domingo, 4 de setembro de 2011

Notícias sobre os acontecimentos em Portugal, publicadas no periódico The National Register (4 de Setembro de 1808)



Acontecimentos políticos da semana.

Vitórias britânicas sobre as tropas francesas.


Temos hoje a inexprimível satisfação de anunciar a informação há muito esperada duma assinalada vitória do nosso exército em Portugal*. Seja qual for o modo como contemplamos esta importante ocorrência, sentimos tanta exultação quanto prazer. No meio de tais sensações misturadas, não sentimos surpresa, pois o valor impassível, determinado e perseverante dos nossos soldados nunca foi dúbio. Este é um daqueles acontecimentos grandes e abrangentes que atinge o peito de todos os britânicos, e que será sentido tão entusiasticamente sobre o rio Shannon como no Thames. Graças, sincera e inexprimivelmente, ao nosso exército e ao seu bravo Comandante! Eles cumpriram gloriosamente os deveres que o seu país esperava que cumprissem. O seu país confiou-lhes o glorioso penhor da sua glória e reputação; e a sua confiança não foi desapontada. A impetuosa bazófia e a destreza táctica dos invencíveis franceses foram incapazes de resistir ao impulso irresistível do patriotismo britânico, secundado pelas baionetas britânicas. Guerreiros distinguidos! Dignos descendentes dos heróis de Agincourt, Cressy, Blenheim e Minden! Haveis iniciado gloriosamente uma campanha cujo objectivo é nada menos que a emancipação da Europa do despotismo mais repugnante e perigoso que alguma vez flagelou a humanidade. Haveis sido enviados para resgatar o país do mais fiel dos nossos aliados, das presas dos monstros que há muito atacavam os seus órgãos vitais; e depois de terdes acabado esta gloriosa façanha, estais apressando-vos para cooperar com um povo distinguido, cujo anais são apenas recapitulações de vitórias; cujos campos, cujas montanhas e cujas cidades apresentam monumentos eternos de vitórias contra os cartagineses, romanos e mouros. Cujo sentido de honra é igual à sua bravura, e cuja integridade apenas rivaliza com o seu patriotismo. Enquanto toda a Europa está tremendo e amedrontada aos pés dum aventureiro implacável e arrogante, esta nação generosa repeliu com desprezo qualquer tipo de compromisso com o ousado facínora, e formou unanimemente a resolução de preferir cobrir os seus próprios campos com os seus cadáveres, e com os dos seus pais, suas mulheres e suas crianças, do que consentir a escravidão do seu país. Os seus sucessos foram correspondentes à sua determinação e à santidade da sua causa. Estais prestes a ver não tanto como eles libertam o seu país dos seus infames invasores - eles próprios já alcançaram este feito - mas sim como rivalizam e participam nas suas futuras proezas, naquele mesmo país onde há mais de dezasseis anos miríades de harpias voaram para saquear e profanar os templos, as casas, e os campos das nações vizinhas. O vosso país seguir-vos-á incessantemente nesta assinalada carreira. A sua gratidão será até superior às vossas façanhas; e quando regressardes, coroados com vitórias e com as bendições do universo, encontrareis nos aplausos dos vossos conterrâneos e nas lágrimas de alegria dos vossos parentes e amigos uma ampla compensação pelos vossos honrosos serviços. 
Tais são as efusões agradecidas de todos os britânicos ao lerem estas importantes notícias. Nenhuma das nossas vitórias, quer no mar, quer em terra, distinguidas como têm sido, desde que começou a Guerra Revolucionária, excitou um maior entusiasmo universal. A nossa superioridade naval era reconhecida universalmente. Mas estes acontecimentos removeram qualquer dúvida da mente dos mais cépticos, qualquer partícula de ansiedade do peito dos mais receosos, que a bravura e disciplina dos nossos exércitos terrestres  não é apenas igual, mas infinitamente superior às de qualquer povo existente. Que sensações orgulhosas deve esta convicção excitar nos nossos peitos! Que campo ela abre a uma comunidade aspirante e opulenta! A história menciona que somos o único povo que o comércio e as riquezas do mundo não foram capazes de corromper. Se algo excede as nossas riquezas naturais, é a nossa energia nacional. Que nenhuma falsa impressão de mal-estar e que nenhum falso brilho de moralidade política da parte dos homens de estado metódicos nos impeça de perseguir a nossa carreira de engrandecimento, que é indicada pelos nossos recursos morais e físicos. Nada é estável neste mundo. Se um Estado não avança, necessariamente tem que recuar. Este é um axioma moral e político. Multipliquemos os nossos exércitos nesta crise portentosa. As notícias da nossa vitória espalhar-se-ão rapidamente duma ponta do Continente à outra. Haverá mais efeito em estimular [agora] as suas energias dormentes do que em qualquer outra circunstância que alguma vez ocorreu. Guiemos e encorajemos os seus esforços contra o inimigo comum; e quando eles [=os europeus] virem uns cem mil soldados britânicos, não engaiolados vergonhosamente na sua ilha - os descendentes dos Eduardos e dos Henriques confinados às suas praias!! - mas sim acampados nos planícies da Picardia, irão recordar o que os seus esforços unidos já fizeram, guiados por um Marlhorough. É esta linguagem demasiado arrojada? É esta opinião infundada por antecedentes, ou invalidada pelos acontecimentos e sentimentos presentes? Não. Na confusão universal que em breve ocorrerá no Continente, na fricção geral, moral e nacional, outra nação mais ousada pensará assim. Retomemos o nosso antigo lema: que nem um só canhão seja disparado na Europa sem a nossa permissão! Coitado do povo que não agarrar as vantagens da situação e do momento! Coitado do homem de Estado que receia perseguir um grande objectivo, devido aos escrúpulos do cioso ou à resistência duma facção! Na política, a moralidade dum povo é segurança e grandeza; a sua imoralidade nasce da fraqueza e da letargia. A mesma regra moral é aplicável aos Estados enquanto indivíduos - somente a acção e a iniciativa desenvolvem aquelas grandes virtudes que levantam Estados e indivíduos até ao topo da grandeza e do vigor; enquanto a inacção engendra todos aqueles vícios repugnantes e paixões desagradáveis que produzem uma moral vergonhosa e uma debilidade física.  


