quinta-feira, 16 de junho de 2011

Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, por Joaquim Filipe de Landerset





Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, e mais sucessos até ao fim da marcha do Exército do Sul, em auxílio da Capital


Os povos do Algarve, assim como todos os do Reino de Portugal, sempre constantes no seu carácter de fidelidade e respeito às Sagradas Pessoas dos seus Reis e Soberanos, tinham visto com grande mágoa, e até com uma dolorosa saudade, o mais amável dos Príncipes constrangido a separar-se da sua mesma capital, e a levar para além do Atlântico os destinos da nação portuguesa. Sem poderem prever as suas desgraças futuras, mas só lembrados que a política e a prudência poderiam autorizar estas medidas funestas, consolavam-se ainda com uma perspectiva agradável; porque no seu entendimento não podiam caber todos estes projectos atrozes, que o tempo depois nos revelou. O Decreto de 26 de Novembro de 1807, pelo qual se nos mandava receber com uma generosa hospitalidade o exército francês, serviu também para serenar um pouco os nossos fatais pressentimentos. Os espíritos ingénuos dos leais portugueses, ainda não imbuídos nos tenebrosos mistérios de uma política astuciosa e perversa, cuidavam [que] seriam momentâneos todos os males que devia trazer-nos a presença de uma guarnição estrangeira. Persuadiam-se que a guerra marítima, não podendo ser eterna, e sendo a ocupação de Portugal talvez um motivo de mais para acelerar uma paz por que todo o Mundo suspirava, e principalmente a Europa, nós recobraríamos por fim a nossa liberdade, e veríamos novamente restituído ao nosso território e à nossa capital o melhor de todos os Príncipes, e com ele todas as esperanças da nossa independência.
Achando-se pois em tais circunstâncias o povo português, isto é, entre os temores e a esperança, não se limitando a abrir os braços a um exército que se intitulava seu protector e aliado, procurou prestar-lhe todos os auxílios de uma verdadeira e benéfica amizade. Em pouco tempo se viu inundado Portugal de tropas estrangeiras, e a vinte e dois do mês de Janeiro de 1808 o Reino do Algarve viu também ocupadas as suas Praças e todo o seu território, pela Divisão espanhola de Coupigny, pertencente ao exército do Marquês do Socorro.
Mas todos estes preliminares não apresentavam ainda o carácter horroroso de traição, que uma feroz e simulada perfídia procurava esconder-nos debaixo dos nomes sagrados de protecção e amizade. O General Junot, julgando-se uma vez seguro na posse de todo o Portugal, publicou finalmente o formidável Decreto do 1.º de Fevereiro de 1808, e com ele, então, se descobriram todas as iniquidades que o seu infernal maquiavelismo tanto cuidado havia tido em ocultar-nos. Por este Decreto de sangue e de ignomínia se pretendia, de um só golpe, não só extinguir a Augustíssima Casa de Bragança, mas até assassinar, por assim dizer, a própria nação portuguesa, roubando-lhe a liberdade e a independência: como se um Decreto fosse só bastante para riscar das nações livres a pátria dos Nunos, Castros e Albuquerques, e destruir os sagrados direitos de um trono apoiado em seiscentos anos de glória e de virtudes!
Decretada assim a nossa escravidão, decretou-se também logo a perda de todos os nossos bens, pois não convinha que escravos fossem ricos. Em prémio ou em castigo de não havermos esmagado nas montanhas da Beira aquele exército de salteadores e de assassinos, uma enormíssima e pesada contribuição se nos impõe para resgate das nossas propriedades e fazendas: palavras não só bárbaras, mas atrozes, dignas em tudo dos séculos do vandalismo e da ignorância, e que já mais se poderiam achar nos Códigos das nações civilizadas, a não ser no Código Napoleão.
Todos estes factos, aclarando cada dia mais o grande sistema da política francesa, deram também a conhecer em pouco tempo aos espanhóis o pouco caso que se ia já fazendo da sua influência e das suas forças. O General Kellerman foi render o Marquês do Socorro no Alentejo; e as tropas espanholas evacuaram o Algarve, que nos fins de Março foi ser ocupado pela Divisão [de] Maurin, composta da Legião do Meio-Dia, de um Batalhão do Regimento 26, uma Companhia de Dragões e outra de Artilheiros, que fazendo-se senhora de todas as praças, assentou o seu Quartel-General em Faro.
Cresciam de dia em dia os insultos, roubos e crueldades; toda a classe de cidadãos gemia, murmurava e nutria, dentro do seu coração, os sentimentos de fidelidade e patriotismo, o ódio e o furor. Mas sem armas e sem auxílios, oprimidos por duas grandes nações coligadas, a prudência sufocava ainda os desejos impetuosos dos bravos algarvios. A Providência, porém, que cedo ou tarde castiga o crime e premeia a virtude, rompeu o véu que cobria o Déspota que dominava as nações, com uma aleivosia sem exemplo, praticada contra a sua mesma aliada, estimulando-a a levantar-se em massa, e obrar os maiores esforços pela sua independência. Desde então, transtornou-se a política, os tiranos principiaram a tremer, e os fiéis portugueses, ouvindo com satisfação os intrépidos acontecimentos da Espanha, cuja causa já era comum, espreitavam oportuna ocasião para manifestarem à porfia o patriotismo que os animava, encontrando a cada passo novos motivos para o seu ressentimento.
Neste tempo sucedeu no Porto a prisão do General Quesnel e mais franceses por Belestá; Junot, em Lisboa, por ardil e não por força, surpreende, desarma e aprisiona a tropa espanhola, e toma este motivo para no Edital de 11 de Junho, que faz afixar por todo o Reino, afeando o procedimento espanhol, e desculpando o seu, convidar a nação portuguesa a unir-se com ele e com as suas tropas contra aqueles mesmos cuja causa era já comum. Para isso se serve das expressões mais soberbas e arrogantes, julgando talvez que desta sorte correriam voluntariamente às armas, anelando a honra de serem companheiros dos valorosos soldados de Marengo, Austerlitz, Jena e Friedland, não reflecte que semelhante política era um motivo de mais para encolerizar o nobre carácter português, que não sofre no valor e brio quem se lhe anteponha.
A experiência provou logo esta verdade, pois que afixando-se o referido Edital ao lado da porta da Igreja Matriz de Olhão, pequena terra de pescadores no Algarve, uma légua distante da cidade de Faro, no solene e memorável dia 16 de Junho de 1808, em que a Igreja celebrou a festa do Corpo de Deus, indo para a missa o Coronel José Lopes de Sousa, que vivia retirado na mesma terra, e notando o concurso do povo atento à sua leitura, com intrépida resolução rompe por entre ele, lança mão do papel afixado, rasga-o, pisa-o, e voltando-se para o povo cheio de entusiasmo, lhe increpa o sofrimento, duvidando que fossem portugueses. Gritam todos que o eram e estavam prontos a mostrá-lo, dando as vidas pela Religião, pelo Príncipe e pela Pátria. Nisto sabem que principia a missa, entram na Igreja, e durante ela sente-se o continuado sussurro dos circunstantes. Acabado o Santo Sacrifício, e saindo o dito Coronel, o povo, que tinha concorrido, excitado com a novidade deste excesso, grita em altas vozes que quer ser livre, que ele [José Lopes de Sousa] os comande, que se arvorem as nossa bandeiras; e fazem ressoar os vivas à nossa Augusta Soberana, ao nosso Príncipe, e a toda a Real Família. Aceita o Coronel a eleição, e para mais afervorar o entusiasmo, faz logo arvorar as reais bandeiras. Manda igualmente recolher da barra da Armona duas peças de 6 com os Artilheiros de Pé do Castelo que as guardavam, e a pólvora que havia no Paiol da próxima fortaleza de S. Lourenço, e envia a um João Gomes Pincho, com ofício, ao Comandante da Esquadra inglesa que se achava fundeada em frente do lugar da Figueirita, em Espanha, pedindo-lhe o auxílio de armas e munições. Entretanto, não cessavam os sinos de tocarem a rebate, convocando os povos das serras e as Ordenanças de Cavalo, que num momento acodem à ordem do seu Capitão José Martins da Beira, assistente [=residente] no mesmo lugar de Olhão. Assim, com tão poucos meios para a defesa, estando a maior parte do povo inerme, e outra mal armada, empreende atrevidamente sustentar-se e repelir os ataques do inimigo, fazendo postar guardas avançadas. 
