sexta-feira, 8 de julho de 2011

Tratado de aliança ofensiva e defensiva entre as Juntas do Algarve e a de Sevilha (8 de Julho de 1808)


Manuel do Couto Taveira Pereira, Presbítero do hábito de São Pedro e Cónego Prebendado da Santa Igreja Catedral da cidade de Faro do Algarve, Reino de Portugal, apresenta-se a Vossa Alteza Sereníssima em nome e como comissário do Conselho Supremo do dito Reino, do qual mostra credenciais, e diz: 

Que tendo-se ouvido e entendido as proclamações e os demais papéis que circularam pelo dito Reino, não puderam os habitantes dele deixar de se comover, despertando os desejos que abrigavam no seu coração de sacudir o tirano jugo que lhes tinha imposto o Governo francês; e que sofriam desde o seu princípio em relação às circunstâncias políticas em que se achava o Governo de Espanha, como é notório a Vossa Alteza Sereníssima; que havendo pois cessado estas circunstâncias, e animados não somente pelos seus naturais desejos, mas também pela esperança de achar em Vossa Alteza Sereníssima uma generosa protecção, desde logo aplicaram os seus esforços para sacudir como sacudiram o dito jugo, criando em consequência, para a direcção do seu governo, o dito Supremo Conselho, que me comissionou para que me apresentasse a esta Suprema Junta e fizesse as proposições seguintes:

1.ª Que tendo em conta  que o seu Augusto Soberano o Príncipe Regente, ao retirar-se da sua Corte, deixou nomeado o Marquês de Abrantes e outras pessoas para que compusessem a Regência do Reino durante a sua ausência, e que esta se achava dissolvida e desconcertada por efeito do poder e da força praticada pela perfídia do Governo francês, desejavam e pediam que esta Suprema Junta auxiliasse e socorresse com a sua poderosa protecção ao dito Conselho Supremo novamente estabelecido no Algarve.

2.ª Que suposta tão poderosa protecção, da qual se segue uma admirável aliança, esta Junta Suprema terá de auxiliar o dito Conselho Supremo com as armas e munições que possa [cedere também com gente, se o permitirem as suas actuais circunstâncias, para que se complete uma força capaz de continuar a destruição dos franceses que existem nas demais províncias de Portugal.

3.ª Que verificado isto [i.e., a derrota dos franceses em Portugal], continuarão na mesma união e conformidade para perseguir os franceses e vingar os agravos feitos às duas nações, e reintegrá-las aos seus respectivos Soberanos, o Príncipe Regente de Portugal e o Sr. D. Fernando VII, injustamente despojados dos seus tronos. 

4.ª Que os ditos socorros de gente, armas e munições serão aqueles que o Conselho Supremo pedir, e para os fins que deverá expor a esta Suprema Junta, com a qual agirá de acordo em todas as operações militares, principalmente quando nelas se empregarem as tropas espanholas, sozinhas ou de modo combinado [com as tropas portuguesas]

5.ª Que suposto que sejam generosos estes socorros, todavia se compromete o Conselho Supremo, por si e em nome da sua nação, a pagar os gastos e o valor dos mesmos socorros, pelo que desde logo se devem fazer os assentos necessários para a sua clarificação. 

6.ª Que para que isto seja feito com a segurança conveniente, compromete-se o Conselho Supremo a dar parte ao seu citado Príncipe Regente, representando-lhe a necessidade que teve de tomar esta deliberação, para salvar os seus direitos à pátria, religião e propriedades, e a protecção pronta e generosa conferida por esta Suprema Junta para tão interessantes fins. 

7.ª Que ainda que estes sejam os pontos principais, fica sempre pendente que possam ser aumentados com outros à medida que o tempo e as circunstâncias forem manifestando a necessidade de o fazer. Por último, para que assim obrem tanto o dito Supremo Conselho como esta Suprema Junta, sempre em concordância e com conhecimento das operações de Portugal, terá o citado Conselho um encarregado imediato nesta Suprema Junta, através do qual serão recebidas todas as notícias que der o Conselho, e pelo qual serão participadas e enviadas as notícias da Suprema Junta, quando esta o julgue conveniente; esperando o encarregado representante do Supremo Conselho do Algarve que esta Suprema Junta terá por bem admitir as ditas proposições, através das quais se concilia a aliança de ambas as nações para o importante fim a que se propuseram de extinguir o inimigo comum, na inteligência de que o envio de tropas de uma nação à outra há de ser debaixo do mando dos seus respectivos chefes. 

Sevilha, 8 de Julho de 1808. 

Como enviado representante do Supremo Conselho do Algarve, o Cónego Manuel de Couto Taveira Pereira.


