Na madrugada do dia sete de Junho de 1808, tomado no Augusto Nome de Sua Alteza Real o Governo da Fortaleza de S. João da Foz do Porto pelo Major Raimundo José Pinheiro, com a aprovação dos respectivos Oficiais que fez convocar, assim do seu Estado Maior como das Companhias fixas, e proposto a estes o grande projecto do novo restabelecimento do Governo de Sua Alteza Real pelo mesmo Major, tomadas entre todos as medidas prudentes para o conseguir, à vista da posição dos espanhóis e da confiança que se devia ter nos que estavam à testa do Governo militar e civil do Porto, e que o haviam recebido na noite precedente em nome do mesmo senhor, achando dispostos para tão desejado fim os referidos Oficiais, juraram imediata e novamente nas mãos do reverendo capelão da mesma fortaleza a indefectível defesa dos reais direitos do Príncipe Regente Nosso Senhor, sem que um só hesitasse, mostrando assim que o mesmo senhor sempre havia reinado em seus corações, de que assinaram o termo do teor seguinte:
Aos sete dias do mês de Junho de 1808, de madrugada, nesta fortaleza de S. João da Foz do Douro, onde eu, o Padre José de Barbosa Pereira, Capelão da mesma, fui chamado, com os demais membros da mesma fortaleza abaixo assinados, pelo Ilustríssimo Major Governador Raimundo José Pinheiro, e por ele foi dito que, tendo sido presos os franceses que estavam no Porto, era justo que na fortaleza se arvorasse a real bandeira e se aclamasse o Nosso Augusto e Legitimo Soberano, o Sereníssimo Senhor D. João Príncipe Regente, ao que todos unânime e prontamente respondemos que estimávamos e aprovávamos a sua proposição, que sempre estes tinham sido os nossos sentimentos, e que somente esperávamos oportunidade, pois que o Tirano era por nós detestado como inimigo da Religião, dos Soberanos e dos Direitos mais Sagrados; e sendo então por ele, [o] dito Major, aclamado o mesmo Real Senhor, a que todos respondemos com repetidos vivas e aclamações, me mandou deferir a todos os juramento dos Santos Evangelhos, e mo deferiu também a mim, debaixo do qual todos nos obrigámos a defender a Religião, os Direitos do Nosso Legítimo e Amável Soberano, e a Independência da Nação contra o Usurpador, e a promover e animar o povo, dispondo-o a tomar parte nesta importante empresa, mandando-me depois fazer – como fiz – à guarnição uma dissertação em que a exortei a cumprir inviolavelmente um tão sagrado dever, para o que me mandou fazer este termo, que assinei com ele, sobredito Major, e com os demais juramentados.
O Padre José de Barbosa Pereira, Capelão.
Raimundo José Pinheiro, Major Graduado e Governador.
José António de Sousa Cardoso, Capitão.
José Lucas do Sobral, Tenente Comandante da Guarnição de Artilharia do Regimento n.º 4 destacado na dita fortaleza.
Francisco José de Sampaio, segundo Tenente.
Manuel José da Silva Monteiro, Almoxarife da dita fortaleza.
João Baptista da Pena, Sargento.
Sebastião de Sampaio e Melo, Sargento da fortaleza.
E sendo logo por todos implorado o poderoso auxílio da Virgem Santíssima do Rosário, padroeira da fortaleza, lhe votaram em nome de Sua Alteza Real que, se ela felicitasse tão justa empresa, seria-lhe aquele dia para sempre consagrado com uma solene festividade com exposição do Santíssimo Sacramento e procissão para perpétua memória, confiando da religião e piedade de Sua Alteza Real a confirmação; em consequência do que, ao nascer do sol do mesmo dia sete, foi solenemente aclamado na mesma fortaleza o Príncipe Regente Nosso Senhor, e arvorada a sua real bandeira, que se firmou com repetidas salvas de artilharia, fogo do ar, e repiques de sinos na Igreja e Capela desta povoação, e nos Castelos do Queijo e Matosinhos, a cujas Praças bem como a Igreja e Capelas havia o dito Governador expedido a precisa ordem.
Despregada assim a primeira vez depois da sua supressão, a real bandeira portuguesa, e excitada com a sua desejada vista a saudade sufocada nos aflitos corações dos portugueses fiéis, foi o mesmo Governador a bordo do brigue Eclipse de Sua Majestade Britânica noticiar-lhe o referido, e pedir em nome de Sua Alteza Real o auxílio que devia esperar da Grã-Bretanha, sempre leal e antiga aliada deste Reino, e declarar-lhe franco e aberto este porto; ao que correspondeu, embandeirando-se, salvando e mandando à terra em companhia do dito Major um Oficial seu, que foi recebido por toda a guarnição e povo inumerável que ali havia concorrido com os mais vivos transportes de alegria.
Dispostos por efeito deste facto os ânimos do povo, e desterrado o terror pânico, que até lhes tornava mudas suas línguas, houve o Governo do Porto (talvez por temor ou respeito a alguns Ministros franceses que ali tinham ficado) de hesitar sobre o partido que devia tomar; e, contra o que se esperava, chegou a mandar ordens contrárias à mesma fortaleza, que contudo não se executaram [...].
[Fonte: Relação do que se praticou em S. João da Foz do Porto na Feliz Restauração deste Reino, in Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., sex. 14, cx. 182, doc. 83, fls. 17-19; o auto da proclamação (acima em itálico) foi publicado igualmente por José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 86-88; e por Manuel Mendes, no seu artigo “Guimarães e a Aclamação de D. João VI num códice inédito do Arquivo Histórico Militar”, in Revista de Guimarães, n.º 69 (1-2), Janeiro-Junho de 1959, pp. 19-66, pp. 31-32.].