Em nome de Sua Majestade Napoleão Primeiro, Imperador dos Franceses, Rei de Itália e Protector da Confederação do Reno.
O General em Chefe do Exército Francês, penetrado da necessidade urgente de reprimir sem dilação com um castigo exemplar todos os delitos que atentam contra a segurança pública; e convencido, por outra parte, da insuficiência das Leis Criminais do país, ouvido o Conselho do Governo, decreta:
Art. I. Criar-se-á imediatamente um Tribunal especial, destinado para julgar todos os delitos que atentarem contra a segurança pública e se cometerem em toda a extensão do Reino de Portugal.
Art. II. Este Tribunal terá o seu assento na cidade de Lisboa.
Art. III. O Tribunal especial conhecerá todos os delitos mencionados no presente Decreto.
Art. IV. O Tribunal especial será composto da maneira seguinte:
Um presidente, Oficial superior francês.
Um Capitão relator francês.
Três oficiais franceses.
Um oficial português.
Um juiz português, escolhido entre os mais recomendáveis, e que mais conhecimento tiver das matérias criminais.
Um escrivão.
Art. V. O Capitão relator não tem voto deliberativo.
Art. VI. Os membros que compuserem o Tribunal especial exercerão gratuitamente as suas funções; e tão somente se dará cada mês ao Capitão relator, em consideração ao seu maior trabalho, uma gratificação que não poderá exceder a soma de vinte e quatro mil réis, nem ser menos de dezasseis mil réis.
Art. VII. O escrivão será escolhido indistintamente entre os franceses e portugueses, contanto que fale ambas as línguas; e terá de ordenado trinta e dois mil réis por mês, e duzentos e quarenta réis por cada sentença.
Art. VIII. Haverá um intérprete agregado ao Tribunal, que receberá, só quando for empregado, um salário de novecentos e sessenta réis por dia, e de mil e seiscentos réis por cada sessão de noite.
Art. IX. As testemunhas que forem chamadas para depor no Tribunal receberão uma gratificação regulada pelo modo seguinte, a saber:
Quatrocentos réis por cada dia que estiverem fora de suas casas.
Os dias serão contados pelas distâncias de etapa estabelecidas para a marcha das tropas.
Art. X. O Capitão relator promoverá a acusação e processo dos delitos da competência do Tribunal, em consequência das denúnicas que receber dos Comandantes militares ou dos da força armada, ou dos Corregedores, Juízes de Fora e outros Ministros de justiça; ou, enfim, oficialmente, quando os delitos forem provados por uma notoriedade pública.
Art. XI. Quando um processo criminal estiver completamente instruído, o Capitão relator o participará ao presidente do Tribunal; e este remeterá logo ao Secretário de Estado da Guerra todos os documentos pertencentes à instrução do processo, que pelo Capitão relator lhe tiverem sido entregues. O Secretário de Estado da Guerra fará na mais prócima sessão do Conselho da guerra o relatório da causa instruída, para que o dito Conselho decida se é ou não da competência do Tribunal julgar o delito de que se trata.
Art. XII. Se o Conselho de Governo admitir a competência do Tribunal, o Secretário de Estado da Guerra mandará logo os documentos do processo ao presidente do Tribunal, o qual o convocará imediatamente, e se julgará sem demora.
Art. XIII. As sentenças do Tribunal especial não têm apelação nem revista.
Art. XIV. Executar-se-ão dentro de vinte e quatro horas as sentenças proferidas; e o Capitão relator promoverá a execução.
Art. XV. As custas do processo e sentença das causas que correrem no Tribunal especial serão pagas pelos condenados; mas provisoriamente pagá-las-á o Secretário de Estado da Guerra, ficando-lhe o direito salvo contra os condenados, direito de que usará por meio dos administradores das rendas nacionais, participando-lhes o julgado pelo Tribunal.
Art. XVI. Destinar-se-á na cidade de Lisboa um lugar para as sessões do Tribunal especial e uma prisão particular em que estejam presos os que forem compreendidos nos delitos da competência do dito Tribunal.
Art. XVII. Toda a pessoa de qualquer qualidade, profissão ou nação, acusada de um dos delitos da competência do Tribunal especial, será julgada pelo dito Tribunal.