Antes deste facto, na noite de 12, festejando a festa do dia de Santo António, haviam os de Olhão aclamado o Príncipe Regente Nosso Senhor, e arvorado a bandeira portuguesa no tope de um grande mastro enramalhetado, que cravaram na terra, à roda do qual, de mistura com os cânticos que usam dedicar ao Santo, fizeram ressoar os vivas à Sereníssima Casa de Bragança: e foi tão geral o contentamento, e forte o entusiasmo de que se possuíram ao verem as Reais Quinas, que a terem então quem os dirigisse, teriam voado às armas, como fizeram três dias depois.
É bem para notar-se como ao mesmo tempo, nos dois extremos de Portugal, sem saberem uns dos outros, se repetia em altas vozes o nome do nosso amável Príncipe, dando-se princípio à Restauração da Monarquia. Pois quando neste dia na província de Trás-os-Montes o Tenente General Sepúlveda fazia aclamar a Augusta Soberana e o Príncipe Regente Nosso Senhor, como se os ecos retumbassem nas Praias de Olhão, soavam novamente nelas estes respeitáveis e amados nomes, que saíam dos corações dos marítimos seus habitantes.
Neste tempo, por contra ordem que recebeu, como se soube por uma carta apreendida na Junta Provisional de Faro, achava-se o Coronel Maransin em Mértola com a Legião do Meio-dia, apesar de não se ter verificado a sua reunião com três a quatro mil homens que deviam sair de Lisboa, assim como a marcha combinada com o Exército de Dupont sobre Sevilha. Igualmente se achava a maior parte das forças do Batalhão n.º 26 em Vila Real de Santo António, pelo receio da vizinhança da Armada inglesa que escoltava o comboio que conduzia as tropas do General Spencer, havendo restado só em Faro duzentos soldados franceses destinados para guarda do General Maurin, que estava gravemente enfermo.
No dia 17 pela manhã fez-se público em Faro o acontecimento do dia antecedente em Olhão. O Corregedor Mor francês, conhecendo as poucas forças que tinha para sossegar aquele lugar, e que pela distância em que estavam as demais tropas tardaria o auxílio, receando além disto que Faro também se declarasse, fez chamar o Corregedor, Juiz de Fora, o Coronel de Artilharia, e o Major Joaquim Filipe de Landeset, e pretendendo que o dito Major passasse ao mencionado lugar, a fim de restabelecer a tranquilidade, prodigalizou-lhe para isto toda a qualidade de promessa, as quais todas ele recusou, pretextando motivos para escusar-se, como conseguiu. Então, o Corregedor lhe pediu que o informasse do espírito dos habitantes de Faro; e respondeu-lhe o mesmo Major que não; porque não se admiraria que não só Faro, mas todo o Algarve e Reino se levantasse, tendo eles franceses dado tantos motivos para descontentar a nação. Ao que replicou de novo o Corregedor Mor: “Que todos estes males seriam depois recompensados com os grandes benefícios que Napoleão o Grande faria a Portugal, quando viesse o novo Rei”. Mas ele, finalmente, lhe respondeu: “Que os portugueses julgavam o futuro pelo presente, e que mais queriam ser governados pelo seu Príncipe que pelo maior Monarca do Mundo”. Concluída desta sorte esta conferência, em todo o dia procurou sem efeito o mesmo Corregedor Mor algumas pessoas que se encarregassem de tranquilizar Olhão e manter o sossego de Faro, enquanto expedia ordens, como depois se soube, para que a marchas forcadas se reunissem todas as forças sobre Olhão e Faro. 
Na noite deste mesmo dia chegou ao dito lugar de Olhão o enviado João Gomes Pincho com cento e trinta espingardas que recebeu da Junta de Ayamonte, a quem tinha recorrido por não ter o chefe da Esquadra inglesa aquele abastecimento. Em sua companhia veio então o Capitão de Milícias de Tavira, Sebastião Martins Mestre, a quem tinha encontrado a bordo da mencionada armada na diligência de semelhante requisição, que muito judiciosamente tinha ido fazer, a fim de aproveitar a ocasião oportuna contra os inimigos da pátria.
No dia 18 de manhã, constando ao Coronel José Lopes de Sousa que vinham embarcados os franceses da Guarnição de Tavira em três caíques para reforçarem a de Faro, e sendo instado pelo povo para que os fosse atacar, nomeou para esta expedição o Capitão Sebastião Martins Mestre, o qual, com alguns paisanos armados num caíque, atacando subitamente os inimigos, rendeu os três caíques, aprisionando setenta e sete Soldados, três Oficiais de patente, e um Quartel Mestre, todos da Legião do Meio-dia, com uma grande quantidade de bagagens, que tudo conduziu ao porto de Olhão. Sabendo-se logo depois, que vinham marchando por terra cento e oitenta e cinco Granadeiros e Caçadores da mesma Legião, da Guarnição de Vila Real [de Santo António], e querendo o povo influído correr novamente a atacá-los, o mesmo Capitão os conduziu ao combate, o qual se principiou a meia légua do lugar, no sítio da ponte de Quelfes, sendo por fim o inimigo acossado e perseguido, com perda de alguns soldados, que ocultou. Da nossa parte só houve um velho morto fora da acção e dois rapazes.
Este Corpo de Granadeiros e Caçadores franceses reuniu-se a meia légua de Faro; e dando o seu Comandante logo parte do sucesso ao Capitão de Artilharia francês encarregado pela moléstia do General da direcção das Tropas, este fez marchar um obus conduzido por alguns Artilheiros franceses, e ordenou ao Coronel de Artilharia Caetano António de Almeida que mandasse dois Oficiais com duas peças e cinquenta soldados para a Quinta do Rio Seco, um quarto de légua distante de Faro; medidas absolutamente de defensiva, para evitar a reunião do povo de Olhão com o de Faro, já a esse tempo sobejamente irritado com a notícia de ter corrido sangue português. Foi então nomeado para Comandante das ditas tropas o Tenente Belchior Drago Cabreira, o qual, recusando publicamente aceitar o comando, como impróprio do carácter português e de fiel vassalo, e com outras expressões que lhe fazem a maior honra, por fim o aceitou, manifestando a sua repugnância. Protestou, porém, que se chegasse a haver acção contra os seus patrícios, tomaria o acordo que lhe inspirava a sua honra e o seu patriotismo; para o que já levava a gola com as Armas Reais.
No memorável dia 19 de Junho, receoso o Capitão francês do espírito irrequieto dos habitantes de Faro, e sabendo talvez que nesse dia não podia ser auxiliado pelo Corpo da Legião do Meio-dia, que só a vinte, como veremos, entrou em Tavira, se afoitou a adiantar-se das suas tropas em direitura do caminho de Olhão; e logo que avistou uma pequena guarda avançada de alguns paisanos, a distância quase de tiro de espingarda, acenou-lhes com um lenço, chamando-os com muita confiança. Três destes paisanos, notando esta franqueza, resolveram caminhar para ele, a fim de saberem o que pretendia. Querendo-se pois aproveitar da ocasião, entrou a persuadir-lhes, da forma com que se pode fazer entender, que o General francês estava pronto a perdoar àquele povo, logo que ele se tranquilizasse e reconhecesse o Governo francês; que a pesca havia de ser favorecida, e todos seriam indemnizados dos males que haviam padecido; que bem conhecia, enfim, que o autor de tudo era o Coronel José Lopes de Sousa, mas que deste mesmo nada pretendia, senão que ele se ausentasse daquele lugar. Os paisanos responderam-lhe que dariam parte ao povo, e que ele não teria talvez dúvida de anuir ao que se lhe oferecia, sendo a promessa afiançada pelos Ministros portugueses.
