"Para que não ficasse nada equívoco sobre a grande indisposição que o General em Chefe [Junot] trazia contra a sagrada pessoa de Vossa Alteza Real [o Príncipe Regente D. João], quis [Junot] exceder esta demonstração não só fazendo declarada e manifesta perseguição às famílias da grandeza do Reino e demais criados que fiéis e afectuosos a Vossa Alteza o acompanharam [para o Brasil], mas ainda àqueles que por algum inconveniente não puderam exercer a sua fidelidade. Era um destes o Guarda-Roupa de Vossa Alteza, Bernardo José de Sousa Lobato, que pela grave e perigosa moléstia de sua esposa não pôde pôr em prática os seus desejos. Mas logo que conseguiu o seu restabelecimento, não querendo perder tempo, fez as mais activas diligências para se transportar para esta capital [Rio de Janeiro]. Foi neste projecto mal sucedido, porquanto foi vulgar em Lisboa que, confiando-se ele de um amigo para o ajudar nesta tentativa e comunicando-lhe a resolução em que se achava, este atraiçoadamente o fora denunciar perante o General em Chefe. Foi ele imediatamente chamado à presença do mesmo General, que o interrogou tanto a respeito da pretensão do seu transporte como pela comunicação que o mesmo denunciante afirmou [que] ele tinha com a esquadra inglesa, exigindo todas as cartas relativas a este objecto, e que também se dizia [que] tinha recebido de seus irmãos. Passou por muito certo em Lisboa e até o ouvi a pessoas intimamente unidas ao Barão de Quintela, e que frequentavam a sua casa, que aquele fiel e honrado criado de Vossa Alteza, quanto às perguntas que lhe diziam respeito, feitas pelo referido General, respondera a tudo com legalidade e desassombro para se justificar. Quando porém ele excedeu a interrogá-lo tratando a Vossa Alteza Real com menos decoro e sem aquele respeito e acatamento que devia consagrar-lhe, então ele se inflamara e lhe respondera com bastante acrimónia e actividade, repelido todo o ataque feito a Vossa Alteza Real, do que ainda mais do que pelos seus supostos delitos procedera a sua prisão, saindo da presença daquele mesmo General preso e remetido numa sege, acompanhada de guarda da polícia, para um dos segredos da Cadeia do Castelo. Nesta prisão foi interrogado no dia 5 de Janeiro e esta diligência continuou por muitos dias. No dia 6 de Janeiro foi o mesmo ministro a sua casa dar-lhe busca nos papéis e não se achou entre eles escrito algum que o fizesse criminoso.
A aflição e consternação em que ficou a esposa deste fiel e honrado criado de Vossa Alteza Real por aquele inesperado sucesso, a obrigou a escrever ao General Mr. Junot, dirigindo-lhe uma mui judiciosa representação, e foi a seguinte:
Representação
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:
A razão e o dever conduzem respeitosamente à presença de Vossa Excelência D. Maria Rita de Gouveia Araújo Lobato, a suplicar a liberdade de seu marido, que se acha preso no Castelo de S. Jorge e em segredo. A sagrada e inviolável promessa de protecção assegurada por Vossa Excelência a todos os portugueses deve verificar-se inteiramente. O Imperador dos franceses, o grande e incomparável Napoleão, não é representado por um General que deixe de o imitar nas virtudes como o imita no valor. Bernardo José de Sousa Lobato nunca foi deliquente, ainda que seja infeliz: a fortuna que lhe conciliou invejosos, não deixaria de lhe excitar inimigos. Ele é fiel às leis; respeita o Governo; bom marido; bom cidadão; é digno de melhor sorte. Poupe Vossa Excelência na liberdade do marido a vida da mulher, e veja o mundo que o grande Junot é digno comissário do grande Imperador.
Não constou que houvesse solução alguma a respeito daquela representação. Dias porém antes da minha partida de Lisboa, que foi a 3 de Fevereiro, correu que tinha sido solto, o que suposto não se verificou, contudo havia bem fundadas esperanças de que brevemente conseguiria a sua liberdade".
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[Todo o texto acima publicado é transcrito da obra de Domingos Alves Branco Muniz, Memoria dos Successos acontecidos na Cidade de Lisboa..., fls. 46-47]
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Adiantamentos: Segundo uma outra obra da autoria do bispo do Rio de Janeiro e publicada logo em 1808, o motivo da prisão de Bernardo José de Sousa Lobato foi o facto de ter recebido uma carta de seu irmão (Francisco José Rufino de Sousa Lobato), remetida a bordo da esquadra que rumou para o Brasil com a Corte e a família real. A mesma fonte informa que a prisão durou cerca de um mês, "sendo necessário para a sua soltura toda a protecção e valimento dos Conde da Ega" (Cf. José Caetano da Silva Coutinho, Memoria Historica da Invasão dos Francezes em Portugal no anno de 1807, Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1808, pp. 48-49).
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Adiantamentos: Segundo uma outra obra da autoria do bispo do Rio de Janeiro e publicada logo em 1808, o motivo da prisão de Bernardo José de Sousa Lobato foi o facto de ter recebido uma carta de seu irmão (Francisco José Rufino de Sousa Lobato), remetida a bordo da esquadra que rumou para o Brasil com a Corte e a família real. A mesma fonte informa que a prisão durou cerca de um mês, "sendo necessário para a sua soltura toda a protecção e valimento dos Conde da Ega" (Cf. José Caetano da Silva Coutinho, Memoria Historica da Invasão dos Francezes em Portugal no anno de 1807, Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1808, pp. 48-49).