quinta-feira, 30 de junho de 2011

Carta de Viscount Castlereagh, secretário de Estado da Guerra, ao General Sir Arthur Wellesley, com instruções para a campanha de Portugal (30 de Junho de 1808)



Downing Street, 30 de Junho de 1808


Senhor:

A ocupação de Espanha e Portugal pelas tropas de França, bem como a completa usurpação dos seus respectivos Governos por parte dessa potência, determinaram que Sua Majestade [Britânica] desse ordens a um corpo das suas tropas […] para se preparar para servir e para ser empregue, debaixo das vossas ordens, contra os desígnios do inimigo, e para fornecer às nações espanhola e portuguesa toda a ajuda possível para se livrarem do jugo da França.
Recebereis inclusos os ofícios dos deputados do principiado das Astúrias e do reino da Galiza ao Governo de Sua Majestade, juntamente com a resposta que Sua Majestade mandou dar aos seus pedidos de assistência.
Também incluo uma relação dos suprimentos que já partiram para o porto de Gijón, para usufruto do povo das Astúrias. 
Os deputados das províncias acima mencionadas não desejam que se empreguem quaisquer corpos de tropas de Sua Majestade naquelas partes da Espanha que representam; antes planeiam que se opere uma poderosa diversão a seu favor, e têm instado sobre a importância dos esforços das tropas britânicas serem dirigidos para expulsar o inimigo de Portugal, podendo assim tornar-se geral nesse reino a insurreição contra a França, tal como na Espanha, considera-se oportuno que a vossa atenção deve ser imediatamente dirigida para esse fim.
Os deputados das províncias acima referidas não desejam o emprego de quaisquer corpos das tropas de Sua Majestade naquelas partes da Espanha que representam; antes têm frisado, prevendo que será uma poderosa diversão a seu favor, que é mais importante que os esforços das tropas britânicas sejam dirigidos para se expulsar o inimigo de Portugal, podendo desta forma tornar-se geral neste reino a insurreição contra os franceses, tal como na Espanha. Desta forma, resolveu-se que seria mais conveniente que a vossa atenção fosse dirigida imediatamente para este objecto.
Como é difícil regressar para o norte, com uma frota de transportes, nesta estação do ano, convém que devereis dirigir quanto antes os corpos sob as vossas ordens para o Cabo Finisterra. Ireis pessoalmente antes deles, numa fragata rápida, para a Coruña, onde tereis os melhores meios para vos instruirdes acerca do actual estado das circunstâncias, tanto da Espanha como de Portugal; e então julgareis se os corpos sob as vossas ordens imediatas, separados ou reforçados pelos corpos do Major General Spencer, poderão ser considerados como uma força suficiente para empreender uma operação contra o Tejo.
Se, a partir da informação que podereis receber, fordes da opinião que este intento não pode ser empreendido sem se esperar por um reforço da Inglaterra, comunicareis confidencialmente ao Governo Provisório da Galiza que os interesses da causa comum tornam necessário que seja dada uma permissão aos vossos corpos para ancorarem a norte do Tejo, até que possam ser sustentados por uma força adicional vinda da Inglaterra; e acordareis com o mesmo Governo uma permissão para vos dirigirdes com as vossas tropas para Vigo, onde se entende que poderiam ficar com tanta segurança como no porto de Ferrol, embora de Vigo seja mais fácil dirigir-vos para o sul do que a partir do último porto.
Se fordes para Vigo, enviareis ordens ao Major General Spencer para reunir-se convosco nesse lugar, no caso de que ele já tivesse chegado à boca do Tejo, em consequência das ordens inclusas; e também transmitireis para a Inglaterra todas aquelas informações que permitam que os ministros de Sua Majestade tomem medidas para sustentar os vossos corpos a partir daqui.
Como é possível que a vossa força seja considerada desigual para a operação, já se ordenou a um corpo adicional de dez mil homens para se preparar para o serviço, o qual, como se espera, poderá estar pronto para agir daqui a cerca de três semanas. Incluo a informação que possuímos em relação à força do inimigo em Portugal; diz-se que uma considerável porção marchou para Almeida, na fronteira nordeste. Conseguireis, sem dúvida alguma, obter informações mais recentes na Coruña, com o auxílio do Tenente Coronel Browne, ao qual foram dadas ordens para se dirigir para o Porto e encontrar-se convosco no Cabo Finisterra, com a informação que possa adquirir.
Um oficial de engenheiros familiarizado com as defesas do Tejo também foi enviado para a boca deste rio, para fazer observações e preparar informações para a vossa consideração, em relação à execução do ataque proposto no Tejo. Ordenar-se-lhe-á para que também vos transmita, para o Cabo Finisterra, o resultado das suas averiguações, permanecendo ele no Tejo até à vossa chegada. 
Estais autorizado para garantir da forma mais clara ao povo espanhol e português que Sua Majestade, ao enviar uma força em seu auxílio, não tem outro objectivo em vista senão fornecer-lhes o suporte mais ilimitado e desinteressado; e noutras disposições que possais ser chamados a fazer com ambas as nações, em prossecução da causa comum, agireis com a máxima liberalidade e confiança, e sempre sobre o princípio de que os esforços de Sua Majestade devem ser dirigidos para ajudar o povo de Espanha e Portugal a restaurar e manter, contra a França, a independência e integridade das suas respectivas monarquias.
Perante a rápida sucessão dos eventos que se espera que ocorram, tal como a Espanha e Portugal agora se encontram, muito ficará ao vosso julgamento e à vossa decisão no próprio local. 
Sua Majestade está graciosamente satisfeita em vos confidenciar a máxima discrição para agirdes conforme as circunstâncias, em benefício do seu serviço, e que podeis estar seguro que as vossas medidas serão favoravelmente interpretadas e receberão o suporte mais cordial.
Facilitareis, tanto quanto for possível, as comunicações entre as respectivas províncias e as colónias da Espanha, e reconciliareis, com os vossos ofícios adequados, qualquer divergência que possa ocorrer entre eles na execução da causa comum. 
Se alguma divisão séria de sentimentos ocorrer, em relação à natureza do Governo Provisório que está agindo durante o presente interregnum, ou em relação ao Príncipe [D. Fernando] em cujo nome a autoridade legal se considera investida pelo cativeiro ou abdicação de certos ramos da família real, evitareis, tanto quanto for possível, tomar alguma parte nessas discussões, sem a autoridade expressa do vosso Governo.
No entanto, fareis ver às pessoas que detêm a autoridade que, de acordo com a alegação eficaz da sua independência, elas não poderão reconhecer no Rei [D. Carlos IV] ou no Príncipe das Astúrias [D. Fernando], ao presente, qualquer autoridade que seja, ou considerar algum acto feito por eles como sendo válido, até que os mesmos regressem ao país e se tornem agentes completamente livres. Pois estes nunca poderão ser considerados livres enquanto estiverem permanentemente sujeitos às tropas francesas em Espanha ou Portugal.
A evacuação inteira e completa da Península pelas tropas francesas é, depois do que se passou nos últimos tempos, a única garantia para a independência da Espanha, bem como a única base sobre a qual a nação espanhola pode triunfar ou abandonar as suas armas. 
Tenho a honra de ser, etc.

Castlereagh

[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 8-10. Existe uma outra tradução portuguesa publicada por José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo V, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 21-28]. 

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Nota: Já depois de encerrar esta carta, Castlereagh recebeu novas informações da barra do Tejo, onde se encontrava Charles Cotton, facto que motivou que nesse mesmo dia escrevesse uma segunda carta a Wellesley.