Contente o Capitão com esta resposta, voltou a Faro, e fez chamar a casa do General o Corregedor, o Juiz de Fora da terra e o Major Joaquim Filipe de Landerset, e contou-lhes o sucedido, ordenando aos Ministros que o acompanhassem para falarem às pessoas que o mesmo povo havia de enviar para tratar a composição, e ao Major para que servisse de intérprete entre ele e os Ministros. Procurou quanto pôde o dito Major escusar-se, mas sendo forçado a partir, assim mesmo se demorou tempo bastante para protestar a violência que se lhe fazia. Chegando finalmente ao lugar em que estavam as tropas portuguesas que comandava o primeiro Tenente Belchior Drago Cabreira, renovou os seus protestos perante ele e a tropa, dizendo que só ia servir de mero intérprete, e que não ficava responsável pelas promessas e boa fé dos franceses, em quem não confiava. O Capitão francês, mal chegou à Quinta chamada do Chantre, a meia légua de Olhão, e a pouca distância da sua tropa, mandou por um paisano português avisar o povo, o qual com pouca demora enviou algumas pessoas em que confiava. Depois de terem conferido, e de lhes serem anunciadas pelos Ministros as mesmas promessas ditadas pelo Capitão, todos se mostravam inclinados à pacificação, declarando o deplorável estado em que se viam por falta de mantimentos, e por não terem quem os dirigisse militarmente, havendo na noite antecedente o Coronel José Lopes de Sousa e o Capitão Sebastião Martins Mestre passado à Espanha, a pedir auxílio à Junta de Sevilha e Ayamonte, e achando-se neste meio tempo governados pelo Prior daquele lugar de Olhão, cujo zelo e patriotismo eles tanto louvavam. À vista destas razoes, concluíram por fim que mandariam no dia seguinte a Faro pessoas capazes para tratarem definitivamente. 
Enquanto isto se passava, o espírito dos habitantes de Faro cada vez mais se acendia, chegando ao maior auge de calor com o falso rumor, que se espalhou, de se haver principiado o combate contra Olhão, e de que as tropas portuguesas tinham tomado o partido da sua nação, havendo ficado o Tenente Belchior Drago Cabreira ferido ou morto. Então, um tendeiro, Bento Álvares Penedo, com mais alguns bem dignos de memória, prometem seis mil e quatrocentos réis a um homem de ganhar, vulgarmente chamado Maneta, para que, subindo à torre [da Igreja] de Nossa Senhora do Carmo, tocasse a fogo; o que ele executou, pedindo a chave da torre com o disfarce de ir dar umas badaladas que se usam para excitar a devoção dos fiéis a orarem pelo bom sucesso de alguma mulher em parto. Mal se começou a tocar a fogo, levantou-se o povo, e correndo ao largo do Carmo, onde apareceu o Coronel português Caetano António de Almeida, lhe disseram que fizesse recolher as nossas tropas. Ele imediatamente escreveu ao Tenente Belchior Drago Cabreira, ordenando-lhe que se retirasse à cidade, que estava levantada; e se encarregou desta ordem e ofício o Escrivão do Hospital Militar Timóteo José Lobo. Apenas o dito Tenente recebeu este aviso, pôs a gola em que estavam abertas as Armas Reais, e com louvável resolução mandou chegar a postos, e marchou sobre Faro. À estrada veio logo recebê-lo grande número de povo, que perseguindo alguns franceses fugitivos, e trazendo adiante muitos rapazes com canas verdes alçadas, assim entrou em Faro aclamando por todas as ruas a Augusta Soberana, o Príncipe Regente Nosso Senhor e toda a Família Real. A esse tempo já seus irmãos, o Capitão Sebastião Drago Cabreira, a quem o povo nomeou para seu Comandante, e o Tenente Severo Cabreira, andavam entre o povo animando-o para a defesa, e todos, logo que souberam que os franceses vinham marchando sobre a cidade, possuídos da maior ânsia e valor, correram ao campo, com as suas forças que se lhes ajuntaram, e arrastaram peças às estradas por onde podiam vir os franceses.
É neste tempo informado o Capitão de Artilharia francês por um piquete do levantamento do povo de Faro, e ordena que logo marchem as suas tropas sobre a cidade, vistas as intenções pacíficas dos habitantes de Olhão. Percebendo isto o Major, e retirando-se à parte com o medo de ser suspeito, avisa da novidade aos enviados daquele lugar, e aconselha-lhes que voltem ao povo, e o persuadam a que todos peguem em armas. Imediatamente, montou o Capitão a cavalo em companhia dos Ministros e do dito Major; o qual, conhecendo o iminente perigo em que se achavam entre semelhante gente, usa do estratagema, estando já próximo da cidade, de se oferecer, juntamente com os Ministros, para pacificar o povo. Depois de algumas instâncias conseguiu enfim separar-se, e tomou com os Ministros a estrada de S. Luís, por onde marchavam os franceses a passo acelerado. Achava-se o Capitão Sebastião Cabreira e seu irmão o primeiro Tenente Belchior Drago Cabreira com algumas peças sobre um alto que descobria aquela estrada. Aparecendo os franceses, apesar de pouca gente que havia na bateria, com intrépido valor e patriótico zelo atiraram sobre o inimigo, fazendo-lhe um fogo tão vivo que o obrigaram a retirar-se, entrando por baixo do mesmo fogo na cidade os ministros e o sobredito Major. O inimigo tomou outra estrada, na qual, achando a mesma resistência da parte do primeiro Tenente Severo Cabreira, amedrontado, abraçou o partido de mudar de projecto, deixando exposto o seu Quartel-General ao furor popular, e com tal precipitação que abandonou o obus que trazia.
Enquanto sucedia isto no campo, parte do povo que estava dentro na cidade soltando os presos do calabouço correu ao Armazém da Praça, prendeu os franceses que o guardavam, e, arrombando as portas, se armou com as armas que aí encontrou. Haviam feito o mesmo ao Paiol da Pólvora, enquanto outra parte dele se dirigia ao Quartel-General, a tempo que, voltando do campo o Capitão Belchior Drago Cabreira depois de rendida a Guarda que foi o primeiro Oficial, que deu a voz de prisão ao General, a quem tomou a espada o Sargento de Ordenanças Manuel José, a qual entregou na Junta Provisional do Algarve ao Excelentíssimo Capitão General seu Presidente. Então o mesmo povo passou a prender todos os franceses que encontrou pelas ruas e casas, fazendo-se uns noventa prisioneiros, sendo incluídos neste número o General [Maransin], um Ajudante de Ordens seu irmão, o Comissário de Guerra, um Cirurgião, e mais alguns oficiais.
Todo este dia e noite se esteve no campo debaixo de armas, esperando que o inimigo com forças superiores empreendesse a invasão da cidade,  e quisesse libertar o seu General. Era geral o patriotismo, e todos se mostravam animados do maior valor, empregando-se uns em vigiar o campo, e outros na tranquilidade da terra, distinguindo-se todas as classes de cidadãos, como o Beneficiado João de Deus, o Prior da Sé, o Quartel-Mestre Pedro Coelho, o Tenente de Milícias Manuel Francisco, o segundo Tenente Lázaro Moreira Landeiro, o Cadete António José Nogueira, o Ajudante da Praça Francisco Correia da Silva, Sebastião da Ponte Duarte Negrão, e outros muitos. O Capitão Sebastião Cabreira, concorrendo muito para a boa ordem e sossego dos habitantes, diz tudo com a melhor ordem para a defesa. O povo manifestou toda a confiança que dele fazia, mostrando-se dócil a tudo que lhe ordenara, acalmando no seu furor e não matando mas antes prendendo somente os que se lhe rendiam. Nesta ocasião foi que o mesmo povo o distinguiu com um penacho encarnado, que lhe deram por divisa, bem como fizeram aos dois outros seus irmãos, e ao depois ao Coronel de Milícias da mesma cidade, Damião António de Lemos, ao Major Joaquim Filipe de Landerset, a Sebastião Duarte da Ponte Negrão, e a Custódio José de Oliveira Cabral; outro igualmente ofereceram ao Excelentíssimo Capitão General Conde Monteiro Mor, D. Francisco de Melo da Cunha, quando veio a Faro.
