Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:
Neste correio recebo dois ofícios de V. Ex.ª datados um a 10 e outro a 15 do corrente, e tenho a dizer a V. Ex.ª que já nesta vila se relatava o triste evento entre as tropas francesas e espanholas na cidade do Porto, o que julgava [que] não devia participar a V. Ex.ª primeiramente porque semelhante novidade em nada alterou e menos atraiu os ânimos dos meus domiciliários, antes continuam no mesmo bom sossego; em 2.º lugar esta notícia, tendo chegado por vozes vulgares, não dava certeza e crédito, e nunca eu quero ser achado em engano, e ultimamente entremeando daqui ao Porto 28 léguas e tantos magistrados, mais incumbia aos mais vizinhos darem conta do que a mim; mas, como V. Ex.ª exige participação até de boatos, anuncio (não respondendo pela verdade ou certeza) que se diz vulgarmente que em Espanha se cuida apressadamente num numeroso Exército, que este todos os dias se aumenta com imensos voluntários; que com eles se envolvem muitos ingleses, e que destinam uma grande parte a entrar em Portugal dirigidos contra as autoridades delegadas de Sua Majestade Imperial e Real; que Elvas está em sítio; e ultimamente, que em Espanha tudo é tumulto contra as tropas francesas; mas este povo nem dá inteiro crédito a estas notícias, nem menos as apoia; e por isso sem esforço nem predicações mantenho a paz entre eles.
Convém também dar parte a V. Ex.ª que nesta vila se faz um mercado, a que concorrem os povos em distância de quatro e seis léguas a comprarem os géneros de que precisam, e a venderem os de que abundam; isto no dia sábado de cada semana: requereram os povos que em cada um daqueles dias perdia a lavoura e agricultura oitocentas ou mil pessoas, [o] que em todas as semanas do ano fazia um prejuízo muito considerável, e que este se evitava mudando-se o mercado para o dia Domingo, em cujo dia não implicava venderem-se semelhantes géneros; a Câmara, em conferência que olhava a economia do povo, consultando os interesses destes julgou de acerto e utilidade mudar-se aquele mercado para o Domingo; porém, como muito poucos indivíduos, principalmente eclesiásticos, que têm aquele dia Domingo mais ocupado na sua paróquia, e por isso menos tempo de passarem o mercado, ao qual nenhuma utilidade ou abundância resulta da sua assistência; figurando-se nimiamente escrupulosos da disciplina eclesiástica, mostram-se pouco satisfeitos com a mudança; quando esta seja da aprovação de V. Ex.ª, queira por uma sua portaria autorizá-la e apoiá-la, para maior firmeza para o futuro, no que fará ao público uma nova graça própria da liberalidade da sua alma.
Sertã, 21 de Junho de 1808.
O Juiz de Fora, Isidoro António do Amaral Semblano
[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 5, doc. 18].