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Foi recebida uma carta no Lloyd's, remetida do Porto no dia 28 de Agosto, que declara que o exército francês comandado por Junot evacuou Lisboa, depois de ali pilhar vinte e três carros cheios de objectos de valor, e que no dia 24 tinha tido uma acção contra o exército britânico, na qual tinham sido mortos o General Loison e 5.000 franceses, enquanto Junot e o resto do seu exército tinham sido aprisionados. Quando os franceses evacuaram Lisboa, a frota russa hasteou as cores portuguesas. 

A gloriosa notícia da vitória obtida por Sir Arthur Wellesley foi levada pelo Capitão Campbell ao gabinete de Lord Castlereagh por volta das oito horas da noite de Quinta-feira [1 de Setembro]. Pouco depois Sua Senhoria comunicou-a ao Lord Mayor



Assim que o General Spencer se reuniu a Sir Arthur Wellesley, este último não perdeu tempo em avançar para dentro do país. No dia 15, os exércitos opostos aproximaram-se tanto um do outro, que ocorreu uma acção entre os postos avançados nesse mesmo dia, perto de Óbidos. No dia 17, as nossas tropas bateram-se com os corpos avançados dos franceses, que chegavam a 6.000 homens de infantaria e a 800 de cavalaria. Eles estavam postados com vantagens nas passagens [no alto das montanhas], mas como Sir Arthur caiu sobre a sua linha de marcha, teve a necessidade de atacá-los, apesar do outro lado ter melhores vantagens. Só foi empregue uma parte da nossa força, principalmente os Regimentos n.os 5, 9, 29, 60 e 95; destes, o 29.º e o 95.º suportaram o peso da batalha. Nada pode exceder a firme disciplina e a impassível e determinada coragem com que as nossas tropas avançaram para o ataque. Foi um conflito bastante severo, mas deve-se assinalar que a nossa artilharia foi infinitamente melhor empregue que a francesa, supostamente a melhor da Europa. Por fim, o inimigo rendeu-se ao valor dos nossos compatriotas, e retirou-se em confusão, com a perda de 1.500 homens, entre mortos, feridos e prisioneiros. Nos dias 18 e 19 Sir Arthur continuou em perseguição do inimigo. No dia 20, parou e afastou-se para perto do mar, a fim de proteger o desembarque da divisão do General Anstruther. Quando esta junção se realizou, todo o exército estava revigorado, depois das fatigas que tinha suportado. No dia 21, Sir Arthur viu que os inimigos estavam determinados em lutar. Começaram a atacar no Vimeiro, muito antes do que se esperava, e com a maior bravura e boa ordem. A sua impetuosidade foi extrema, como habitualmente; esperavam que assim lançariam os nossos soldados na confusão, e obteriam a vitória. Mas eram britânicas as tropas contra as quais tinham que lutar; e o nosso bravo exército, nada desencorajado pela violência da investida ou pelo furioso fogo que eles disparavam, avançou sem disparar um tiro, com as baionetas fixadas. Em breve, o inimigo desanimou-se perante esta impassibilidade e frieza, e foi forçado a recuar. O conflito começou então a tornar-se mais severo e sanguinário - porém, o inimigo, apesar de ter combatido com grande bravura e determinação, nunca foi capaz de provocar uma sensação de desvantagem nas nossas tropas. Por fim, a vitória foi decidida a nosso favor, sendo o inimigo completamente derrotado, e dispersando-se para os bosques contíguos ao cenário da acção. Junot comandava pessoalmente, e o seu ataque central foi sobre o nosso centro e esquerda - a nossa direita, que era composta por cerca de 7.000 homens, não foi esteve tão comprometida como as outras duas divisões. Dois regimentos de granadeiros, a nata do exército francês, foram completamente cortados aos pedaços. Depois da batalha, 300 deles foram encontrados mortos no mesmo lugar onde tinham sido dispostos. A batalha durou cerca de três horas, e o resultado geral foi a derrota completa e a fuga do inimigo, com a perda de cerca de 4.000 homens; o que eleva as perdas totais em ambas as acções para cima dos cinco mil homens. Proporcionalmente, as perdas dos britânicos foram pequenas. 