No dia 20, das seis para as sete horas da manhã, congregando-se no Campo da Esperança o Corpo da Magistratura e do Clero com o Excelentíssimo Bispo D. Francisco Gomes, as Ordens Religiosas, a Nobreza e Povo de Faro, dispondo o Capitão Sebastião Drago Cabreira as tropas em forma, se reaclamou solenemente a Augusta Soberana, o Príncipe Regente Nosso Senhor e toda a Sereníssima e Real Casa de Bragança. Acabada esta solenidade, o dito Capitão com a Câmara e seus competentes Magistrados deliberaram participar-se às outras Câmaras das cidades e vilas do Algarve a gloriosa e sempre memorável Restauração da cidade, rogando-lhes [que] quisessem imitá-la, concorrendo todos os povos para a defesa e expulsão do inimigo comum. Desta diligência até à cidade de Lagos se encarregou Sebastião Duarte da Ponte Negrão, que desempenhou com grande actividade e inteligência, fazendo em quarenta e oito horas que todo os Povos reconhecessem a legítima Soberania, animando-os à defesa e evitando as desordens em tais circunstâncias. O Excelentíssimo Bispo, como bom prelado e fiel vassalo, escreveu da sua parte para o mesmo fim a todos os párocos do Bispado, e ainda mesmo aos do Alentejo, co-vizinhos do Algarve, mostrando em toda a ocasião do perigo, o zelo de que era animado pela causa da religião e da Pátria.
Concluída a referida conferência, assentando-se ser necessário para o êxito feliz da reunião dos povos que toda a qualidade de cidadão usasse de um divisa, cominando-se de traidor o que recusasse trazê-la, se propôs ao Comandante de Campo Sebastião Drago Cabreira e ao Governador da Praça Caetano António de Almeida, que resolveram publicar-se em bando para que todo o indivíduo de qualquer qualidade, estado ou graduação que fosse, pusesse no braço direito um laço de fita encarnada, com pena de ser reputado traidor e inimigo da Pátria não o pondo. Esta [é] a origem da divisa adoptada em todo o Reino do Algarve, e que à sua imitação seguiu a província do Alentejo, e que agora condecora o Exército denominado do Sul.
Neste mesmo dia houve um rebate falso, por se dizer que marchavam contra Faro as forças reunidas da Legião [do Meio-Dia] e [do] batalhão n.º 26. Então se viu o que podia o entusiasmo patriótico, pois não havendo senão muito poucos soldados, o Povo concorreu todo a tomar armas e a esperar o inimigo com o exemplo do seu virtuoso Bispo, que apareceu no campo abençoando a todos os fiéis portugueses que o amor da Religião e do Príncipe tinha reunido. A Nobreza da terra requereu o lugar mais arriscado, que logo foi ocupar. Os Religiosos pediram armas. O Cabido guarneceu a Guarda Principal com parte do Clero, e outra parte foi para o campo.
Pela madrugada entrou em Tavira a Legião de Maransin, vinda de Mértola, a que pouco depois se juntaram os Granadeiros e Caçadores acossados de Faro, a quem lhe participaram o levantamento daquela cidade, a prisão do General e mais tropa, e a perda de todas as suas bagagens em Olhão. Furioso com esta notícia, convocou a conselho alguns Oficiais para se decidir se deveriam ou não saquear a terra e apreender o General português [Conde Monteiro mor]; mas não se deliberou aisto pela quietação e sossego em que se via o Povo. Para o incitar destacou patrulhas de Oficial para todas as ruas, as quais maltratavam e ofendiam os que encontravam; porém todos se mostravam pacíficos, sofrendo tudo sem se alterarem. Neste tempo achava-se próxima à barra de Tavira a esquadra inglesa, e receando os franceses que eles pretendessem desembarcar, se resolveram a retirar-se para a serra da parte de Castro Marim, havendo feito primeiro alto à saída da cidade, e obrigando a voltar um Ajudante de Cirurgia com um capacho velho em lugar de mal, de cuja ridícula figura o povo e rapazes não fizeram o menor caso. Teriam andado um quarto de légua, quando o povo principiou a inquietar-se: do que deu parte o Juiz Vereador ao Excelentíssimo Conde Monteiro Mor. Então este honrado fidalgo, ouvindo isto, e porque já sabia do levantamento de Faro, desejando aproveitar-se do primeiro momento para manifestar a fidelidade e amor que professava ao seu Príncipe e o patriotismo de que era animado, ponde de parte a consideração do perigo da sua família, que se achava em Lisboa, com intrépida resolução lhe responde nestes termos expressivos: Então toquem já a rebate. E logo, apesar de se achar enfermo, saiu do seu Palácio, pondo-se à testa do Povo que concorria a unir-se-lhe, animado com a sua presença, e dando todas as providências para a pronta defesa da cidade. Na madrugada do dia 21 o mesmo Excelentíssimo General saiu a explorar o campo na distância de meia légua, e encarregou ao Capitão João Ribeiro Lopes, que servia de seu Ajudante de Ordens, da organização do Regimento de Infantaria n.º 14, Milícias e Ordenanças, e da defesa de Tavira, pelo grande conceito que formava deste Oficial. Houve pouco depois um rebate por ir o Comandante Berhier com o corpo do seu comando, que estava em Vila Real [de Santo António], reunir-se com o do Coronel Maransin. Mas o Ajudante de Milícias António Pedro de Brito e o Cadete Pedro Alexandrino Pereira da Silva, por ordem do Excelentíssimo General, foram ter com ele, dizendo-lhe que os ingleses tinham desembarcado em Tavira, e da parte do seu General o avisavam disto por poupar saque; o que ele muito lhes agradeceu, retirando-se precipitadamente pelas fazendas fugidas das estradas, e indo reunir-se à Legião do Meio-Dia, que estava nas serras. De tarde houve outro rebate falso, e saiu o Excelentíssimo General; e por se dizer que por outra estrada vinha o inimigo, mandou o mesmo Capitão João Ribeiro Lopes averiguar e explorar a sua marcha, enquanto ele ficava no lugar da reunião das forças, para as repelir.
Neste mesmo dia [21 de Junho] foi reconhecido o legítimo Governo em Castro Marim. E pretendendo entrar nesta vila uma companhia [francesa], que vinha de Alcoutim a unir-se com o Coronel Maransin, foi repelida, fazendo-se fogo sobre ela dos baluartes e mais lugares que se julgaram a propósito guarnecer. Achavam-se nestes baluartes João da Guarda e seus irmãos António Fernando, Francisco de Paula e José da Guarda, Oficiais do Regimento de Infantaria de Tavira, o Cadete da mesma Sebastião da Guarda, e o Capitão de Milícias António José Nogueira Mimoso. Já o inimigo se havia retirado; mas sabendo o Capitão de Ordenanças, Silvestre Falcão, que ele ainda se mantinha na serra, passou a atacá-lo com admirável intrepidez e patriotismo, acompanhado de Ordenanças com espingardas caçadeiras e chuços, e aprisionou um Oficial e quarenta e cinco soldados. Depois deste sucesso, o Capitão António Rodrigues Bravo, que havia concorrido para animar o Povo, tomou sobre si a cuidada defesa e segurança da terra, juntamente com o Governador Ricardo José Ferreira, e João da Guarda, em que mostraram assaz zelo e actividade.
Em Faro tornou a haver neste dia um rebate falso, o que era frequente quase todos os dias, por notícias que se espalhavam da marcha de tropas inimigas, e o mesmo sucedia em toda as mais terras que tinham felizmente aclamado Sua Alteza Real. Mas o que houve de mais notável foi a proposta que ao Capitão Sebastião Cabreira fez o Cónego António Luís de Macedo, do quanto convinha ao interesse público formar-se um governo, que, sendo composto de indivíduos patriotas e inteligentes, deliberasse e resolvesse activamente o que fosse a bem da defesa e segurança dos povos. O mesmo Cónego se incumbiu logo de fazer a proclamação ao povo, a qual, lendo-se em público, foi geralmente aprovada. 
