos de milícias mal armados, mal disciplinados, mal unidos, sem centro de direcção, e sem chefes famosos nas batalhas?
Estas verdades se conhecem geralmente em quase toda a Espanha, e com especialidade em Madrid, onde já se experimentou por um modo tão vão como sensível o efeito de uma resistência desatinada, mas onde tudo continua a estar em perfeito sossego: são elas a melhor resposta que se possa dar ao susto cheio de hipocrisia que afectam ter certas pessoas, que tomando os seus votos por esperanças, adoptam cegamente as novelas e exagerações que espalha sem fundamente a malevolência, só com o desejo de vê-las realizadas.
É uma traça vulgar o publicar que um mal existe, para lhe dar origem. Desta sorte é que uns cem soldados espanhóis, da banda de Setúbal, foram momentaneamente arrastados à deserção; mas quando se viram sós sem oficiais e sem asilo, tornaram pela maior parte por si mesmos ao seu dever, implorando que se usasse para com eles de indulgência pelo engano em que tiveram de cair, por boatos falsos.
A imensa maioria da nação espanhola conhece que o único perigo que a ameaça hoje é a anarquia, em que procuram precipitá-la os conselhos da Inglaterra e dos seus partidistas assalariados; ela porém está bem convencida de que, abandonada por uma Dinastia que nada podia fazer para sua prosperidade, só pode ter segurança e refúgio na profunda sabedoria e debaixo da invencível estrela do augusto Árbitro da Europa, o qual, como se vai a ver, lhe fala em termos que respiram menos a linguagem de um soberano, sem embargo de ter agora sobre ela os direitos os mais sagrados e os mais incontestáveis que a de um pai determinado a fazer tudo para sua glória e para sua felicidade.
[As duas peças anunciadas no início da notícia:]
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* Na verdade, um dia antes de ter saído esta notícia na Gazeta de Lisboa, Napoleão tinha outorgado a coroa espanhola ao seu irmão José Bonaparte. Por motivos óbvios, esta informação ainda não tinha chegado a Portugal na data de redacção da notícia transcrita.