Art. XVIII. O Tribunal especial principiará a exercitar as suas funções logo que se publicar o presente decreto.
Art. XIX. A lei entender-se-á publicada e terá vigor em todo o Reino quinze dias depois de ter sido publicada e afixada na cidade de Lisboa.
Igualmente se publicará e afixará por ordem dos Corregedores, onde convier, no mesmo dia em que a receberem.
Art. XX. Os tribunais ordinários continuarão a conhecer dos delitos criminais ou de polícia correccional que não se especificam no presente decreto.
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Enumeração dos delitos da competência do Tribunal Especial e penas em que incorrem os que os cometerem
1.º Insurreição contra a autoridade, motim popular, ou ajuntamento armado – Pena de morte, na conformidade das Leis portuguesas de 28 de Julho de 1751, 3 de Agosto de 1759, 24 de Outubro de 1764, e 14 de Fevereiro de 1772; e da Lei Francesa de 14 de Brumário do ano XI, Artigo 61.º
2.º Assassínio premeditado, tenha ou não tenha sido consumado – Pena de morte, na conformidade das Leis portuguesas de 6 de Dezembro de 1612, 15 de Janeiro de 1652, 14 de Agosto de 1751, 20 de Outubro de 1763; e do Código Penal francês de 6 de Outubro de 1791.
3.º Crime de incendiário – Pena de morte, na conformidade do Livro V, Título 86, da Ordenação portuguesa, e da disposição do Título 2 do Código Penal francês.
4.º Roubos feitos com armas nas estradas, ou dentro das cidades, lugares, e nos campos – Pena de morte, na conformidade do Título 61 do Livro V da Ordenação portuguesa.
5.º Roubos perpetrados com arrombamentos e outros – Pena de morte ou galés, na conformidade do Título 61.º do Livro V. da Ordenação portuguesa e do Código Penal francês.
Tendo-se multiplicado, infinitamente, os roubos, tanto na cidade de Lisboa como em todo o Portugal, o General em Chefe do Exército, desejando proteger com todas as suas forças as propriedades dos habitantes, determinou que o Tribunal especial Criminal conhecerá também (provisoriamente, e enquanto não houver outra determinação) todos os crimes de roubo, e julgará os criminosos destes delitos que forem mandados responder ante ele, ou pelo Intendente Geral da Polícia do Reino de Portugal, ou por qualquer outra autoridade competente.
6.º Contravenção à lei sobre o uso das facas e outras armas mortíferas – Pena de açoites e galés, na conformidade do § 6.º, título 80.º do Livro V da Ordenação portuguesa, e das Leis de 5 de Janeiro de 1620; 20 de Janeiro de 1634, 8 de Julho de 1674, 29 de Março de 1719 e 25 de Junho 1749.
7.º Crime de espionagem – Pena de morte, na conformidade da Disposição do Código Penal Militar.
8.º Aliciação para passar para o inimigo – Pena de morte.
Todas as sentenças que infligirem pena capital ou aflitivas serão impressas em ambas as línguas e afixadas.
O Secretário de Estado das Finanças e do Interior, o da Guerra e da Marinha, e bem assim o Regedor, ficam encarregados da execução do presente decreto, que será impresso em ambas as línguas.
Dado no Palácio do Quartel-General, em Lisboa, aos 8 de Abril de 1808.
(assinado) O Duque de Abrantes.
Pelo Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe.
O Secretário Geral do Conselho do Governo,
Vaublanc
[Fonte: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 44-47; também foi publicado um excerto deste decreto por José António de Sá, na sua anónima Demonstração Analítica dos bárbaros e inauditos procedimentos adoptados como meios de justiça pelo Imperador dos franceses para a usurpação do trono da Sereníssima e Augustíssima Casa de Bragança, e da Real Coroa de Portugal, Lisboa, Impressão Régia, 1810, pp. 274-279. O autor desta última obra, comentando este documento, refere que “que o encarregado de minutar este Decreto parece que de propósito citou as nossas Ordenações e Leis para mostrar a superfluidade de novas sanções sobre objecções em que tudo se achou providenciado, e fazer indecorosamente uma contradição visível neste mesmo Decreto, que acusa a insuficiência das Leis do País, quando as aplica”].