No dia 22 se procedeu em Faro à criação da Junta, nomeando para isto a Câmara sete Deputados da Nobreza e sete do Povo, o Reverendo Cabido sete Eclesiásticos e o Corpo Militar sete Militares. Estes vinte e oito Deputados, juntos na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e presididos pelo Excelentíssimo Bispo, depois de orarem a Deus Nosso Senhor, e Sua Excelência lhes haver feito uma breve mas expressiva oração análoga ao presente acto, passaram logo a dar um solene juramento nas mãos do respeitável Prelado, pelo qual prometeram votar segundo as suas consciências e as suas luzes em todas as pessoas que julgassem mais capazes e dignas de se elegerem para o alto emprego que se lhes destinava, escolhendo dois indivíduos de cada uma das classes acima referidas. O Escrivão da Câmara, com assistência do Corregedor e Juiz de Fora, passou consequentemente a escrever os votos que cada um ia dar ocultamente numa mesa que para isso estava preparada; e concluída a cerimónia, pela pluralidade dos mesmos votos se leu em público a eleição, que o mesmo Povo que se achava presente aplaudiu e aprovou. Os indivíduos eleitos para a Junta foram:
Da parte do Clero, o reverendo Arcediago da Sé, Domingos Maria Gavião Peixoto, e o Cónego António Luís de Macedo e Brito;
Do Corpo Militar, o Major Joaquim Filipe de Landerset, e o Capitão Sebastião Drago Cabreira;
Da Nobreza, o Desembargador José Duarte da Silva Negrão, e José Bernardo da Gama;
Do Povo, o negociante Capitão de Ordenanças Miguel do Ó, e Francisco Aleixo;
e para Presidente, o Excelentíssimo Capitão General, Conde Monteiro Mor, e interinamente o Excelentíssimo Bispo.
Fez-se depois na praça da mesma cidade, em presença da tropa e povo que o Capitão Sebastião Cabreira tinha convocado, novamente publica a dita eleição, a qual todos unanimemente aprovaram, ressoando os vivas à Augusta Rainha e ao Príncipe Regente Nosso Senhor. Passaram então todos os Deputados nomeados, com o Excelentíssimo Bispo, à Igreja da Esperança, a render graças ao Altíssimo; e havendo tomado posse dos seus empregos, enviaram imediatamente uma Deputação ao Excelentíssimo Capitão General Conde Monteiro Mor, dando-lhe parte da criação da Junta, e rogando-lhe [que] quisesse aceitar a Presidência; para o que se lhe remeteu uma cópia autêntica do Auto original que se havia lavrado. Como as circunstâncias eram tais que não admitiam a menor demora, enquanto o Excelentíssimo Presidente não vinha tomar posse e exercer as funções do seu Ministério, a Junta com o Excelentíssimo Presidente interino positivamente decretou todas aquelas providências que instavam os preciosos socorros, tanto para a defesa, como para a manutenção das tropas que se iam organizando, mandando já emissários a Gibraltar e a Espanha, a pedir auxílios de armas e munições, como oficiando às Câmaras e Ministros de todo o Reino, a fim não só de reconhecer a soberania da criação da Junta em nome de Sua Alteza Real, mas [também] para a pronta arrecadação de todos os fundos públicos de qualquer natureza.
No dia 22, continuando o Excelentíssimo General em Tavira a dar todas as disposições militares de defesa e de política para a tranquilização dos Povos, correu notícia de que a grande coluna de Maransin caminhava contra esta cidade, para o que determinou ao Capitão José Ribeiro Lopes [que] fosse indagar e realizar esta notícia, o qual, chegando até à Conceição [de Tavira], uma légua distante, voltou desfazendo o rumor público. Ao mesmo tempo, os Paisanos das serras tomaram parte da bagagem do inimigo que passava pelas mesmas serras, conduzindo-a à dita cidade, que ficando tranquilizada pelas notícias do sobredito João Ribeiro Lopes, se amotinou na noite de 23, por se dizer que três mil homens estavam na distância de duas léguas e meia. Continuando a vogar esta notícia, o Excelentíssimo General determinou [que] se tirassem cem espingardas de todos os corpos, para se formar um destacamento de reforço para o sítio do Almargem, onde já havia uma pequena guarda avançada, com duas peças de artilharia que tinham ido de Faro. Apesar da maior exacção na execução desta ordem, incumbida ao dito Capitão José Ribeiro Lopes, apenas se puderam descobrir sessenta espingardas, com as quais formou a guarda de reforço comandada pelo Capitão Francisco de Paula Soares. Nesta ocasião, assim como em todas as outras antecedentes, foi geral o entusiasmo em todo o Povo de Tavira, bem como se manifestou no de Faro e nas mais terras ameaçadas pelo inimigo, concorrendo igualmente todas as classes de cidadãos com extraordinário zelo e inflamado patriotismo para a defesa da Pátria e restauração da legítima Soberania da Augustíssima Casa de Bragança. Enquanto porém o Povo, com o Excelentíssimo General à sua testa, se dispunha para repelir o inimigo, pelas exactas averiguações que depois se fizeram, se soube que ele tinha passado mais alto, temendo o Povo levantado em massa, e os ingleses que ali se supunham; motivo porque passaram à serra e se encaminharam a Mértola, desamparando todo o Algarve. 
Desta sorte, e tão gloriosamente livre já do poder do inimigo Tavira e todo o Reino do Algarve, e havendo-se por todas as terras dele reclamado o saudoso e Augusto nome da Rainha Nossa Senhora e do Príncipe Regente Nosso Senhor, cuidou logo o Excelentíssimo General na defesa e segurança do Reino, mandando todos os Governadores e Chefes dos Regimentos da primeira e segunda linha que organizassem prontamente os seus corpos, e aprontassem as armas que os franceses tinham inutilizado. Enviou o marítimo Nicolau Martins do Rego a pedir auxílio de armas e munições ao Governador de Gibraltar, o qual trouxe da dita Praça, no dia 26, setecentas espingardas, quatrocentas arrobas de pólvora, uns caixotes de balas e um barril de pederneiras, as quais espingardas, [juntamente] com oitocentas que no dia antecedente havia entregado o Capitão Sebastião Martins Mestre, que recebera da Junta de Sevilha, fez distribuir com prontidão pela Tropa e Milícias do Algarve, mandando um maior número delas para a vila de Castro Marim, por estar mais exposta. Igualmente fez remeter para a aldeia de Cachopo grande quantidade de munições, onde se levantou uma Companhia de Caçadores voluntários, todos daquele sítio, que sendo comandados por dois Capitães de Milícias, se encarregou o Tenente António Fernando da Guarda de os instruir sobre todas as coisas relativas à defesa. Ordenou ao Capitão João Ribeiro Lopes [que] chamasse o Engenheiro que achasse mais capaz para o incumbir da segurança da serra de Tavira, e persuadindo-se que as qualidades requeridas se davam no Capitão António Vaz Velho, foi este encarregado dela, o que cumpriu com a maior actividade e inteligência, postando guardas em todos os lugares mais susceptíveis de defesa, e convocando para este efeito os Caçadores da mesma serra, a quem instruiu nas suas obrigações. Além destas providências, deu finalmente o Excelentíssimo General ainda outras muitas, as mais bem acertadas e próprias das actuais circunstâncias. 
No dia 26 de Junho, o Excelentíssimo General foi para Faro tomar posse do seu lugar de Presidente da Junta Provisional do Algarve, não tendo podido ir antes não só por ter sido ali necessária a sua presença para animar e providenciar a defesa no tempo em que Tavira era ameaçada com frequentes rebates, mas [também] para tranquilizar o Povo nos seus levantamentos contra aqueles que, muitas vezes por frívolos motivos, julgavam suspeitos de partidistas franceses. Em todos estes terríveis conflitos soube por mil maneiras evitar infinitas desgraças, impedindo que se derramasse o sangue; pois tanta era a confiança e amor que o Povo lhe tinha, que neste dia, julgando Sua Excelência necessário ausentar-se, se viu obrigado a fazê-lo arrebatadamente, acompanhado somente do seu Secretário Francisco Eusébio Pereira da Silva, vendo o mesmo Povo então mais acalmado. Para este efeito, já ele, na presença da Câmara, que se havia convocado para aclamar a Rainha Nossa Senhora e Sua Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor, o tinha persuadido por um discurso verdadeiramente eloquente do quanto convinha a sua assistência em Faro; concorrendo também nesta ocasião para que a Junta que se ia a criar na cidade de Tavira, e que o queria também por Presidente, reconhecesse a superioridade da de Faro. À providência e talentos do mesmo Excelentíssimo General se devem igualmente todas as boas disposições das outras terras, que não obstante ciosas da mesma regalia, todavia se sujeitaram à Junta Suprema, evitando-se assim, talvez, uma guerra civil entre os Povos, que não só frustraria toda a sua glória, mas que poderia dar mil ocasiões ao inimigo de se aproveitar com vantagem das nossas desordens.
