sábado, 2 de julho de 2011

Pastoral do Colégio Patriarcal de Lisboa (2 de Julho de 1808)


Nos Primarii, Presbyteri, et Diaconi, Sanctae Lisbonensis Ecclesiae, Sede Patriarchali Vacante, a todas as Pessoas Eclesiásticas e Seculares deste Patriarcado, saúde e paz!

Ministros do Santuário, Sacerdotes do Altíssimo, porção escolhida do Rebanho de Jesus Cristo, Doutores e Mestres da Sua Santa Lei, que apascentais connosco o dos Fiéis de todo este Patriarcado, vinde com todos eles ajudar-nos a chorar na presença do Senhor os terríveis e lamentáveis estragos que desolam a nossa Pátria: os exemplos inauditos de crueza e de perfídia recentemente praticados em diversas províncias deste Reino contra as tropas francesas que pacificamente o ocupavam, e que o guardam e defendem da direcção Sábia e Vigilante de um Chefe guerreiro, experimentado e nosso amigo, que o possui e o governa em nome do grande Imperador, do invencível Napoleão. Ah! E qual será o vosso espanto quando souberdes que semelhantes desatinos foram desgraçadamente cometidos por homens que professam, como nós, a Santa Religião de Jesus Cristo, Divino Autor e único Exemplar Perfeito da Caridade do Amor do próximo, e da sujeição e obediência aos Imperadores da terra. Desmaiareis por certo, veneráveis Irmãos muito amados em Jesus Cristo, e estremecerão de horror os vossos corações, quando ouvirdes (e com quanta amargura o dizemos!) que os próprios Ministros da Religião do Crucificado, os Ungidos do Senhor, mancharam suas mãos no sangue de seus Irmãos, que também a professavam! Ah! Não permita o Senhor nosso Deus que em tempo algum vos deixeis arrastar de exemplos tão abomináveis e tão contrários aos verdadeiros e bem entendidos interesses da vossa Pátria. Mas quando, por cúmulo de nossos males e desgraças, e por efeitos da justa e bem merecida ira do mesmo Senhor contra nós, aconteça que o fogo do contágio de tão perigoso mal se ateie e lavre em vossos corações, contai decerto com os prontos e temerosos castigos que vos esperam, e que pelo vosso próprio bem e pelo comum e geral da vossa Pátria, seremos vigilantíssimos em fazer executar. Desembainharemos contra vós a espada Espiritual da Igreja, e descarregaremos sobre vossas desatinadas cabeças os terríveis golpes das Excomunhões e dos Anátemas. A doutrina que vemos publicamente atacada e ofendida, e que por este meio pretendemos vindicar, não é nossa, Fiéis, é de Jesus Cristo. É a que o seu zeloso Discípulo, o grande Apóstolo das Nações deixou escrita no capítulo 13 da sua Carta aos Romanos. Defendemos portanto a todos os Fiéis deste Patriarcado nossos Súbditos de qualquer Estado ou condição que sejam, debaixo das penas de Excomunhão maior, perdimento dos Cargos e Ofícios que de nós tiverem, e de inabilidade perpétua para os tornar a haver; que por nenhum modo ou maneira, directa ou indirectamente, em público ou em particular, com escritos, com factos ou com discursos pretendam inficionar o espírito dos seus Concidadãos, e conduzi-los a eles e à sua Pátria ao cúmulo da desgraça; e da mesma maneira proibimos muito especialmente a conservação e detenção das armas, que a Autoridade Civil tem já vigorosamente defendido, e de que o uso é tão perigoso, e quase inevitável o abuso; havendo outrossim por muito recomendado aos Reverendos Párocos deste Patriarcado e Prelados das Religiões nele existentes, que ponham o seu especial cuidado e vigilância em persuadir com o exemplo, e ensinar com a Doutrina a todos os seus Súbditos os verdadeiros princípios políticos e religiosos em tão importante matéria; capacitando-os e fazendo-lhes bem conhecer quanto é conveniente e necessário que todos se conservem tranquilos e sossegados; os Seculares nas suas casas e nos centros das suas famílias, que em tais circunstâncias não devem desamparar, e os Eclesiásticos nos exercícios próprios da perfeição do seu estado, no silêncio, na oração, no retiro e na prática de todas as virtudes.
E para que esta nossa Carta Pastoral venha à notícia de todos, mandamos que seja publicada à estação das Missas Conventuais em todas as Igrejas deste Patriarcado, e afixada nos lugares do costume.
Datum Lisbonae sub Signis Trium Nostrum in Ordine Priorom, & sub Sigillo Sanctae Lisbonensis Ecclesiae, die 2 Julii, anni 1808.

E. Principalis Silva
A. Principalis Decanus
F. Principalis Castro

De mandado do Excelentíssimo Colégio,
Francisco Xavier da Cunha Florel

[Fonte: 2.º Supplemento à Gazeta de Lisboa, n.º 26, 4 de Julho de 1808].