Lisboa, 5 de Julho
Nas circunstâncias actuais, é talvez útil trazer à lembrança dos portugueses que as promessas de felicidade e de governo separado, que Sua Majestade o Imperador e Rei se dignou de fazer-lhes por meio da Deputação, são condicionais: a sorte dos portugueses estava nas suas mãos, dizia a Memória; e a eles é que competia provar pelas suas acções que eram ainda dignos de formar uma nação independente e de ter um Rei, em vez de virem a ser uma simples província de outro Estado vizinho.
Por felicidade, o movimento de desvario, que por alguns dias parecia haver-se apoderado de uma parte de Portugal, parece que vai serenando e tomando uma face pacífica; pois de outra sorte mal conviria nem seria próprio representar este país a Sua Majestade o Imperador e Rei como digno dos altos destinos que a sua bondade tem feito brilhar à vista dos seus olhos. Os que têm pegado em armas contra as tropas francesas se assemelham inteiramente a um bando de escravos que querem agrilhoar-se pelas suas próprias mãos, e que correm deliberadamente, com a impaciência da servidão, para um jugo por largo tempo detestado, e que os seus antepassados tanto se ensoberbeciam de ter conseguido sacudir!
O sublevar-se hoje o povo em Portugal é proclamar o voto de cessar de ser português, para vir a ser vassalo espanhol.
Nada haveria de mais incompreensível que esta confusão de todo o cálculo político; por efeito do qual indivíduos de duas nações tão interessadas em aborrecer-se se entregariam com igual furor a uma revolta que deve ser igualmente fatal para ambas; mas cujo bom êxito, a poder-se sequer sonhar, prenderia uma com as cadeias da outra!
Outra extravagância da posição actual é ver duas nações que se pretende tornar fanáticas em nome de Príncipes que elas nem sequer têm à sua testa, e que debalde chamariam de tão longe e por entre tantos obstáculos.
Que desatino, portugueses, não seria o procurardes revoltar-vos contra o Imperador, hoje vosso único Soberano legítimo, e o qual representa, entre vós, o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes? Porque razão quereis expor-vos a ser, com Vila Viçosa e Beja, esmagados pela força, quando a autoridade mui poderosa só pensa em esquecer-se dos próprios direitos de conquista e em governar-vos com suavidade? Porventura diariamente de alguns pequenos corpos de facciosos em Portugal é que havia de desmaiar a estrela do GRANDE NAPOLEÃO e amortecer-se o braço de um dos seus mais valentes e hábeis Capitães?
O Decreto do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor General em Chefe, para que voltem a Lisboa as pessoas que se ausentaram como fugitivas, se vai executando com celeridade. Hoje é que expira o termo fixado para se restituírem a esta capital; e amanhã, os que não tiverem obedecido, estarão no caso de serem presos por ordem do Senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino. Asseguram-nos que a sua intenção, bem como o seu dever, é fazer com que severamente se cumpra um decreto que prescrevem as circunstâncias, e sem o qual, por um terror pueril, a pesar da mais perfeita tranquilidade, estava para despovoar-se uma cidade que precisa de uma parte dos seus habitantes para alimentar a outra. O deixar aqui de improviso só a classe indigente haveria sido dar maior partido às desordens as mais prejudiciais aos consumidores e aos próprios donos das herdades.
O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes acaba de nomear por Cónego da Sé de Lisboa o Pároco de Beja, que tão bem se portou ao querer impedir que os seus concidadãos provocassem os desastres que foram o justo castigo da sua criminosa agressão contra as tropas francesas.
O dito pároco porém deve continuar a exercer as suas funções numa cidade onde a sua presença é todavia necessária para reparar as desgraças que ele não pôde prevenir por não ter havido o bom espírito de lhe dar crédito.
Assegura-se que a cidade de Mérida, em Espanha, foi entregue às chamas, por haver também tentado fechar as suas portas a uma coluna do Exército de Sua Alteza Imperial o Grão-Duque de Berg.
Fala-se de ter havido mais três combates em Espanha, todos com grande vantagem dos franceses.
[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 27, 5 de Julho de 1808].