Antes porém que se ausentasse da cidade de Tavira, deu as providências que julgou necessárias para a defesa e segurança pública dela, encarregando ao Capitão João Ribeiro Lopes deste importante objecto, a quem declarou por seu Ajudante de Ordens na presença da mesma Câmara, para ser como tal reconhecido. Este oficial desempenhou o conceito que dele se fazia, devendo-se-lhe entre outras coisas a economia da despesa que empregou na construção das duas baterias da Asseca e ponte de S. Lázaro o Engenheiro Baltazar de Azevedo Coutinho, que se houve também nesta ocasião com muito zelo e actividade.
Apenas chegou a Faro, [a]o Excelentíssimo General se lhe apresentou no dia 27 à noite o Corregedor de Beja, e informando-o da desgraçada sorte daquela cidade, atacada e saqueada pelas Tropas francesas que tinham evacuado o Algarve, lhe pediu o auxílio de forças militares que a defendessem de um novo insulto. Eram tão críticas neste tempo as circunstâncias em que se via o dito Reino, que principiavam apenas a organizarem-se os Regimentos, e por não constar ainda ao acerto a heróica resolução das províncias do Norte, era de recear [que] voltassem a atacá-lo forças superiores do inimigo. Não obstante, o Excelentíssimo General, desejando consolar e animar os infelizes habitantes de Beja, mandou logo para esta cidade um destacamento de trezentos homens com quatro peças de artilharia, comandado pelo Coronel José Lopes de Sousa, que levou às suas ordens o Capitão Sebastião Martins Mestre. Para isso foi necessário tirarem-se cem soldados do Regimento de Infantaria n.º 2, que a este tempo só tinha trezentos; sessenta do Regimento n.º 24, que tinha pouco mais de duzentos; quarenta artilheiros do Regimento n.º 2, e cem ditos avulsos de Vila Nova de Portimão.
Apesar do estado de poucas forças em que se achava o Reino [do Algarve], era tão geral o fervor e entusiasmo do povo, que se mostrava disposto antes a morrer que a ver-se novamente sujeito a dominadores cruéis e iníquos, como se viu poucos dias depois. Porque espalhando-se de noite [de 1 de Julho] o rumor falso por todo o Reino que uma coluna de seis para sete mil homens tinha entrado por S. Marcos, e seguia a direcção de Faro, todos os povos com o maior ânimo e patriotismo correram às armas sem excepção de pessoa alguma. Tanto assim, que apresentando-se logo no campo o Excelentíssimo General [o conde de Castro Marim], enquanto mandava examinar a marcha do inimigo, havendo ordens, entre outras providências, a bem da defesa da cidade de Faro, que se lhe reunissem as tropas de Tavira e mais terras vizinhas, se lhe apresentaram na madrugada do dia seguinte uns três mil homens paisanos do povo de Olhão, armados de espingardas, chuços, croques, fisgas, e toda a qualidade de armas, formado como tropa, vindo entre eles duas mulheres vestidas de homem, que se apresentaram no Paiol da Pólvora para receber cartuchame, onde, não se podendo bem disfarçar, foram percebidas; o Excelentíssimo General louvou-lhes o seu entusiasmo e valor.
Havendo pois entrado desta sorte no exercício do cargo de Presidente [o Conde de Castro Marim], continuou a deliberar-se na Junta Suprema [de Faro] sobre tudo o que a urgência das circunstâncias requeria. Como primeiro dever da Junta, expediu-se imediatamente uma embarcação a Sua Alteza Real, participando-se-lhe o glorioso sucesso do Algarve, e enviando-se-lhe a cópia do Auto da mesma Junta para que fosse servido aprová-la. Logo depois, parecendo também indispensável, se fez igual participação tanto ao Governo de Gibraltar para que o fizesse presente a Sua Majestade Britânica, como à Junta de Sevilha, com a qual se ajustou um tratado de recíproca aliança e mútuo reconhecimento de independência e legítima soberania. Foi encarregado desta importante comissão o Cónego Manuel do Couto Pereira Taveira, que a desempenhou completamente, mostrando nela assim o desinteresse como os talentos de que é dotado.
Julgando-se conveniente para a economia da Real Polícia e tranquilidade dos Povos, criaram-se Juntas Administrativas nas cidades e vilas principais, as quais para simplificar o expediente se estendiam com as erectas nas cabeças de Comarcas, e estas com a Suprema, onde cada uma das mesmas Comarcas tinha um dos Deputados nomeado por seu Procurador. Estas Juntas, porém, não embaraçavam as funções das Câmaras e mais autoridades constituídas, assim civis como militares, concorrendo todas ao bem comum e [ao] serviço de Sua Alteza Real.
Neste concurso de coisas cresciam a cada passo as dependências da Suprema Junta. As tropas se iam organizando com a maior actividade, e o espírito de patriotismo que, a exemplo dos Regentes Provisionais se difundia por todos os habitantes daquele Reino, fazia com que até os Soldados mais veteranos e com baixa de três e quatro anos por Sua Alteza Real, voluntariamente se oferecessem às armas, movidos pelas veementes proclamações e ofícios da mesma Junta; e à proporção que se aumentava o seu número, aumentava-se igualmente a necessidade de fundos para manter assim os mesmos soldados como os inumeráveis paisanos ocupados no Real Serviço e defesa. Foi então que a Suprema Junta se viu nas precisas circunstâncias de criar uma Junta de Finanças e uma Tesouraria Geral. Para o que se nomearam as pessoas de conhecida probidade e inteligência, a saber: Presidente, o Corregedor da Comarca, Manuel José Plácido da Silva Negrão, que estava também primitivamente encarregado da Polícia de todo o Reino [do Algarve]; Deputados, os Cónegos Duarte José Vaz da Horta, e Manuel do Couto Pereira Taveira, o Negociante José Lopes Ferrete, e o Capitão Ventura da Cruz, que era juntamente Tesoureiro Geral; Secretário, o Doutor António Januário da Fonseca; e Procurador da Fazenda, o Cónego Doutor Joaquim Pedro da Costa Maciel.
Dadas estas providências, começaram-se a engrossar os fundos da caixa militar, não só os rendimentos públicos, mas com os inumeráveis donativos particulares, cuja simples narração embaraçaria o fio desta breve história. Não se pode deixar porém em silêncio os primeiros que houveram, como foram os do Excelentíssimo Bispo e Cabido, e o que por parte de sua mãe, D. Maria de S. José dos Santos, ofereceu o Referendo Padre Fr. Rafael de Santa Rosa de Viterbo, o que mandou a Ilustríssima D. Maria da Paz Weinholt, o Major António Luís de Macedo, que até calçou à sua custa o Regimento de Artilharia n.º 2, José Alves e Matias Gonçalves dos Montes Boisões, termo de Mértola.
Ordenando-se assim o político e o civil, traçavam-se os arranjos militares. Achavam-se ainda as povoações do Algarve divididas entre si, querendo cada uma delas em massa defender-se do inimigo; termos forçosos então. Mas logo que as circunstâncias se mudaram com a evacuação dos franceses, sendo muito prejudicial à Caixa Militar o que despendia com etapas aos paisanos armados, braços precisos para as colheitas, que neste tempo instavam, precisava-se um Plano para a defesa geral que tivesse por objecto não só a união recíproca das forças para melhor se repelirem os ataques, mas a diminuição dessas despesas sem prejudicar a agricultura e mais trabalhos ordinários. Encarregou-se deste Plano o Major e Deputado da Suprema Junta Joaquim Filipe de Landerset, o qual Plano, sendo aprovado, mandou-o executar o Excelentíssimo General pelos Engenheiros seguintes: o Coronel Joaquim José Ferreira; os Capitães Eusébio de Sousa Soares, e António José Vaz Velho, que achando-se a esse tempo ocupado na defesa de Tavira, foi substituído pelo Tenente Jacinto Alexandrino Travassos. 
