terça-feira, 16 de agosto de 2011

Proclamação do General Junot aos habitantes de Lisboa, antes de partir para ir ao encontro das tropas inglesas (16 de Agosto de 1808)



O Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército de Portugal, aos habitantes de Lisboa. 


Habitantes de Lisboa:

Eu me separo de vós por três ou quatro dias. Vou visitar o meu exército; e se for necessário dar uma batalha aos ingleses, e qualquer que seja o sucesso, tornarei para vós. Eu vos deixo para governar Lisboa um General que, pela sua doçura e pela firmeza de carácter, soube merecer a amizade dos portugueses em Cascais e Oeiras. O sr. General Travot saberá também por estas virtudes merecer a dos habitantes de Lisboa. Vós tendes estado até agora tranquilos; é do vosso próprio interesse continuar a sê-lo. Não vos mancheis com um crime horrendo num instante sobre os interesses das três nações que entre si disputam a posse de Lisboa. A glória e a prosperidade da cidade e reino são o que querem os franceses, porque é este o interesse e a política da França. 
A Espanha quer invadir e fazer de Portugal uma das suas províncias, para se fazer assim senhora da península; e a Inglaterra quer dominar-vos para destruir o vosso porto, a vossa marinha, e impedir que a indústria faça progressos entre vós. A magnificência do vosso porto lhes causa muita inveja; eles não consentirao que exista tão perto deles, e eles não têm a esperança de o conservar. Eles sabem que um novo exército francês passou já as vossas fronteiras; e se esse não bastar, outro virá após ele; mas eles terão destruído os vossos estabelecimentos marítimos; eles terão sido a causa da destruição de Lisboa; e eis aqui o que eles procuram, o que eles querem. Eles sabem que não podem conservar-se no continente, mas quando eles podem destruir os portos e a marinha de qualquer potência estão contentes.
Eu parto cheio de confiança em vós; conto muito sobre todos os cidadãos interessados na conservação da ordem pública, e estou persuadido que ela será conservada. Considerai as desgraças que necessariamente sucederiam se esta formosa cidade obrigasse as minhas tropas a entrar nela com a força. Os soldados exasperados não poderiam conter-se; o ferro, o fogo, todos os males da guerra praticados numa cidade tomada de assalto; o saque, a morte... eis aqui o que atraireis sobre vós; só a ideia me faz estremecer.
Habitantes de Lisboa! Evitai, afastai de vós estas terríveis calamidades.

Dada no Palácio do Quartel-General de Lisboa, aos 16 de Agosto de 1808.

O Duque de Abrantes

[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 30, 17 de Agosto de 1808; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 105-106; Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula e ás anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña - Volume VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, 44-45 (doc. 31)].