Manifestados estes capítulos concordados entre D. Manuel de Couto Taveira Pereira, Cónego Prebendado na Santa Igreja Catedral de Faro, e o Excelentíssimo Senhor D. José Morales Gallego, vogal desta Suprema Junta do Governo de Espanha e Índias, em nome do Senhor D. Fernando VII, seu Augusto Soberano, [a Junta de Sevilha] foi servida a aprovar e mandar que se cumpram segundo e como neles se manifesta, em todos e cada um de per si, e que ficando este original na Secretaria de Estado, se dê uma cópia literal ao sr. enviado, selado com a [chancela] desta Suprema Junta, e autorizada pelo Senhor Secretário.
Sevilha, era ut supra [data como acima indicada]


Saavedra [Presidente da Junta]; 
Arcebispo [de Laodicea] Coadministrador [da Junta]
O Marquês de Grañina
M. Eusebio
Antonio de de Herrera
Antonio Zambrana Carrilho de Albornoz
Manuel Peroso Coronada
Francisco Diaz Bermudo 
Andres de Coca 
Juan Bautista Esteller, [Primeiro] Secretário

(Lugar do selo)

[Fonte: tradução nossa duma cópia manuscrita, em castelhano, disponível no Arquivo Histórico Militar: 1.ª div., 14.º sec., cx. 70, doc. 4, fls. 17 e ss (indicado com o n.º 1). Existem outras duas traduções, uma disponível (embora truncada) num manuscrito compilado por António Joaquim Moreira na sua Colecção de sentenças que julgarão os réos dos crimes mais graves e attrozes commetidos em Portugal e seus dominios - Vol. 4, 1863, fls. 101-102v; e a segunda disponível na obra de Julio Firmino Judice Biker, Suplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Publicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais potências desde 1640 – Tomo XVII, Lisboa, Imprensa Nacional, 1879, pp. 82-84].


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Observações: 

Existem duas memórias que abordam a assinatura deste tratado, ambas escritas por membros da própria Junta do Algarve, diferindo no entanto em alguns pormenores:

O padre João Coelho de Carvalho, na sua Memória da Revolução do Algarverefere que "a primeira disposição que fez a Junta Suprema [do Algarve], tendo ainda por seu Presidente o Excelentíssimo Senhor Bispo [Francisco Gomes de Avelar], foi enviar a Sevilha como legado, o Cónego Manuel do Couto, para remover algumas pretensões que se suponham ter aquela Junta na união deste Reino [do Algarve] ao da Espanha por oferta que se lhe havia feito; e com efeito, depois de algumas dificuldades, concluiu o que se pretendia, ficando daí por diante em harmonia perfeita".

Por sua vez, Joaquim Filipe de Landerset, na sua Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, indica que foi já depois do Conde de Castro Marim ter assumido a presidência da Junta do Algarve que se começou a deliberar "sobre tudo o que a urgência das circunstâncias requeria. Como primeiro dever da Junta, expediu-se imediatamente uma embarcação a Sua Alteza Real, participando-se-lhe o glorioso sucesso do Algarve, e enviando-se-lhe a cópia do Auto da mesma Junta para que fosse servido aprová-la. Logo depois, parecendo também indispensável, se fez igual participação tanto ao Governo de Gibraltar para que o fizesse presente a Sua Majestade Britânica, como à Junta de Sevilha, com a qual se ajustou um tratado de recíproca aliança e mútuo reconhecimento de independência e legítima soberania. Foi encarregado desta importante comissão o Cónego Manuel do Couto Pereira Taveira, que a desempenhou completamente, mostrando nela assim o desinteresse como os talentos de que é dotado". 

Curiosamente, tanto este como o acordo previamente assinado por Sebastião Martins Mestre a 23 de Junho não mereceram qualquer tipo de menção no próprio órgão de imprensa da Junta de Sevilha, talvez pelos motivos que o mesmo jornal frisou dois dias antes da assinatura deste último tratado: “A Junta Suprema acha mais conveniente retardar as notícias em vez de manifestá-las sem a exactidão e certeza que merece o público, pelo seu singular patriotismo. Chegará o dia em que se possa demonstrar a eficácia das providências que foram tomadas para assegurar a vitória” [Fonte: Gazeta Ministerial de Sevilla, n.º 11, en la Imprenta de la viuda de Hidalgo y Sobrino, 6 de julio de 1808, p. 88]. Contudo, não deixa de ser estranho que a mesma Gazeta não tenha feito qualquer menção à sublevação do Algarve, apesar de com esta ter colaborado através do fornecimento de mais de 1.000 espingardas entregues ao referido Sebastião Martins Mestre (parte delas cedidas antes mesmo do citado acordo de 23 de Junho). 

Referiu ainda o Conde de Toreno a este propósito que "entre a Junta de Faro e os espanhóis suscitou-se uma certa disputa, em virtude destes terem destruído as fortificações de Castro-Marim. De ambos os lados deram-se as competentes satisfações, e amigavelmente se concluiu um acordo adequado às circunstâncias entre os novos governos de Sevilha e de Faro. Não faltou quem visse neste arranjo (assim como no que antes se tinha estipulado entre a Galiza e o Porto) uma preparação para tratados mais importantes que poderiam ter levado a uma união e ajuste entre ambas as nações. Infelizmente, vários obstáculos com os cuidados graves de então devem ter impedido que se prosseguisse em desígnio de tal harmonia. É no entanto de se desejar que chegue o tempo em que, desaparecendo as velhas rivalidades e ilustrando-se uns e outros sobre os seus recíprocos e verdadeiros interesses, se estreitem dois países que juntos formarão um incontrastável obstáculo contra a ambição dos estranhos, enquanto que desunidos só são vítima de alheias contendas e paixões” [Fonte: Conde de Toreno, Historia del Levantamiento, Guerra y Revolucion de España – Tomo I, Madrid, Imprenta de Don Tomas Jordan, 1835, pp. 154-155].