Constando (ainda que confusamente) que as províncias do Norte se tinham já levantado, foi mandado Sebastião Duarte da Ponte Negrão a abrir as inteligências [=correspondências] militares e civis interceptadas, para comunicação das operações entre elas e este Reino do Algarve; e depois o Quartel-Mestre de Artilharia Pedro Coelho Xavier, que ia também encarregado do estabelecimento dos correios para estas correspondências.
Ao tempo que a Junta Suprema desta sorte deliberava ocorrendo aos casos já ordinários, já extraordinários, que se ofereciam, não só pertencendo àquele Reino mas à província do Alentejo, o seu Excelentíssimo Presidente fora dela no carácter do General, somente com o Secretário Francisco Eusébio Pereira da Silva, dava as providências que, nesses tempos difíceis, tanto precisava o expediente militar. Porque deixando de falar na regulação e disciplina dos corpos, providenciou o fardamento das Tropas, havendo apressando com a maior actividade a sua organização, com intento de passar logo que fosse possível um auxílio do Alentejo, ao qual enviava entretanto os socorros que podia. Pois além de cem homens que logo fez marchar para a Comarca de Ourique, e da primeira expedição dos trezentos, que já ficam referidos, com as quatro peças para Beja, expediu para a mesma cidade um segundo destacamento de quatrocentos Infantes do Regimento n.º 14, com quatro peças de artilharia e um obus, comandado pelo major do mesmo Regimento, Pedro Mascarenhas. Fez conduzir ao Alentejo, a instâncias do Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite, quarenta barris de pólvora e uns sessenta cavalos, que indo tudo remetido para Évora, por não ser já ali preciso veio a ficar em Beja, para onde foram mais duzentas espingardas e outras algumas munições. Oficiou novamente à Junta de Sevilha e à esquadra inglesa, pedindo-lhes auxílio de armas não só para completar o armamento do Exército do Algarve, mas para levar de sobressalente, a fim de distribuí-las pelos corpos que se lhe unissem no Alentejo. E no meio de tantos e tão complicados casos, a que sempre soube acudir e dar a mais pronta resolução, teve a glória de atalhar desordens, que seriam ao futuro bem funestas, se ao princípio não se cortassem. Conciliou a dissensão que ia haver entre a Junta de Beja e a de Ourique, que à força de zelo e emulação, em caso tal iam a disputar-se em primazia e subordinação; e por ofícios de prudência e respeito do Excelentíssimo General, que tinha somente em vista o interesse da Nação, é que a Junta de Ourique reconheceu a superioridade na de Beja.
Dadas estas providências, que levaram todo o mês de Julho, achando-se já organizados os Regimentos, se tratou logo das disposições da marcha do Exército ao Alentejo. Antes, porém, julgando a Junta ser do seu dever participar a Sua Alteza Real o estado actual do Reino e a resolução da marcha do Exército do Algarve para cooperar na Restauração da capital, enviou ao Rio de Janeiro José Joaquim da Horta Machado, no qual concorriam as circunstâncias necessárias para esta comissão. E parecendo-lhe outrossim conveniente, oficiou à Junta de Sevilha, dando-lhe parte da marcha, pedindo-lhe a bem da causa comum e dos tratados [que] fizesse marchar tropas à fronteira, para que no caso precisão nos auxiliassem.
Havendo pois o Excelentíssimo General entregado a Presidência da Junta e o Governo das Armas ao Excelentíssimo Bispo, deixando regulada a defesa do Algarve, encarregando ao Coronel Joaquim José Ferreira a inspecção do centro e lado esquerdo, e ao Capitão Baltazar de Azevedo Vila-Lobos da direita, na conformidade do plano, saiu da cidade de Faro no dia 10 de Agosto para a cidade de Tavira. A 14 marchou para Vila Real de Santo António. Compunha-se o seu Quartel-General do Ajudante-General Sebastião Dragão Cabreira, nomeado pela Junta [de] Tenente Coronel do Regimento de Artilharia n.º 2; do Ajudante de Campo Joaquim Filipe de Landerset, nomeado igualmente Tenente Coronel do Regimento de Infantaria n.º 14; do Ajudante de Ordens João Ribeiro Lopes, nomeado Major com o referido exercício; do Quartel-Mestre-General Eusébio de Sousa Soares, a quem também nomeou a mesma Junta Major do Real Corpo de Engenheiros; do Ajudante de Campo Belchior Drago Cabreira, que nomeou Capitão do Regimento de Artilharia n.º 2; do Ajudante do Quartel-Mestre-General José Francisco Ferreira, Ajudante da Praça de Castro-Marim; do Capelão mor do Exército Frei Diogo de Belido; do Secretário do Governo Francisco Eusébio Pereira da Silva; do Auditor do Exército o Bacharel Gabriel de Bitancourth [sic]; do Intendente dos víveres o Juiz de Fora de Vila Nova de Portimão José Carneiro; do Intendente das carruagens André Urbano Xavier da Fonseca, nomeado pela Junta Juiz de Fora de Tavira; e do Físico mor do Exército Daniel Pessoa da Cunha.
Saiu em duas colunas o Exército: a primeira, a cuja testa ia o Excelentíssimo General, marchou na direcção de Mértola; a segunda se dirigiu a Almodôvar, comandada pelo Coronel do Regimento de Lagos. Era a tenção e plano do Excelentíssimo General reuní-las depois juntamente com tropas que antecipadamente tinha mandado ao Alentejo, e combinar com as forças de Beja todas as mais que se achassem organizadas ou [que] se pudesse organizar naquela província, para operar com mais vantagens contra o inimigo comum.
Apenas porém chegou à vila de Mértola, recebendo a parte [=notícia] que haviam marchado da cidade de Beja as Tropas do Algarve (que já ali se achavam) comandadas pelo Coronel José Lopes de Sousa, nomeado então Marechal de Campo, com algumas espanholas, a obstar ao inimigo, que projectava passar a Alcácer do Sal; não obstante julgar serem [estas] forças suficientes para o repelir, por maior segurança fez marchar a coluna de Almodôvar a unir-se com a de Beja, e marchou para a mesma cidade no dia 19, onde chegou no dia 19; e nela depois soube que, receando o inimigo a marcha da nossa gente, se havia retirado por terra com tal precipitação de Alcácer do Sal, que abandonou os barcos em que tinha ido e a carne que recebeu. 
Demorou-se o Excelentíssimo General em Beja até o dia 28, à espera das bagagens e munições de guerra que tinham vindo pelo Guadiana e ficado em Mértola, sendo necessário mandarem-se carros da dita cidade para as conduzir. Aproveitou contudo este tempo em oficiar ao Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite, aos Governadores das Praças onde lhe constava haverem algumas tropas e a outras Autoridades constituídas, a fim de realizar-se a união das forças o mais pronto possível, sendo Évora o ponto de reunião. E entretanto, para obstar a passagem do inimigo à província do Alentejo, concertou com o Capitão General da Extremadura espanhola e [com] o Brigadeiro Bacelar o plano de ser ocupada pelas nossas Tropas a margem do Tejo do Cabo de Espichel até à Moita; desta vila exclusive até Salvaterra [de Magos] pelas espanholas; e o resto até Santarém pelo Exército do referido Brigadeiro. Foi então que recebeu um ofício de Matthew Smith, Comandante da fragata Comus de Sua Majestade Britânica, em que lhe participava terem os franceses entrado em Lisboa perseguidos pelo Exército combinado, e lhes ter sido recusada a capitulação que pediam condicionalmente, pretendendo-se que se rendessem à discrição; e por fim lhe rogava, para obstar a passagem do Tejo aos inimigos, [que] tomasse posse de Setúbal atacando Palmela e o forte de S. Filipe, vistas as poucas forças que os inimigos ali tinham, enquanto ele marchava a Évora, para acelerar a união das Tropas. Antes da sua partida se lhe apresentaram Francisco de Melo, Tomás de Melo e Domingos de Melo, com o fim de servirem no Exército, trazendo consigo algumas pessoas de Serpa, entre as quais veio o Capitão Mor, que assentou Praça, e um filho seu, no Regimento de Infantaria n.º 14. Igualmente se lhe apresentou o Tenente Coronel Governador que foi de Serpa António José de Vasconcelos e Sá, ao qual e aos ditos Melos o Excelentíssimo General admitiu em Ajudantes de Campo.
No dia 29 se pôs em marcha para Évora, onde chegou no dia 30, não levando de Beja mais que vinte cavalos com um oficial para sua guarda, ficando nela quase três esquadrões de Cavalaria e uns trezentos Voluntários de Infantaria. Estando nesta cidade, recebeu um ofício do Comandante da fragata Comus, e incluso o que ao mesmo dirigiu o Almirante Cotton. Neste ofício dizia o Almirante que não lhe autorizava o ataque de Palmela, por haver um Armistício entre as Tropas inglesas e francesas desde o dia 23 até 30, e ao mesmo tempo lhe noticiava terem passado algumas Tropas [francesas] para reforço de Palmela, não duvidando que Junot intentasse retirar-se para Elvas, quando não se pudesse sustentar em Lisboa. No ofício do Comandante da fragata, este expunha ao Excelentíssimo General a persuasão em que estava de que Setúbal fosse o ponto de reunião, para impedir a passagem do inimigo a Elvas. Acompanhava estes ofícios um do Marechal de campo José Lopes de Sousa, em que participava ter passado de Lisboa para Cacilhas a Brigada de Loison a reunir-se com a que já ali se achava, calculando-se a força de três a quatro mil homens, cujo número dizia [que] poderia ser ainda engrossado com o seu resto, para seguirem pela província algum desesperado recurso, pelo que supunha a necessidade da reunião em lugar que pudesse livrar os interiores da invasão do inimigo. Finalmente, concluía dizendo que não tinha passado a atacar Palmela para não se achar na necessidade de levantar o campo sem fruto, e retirar-se com o risco, quando viessem superiores forças inimigas contra ele fora do lugar de Setúbal.
À vista destes ofícios, era de recear, nas circunstâncias em que se achava Junot, que passasse todo o Exército [francês] à província do Alentejo, para se fazer forte em Elvas. Sendo este o seu projecto, o nosso deveria ser embaraçá-lo. A coluna do Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite, composta das Tropas organizadas em Campo Maior e Estremoz, e o Exército do Capitão-General de Badajoz, ainda que constasse a sua marcha, não tinham chegado a reunir-se com a nossa coluna em Évora. Não havendo pois forças na presente ocasião para se oporem ao desembarque do inimigo, convinha [que] se tomasse uma posição mais retirada, onde de mais pronto se pudessem combinar todas as forças, e que tendo a vantagem local, obstasse à sua passagem. Setúbal, estando Palmela ocupada por ele, e podendo seguir outras direcções para o ponto a que se dirigia, não apresentava estas vantagens, e tinha ademais os grandes inconvenientes de cortar a combinação das forças, enfraquecendo-as, e de abrir a província ao mesmo inimigo, destruindo o Plano Geral concertado para sua defesa.
Tendo em consideração este motivos, o Excelentíssimo General novamente oficiou ao Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite e ao Capitão-General de Badajoz para que apressassem a marcha das Tropas, e passou imediatamente a ocupar Montemor, posição importante pelas suas alturas e desfiladeiros, e onde se encontram quase todas as estradas que se dirigem a Elvas. Escreveu também ao Marechal de Campo [José Lopes de Sousa] para que, no caso de ser atacado por forças superiores ou lhe constasse a marcha do inimigo por outra direcção, se lhe viesse reunir.
Em Montemor recebeu a parte do Marechal de Campo, escrita em Setúbal, de que os franceses tinham evacuado Palmela, depois de várias surtidas em que perderam sessenta e dois homens entre mortos, feridos e prisioneiros, e que se tinham retirado protegidos por forças que tinham vindo da Moita; passando o mesmo Marechal de Campo a ocupar Palmela. Vendo pois o Excelentíssimo General [que] se achavam as nossas [forças] já de posse desta vila, e sabendo que o inimigo se conservava em Almada sem aumento de forças, resolveu marchar por Palmela a unir-se com a coluna de Setúbal, para atacar logo o mesmo inimigo; e mandando Francisco de Melo com uma partida de Cavalaria reconhecê-lo, não quiseram os franceses dar-nos [a] glória da vitória. Cheios de susto, e conhecendo [que] os queríamos atacar, se embarcaram, deixando-nos desembaraçada toda a margem sul do Tejo, que as nossas Tropas foram logo ocupar no dia 9, transferindo-se o Quartel-General para Azeitão. Acharam-se nas Torres e Baterias setenta e uma peças de grosso calibre, seis obuses, quarenta barris de pólvora, etc. Foi então que os moradores de Lisboa avistaram o nosso Exército, e viram da outra banda arvoradas as Reais Bandeiras Portuguesas com salvas de artilharia.
Sabendo o Excelentíssimo General em Azeitão que entre os Exércitos britânico e francês se havia ajustado e ratificado uma Capitulação Definitiva [a posteriormente chamada Convenção de Sintra] para evacuarem os franceses o terreno de Portugal, em que não fora ouvido nem contemplado, enviou o seu Ajudante General ao Almirante Cotton com uma protestação em geral contra tudo que na mesma pudesse haver de injurioso ou contrário aos interesses do Príncipe e da Nação. Não se contentando com isto, requereu embargo em todas as embarcações que conduziam os franceses até que Sua Majestade Britânica e Sua Alteza Real decidissem o que melhor convinha aos interesses de ambos os Governos, e que entretanto se fizesse um exame rigoroso nas suas bagagens, para que debaixo deste pretexto não levassem as riquezas da Nação.
Embarcados que foram os franceses, restituída a Regência que Sua Alteza nomeou, foi avisado o Excelentíssimo General para que, em consequência da usa nomeação pelo mesmo Senhor, viesse exercer o cargo de Governador do Reino. Então entregue o comando do Exército ao Marechal de Campo José Lopes de Sousa, embarcou-se para a Corte a 17 de Setembro, e poucos dias depois se expediram as ordens para a retirada do Exército a seus Quartéis.
Eis aqui, finalmente, como se efectuou a Feliz Restauração do Reino do Algarve; e eis aqui uma fiel e breve exposição dos sucessos mais interessantes em que os algarvios mostraram o nobre e leal patriotismo que os animava, sendo gerais em todas as classes e em todos os indivíduos os briosos e elevados sentimentos com que todos unanimemente concorreram para a causa pública, uns com os seus braços, outros com os seus bens e cabedais. A Olhão deve, portanto, pertencer a glória de haver sido o primeiro [lugar] em manifestar o seu valor e a sua fidelidade; e a Faro, de ter lançado os fundamentos da Restauração de todo o Reino do Algarve, pois que sem a energia desta nobilíssima cidade, tudo se haveria frustrado, e aquela mesma heróica povoação teria sido vítima da sua incomparável lealdade.
Mas esta mesma glória com justiça deve igualmente pertencer ao Excelentíssimo General Conde Monteiro Mor, pela consolidação da grande obra da nossa liberdade, e da nossa independência, pois que sem as suas luzes e o seu não vulgar patriotismo, talvez que o ciúme e as intrigas houvessem destruído logo na sua origem este sublime padrão da glória portuguesa. Assim, em todo este notável concurso de maravilhosos acontecimentos e suas circunstâncias, acharemos sem prejuízo a Mão Poderosa de uma Augusta e Divina Providência, que ainda não esquecida das grandes promessas feitas em Ourique ao nosso primeiro fundador da monarquia, também não está ainda cansada de nos defender e conservar como nação livre, talvez em atenção às magníficas virtudes do melhor dos Príncipes da Terra.

[Fonte: Joaquim Filipe de Landerset, Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, e mais sucessos até ao fim da marcha do Exército do Sul, em auxílio da Capital, Lisboa, Oficina de João Rodrigues Neves, 1809 (apud Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, 1941, Lisboa, pp. 457-476)].