O veterano General Ferguson estava entre aqueles que lideraram o ataque [da batalha do Vimeiro]. Ia acompanhado pelo seu Ajudante de Campo, o Capitão Mellish, célebre desportista; e ao avançar para a carga, à frente da sua brigada, tirou o seu chapéu e acenou-o para encorajar os homens, de forma, em primeiro lugar, para que em toda a parte o reconhecessem, e em segundo lugar para assim poderem inspirar-se a imitar a sua calma e o domínio de si mesmo. O Coronel Lake caiu muito nobremente [na batalha da Roliça], enquanto conduzia os seus granadeiros por uma das passagens [no alto das montanhas], cuja dificuldades desafiam qualquer descrição. O Regimento n.º 36, comandado pelo Coronel Burns, efectuou prodígios [na batalha do Vimeiro]. Parece que este último ordenou aos seus homens para conterem o seu fogo; porém, como o inimigo continuava a abrir fogo com grande efeito, um ou dois jovens soldados descarregaram os seus mosquetes. O Coronel Burns gritou imediatamente: Se souber quem foi que disparou, eu próprio o abato. Esta observação, num momento em que tantos deles estavam a ser abatidos pelas balas do inimigo, excitou um enorme regozijo entre os seus homens, apesar da seríssima solenidade do cenário em que estavam a actuar. 
A carga do Regimento n.º 20 de Dragões foi a mais magistral; se houvesse uma força maior de cavalaria, a totalidade da força do inimigo teria sido aniquilada; apesar disto, os Generais franceses acharam-se que estavam completamente em Hors de combat [sic]. Disto ficou tão convencido pelo menos o General Brenier, que foi feito prisioneiro, e que de facto requereu a um dos oficiais do Estado-Maior britânico para tomar conta das suas propriedades (a sua parte da pilhagem), as quais estavam, segundo lhe disse, em Torres Vedras, tendo descrito a casa onde estavam escondidas.  
Quando se concluiu a batalha do dia 21, tal era o entusiasmo que o resultado tinha excitado entre os nossos Generais, que todos eles, sem excepção, foram até Sir Arthur Wellesley, dando-lhe os parabéns pelo seu sucesso, e exclamando: General, tudo isto é vossa obra! Os homens simpatizaram com os seus líderes, e expressaram em alta voz a sua satisfação pelo seu velho General, como lhe chamavam, ter vencido a batalha.
Depois da batalha decisiva, Sir Arthur propôs enviar a ala direita do seu exército, que tinha sido menos comprometida do que as outras duas divisões, para avançar em direcção a Lisboa, e interpor-se entre essa cidade e a retirada do exército do inimigo. Entendemos que esta medida foi adoptada, e as nossas tropas tomaram a estrada costeira, por Torres Vedras e Mafra. 
As negociações para a capitulação do exército francês continuavam à data dos ofícios de Sir Arthur. Diz-se que nos termos que propôs, o inimigo queria estipular que levaria os seus saques, cuja quantidade é imensa; mas é claro que isto não lhe foi garantido; e não pode haver dúvidas que, muito longe disto, o exército francês e a frota russa estão em nossa posse.
O General Kellermann, que veio propor os termos da capitulação, reconheceu que apesar da artilharia francesa ser observada até aqui como a primeira da Europa, a artilharia britânica na batalha do dia 21 serviu com uma perícia e destreza muito superior. Ao mesmo tempo, é justo dizer que o avanço em coluna das tropas francesas nesta ocasião foi considerado como um dos melhores movimentos que alguma vez foi executado. Ouvimos descrevê-lo como a visão mais sublimemente terrível.
Junot discursou para as suas tropas na manhã [de 21 de Agosto], e imediatamente antes da batalha, disse-lhes: Camaradas, aí estão os ingleses, e atrás deles o mar - ficai calmos e firmes, somente tendes de empurrá-los para o mar! A ordem emitida por Sir Arthur Wellesley às suas tropas era breve e simples: Meus bravos compatriotas! Expulsai os franceses das passagens a caminho de Lisboa; e a sua ordem foi plena e prontamente executada. O General francês Thiébault foi morto**, e o General Brenier foi ferido e feito prisioneiro. Loison estava desaparecido, e supostamente entre os mortos.
Quando o General Brenier foi capturado por um dos nossos granadeiros, ofereceu-lhe a sua bolsa [de dinheiro] e o seu relógio para o deixar partir; mas o granadeiro repeliu a oferta com desprezo, trouxe o General ao seu Coronel, e foi recompensado por Sir Arthur Wellesley com uma bolsa. O General francês expressou ao Coronel inglês muita surpresa pelo desinteresse do granadeiro. Não vos surpreendais, disse o Coronel, nós não viemos como ladrões. Brenier, dirigindo-se então a Sir Arthur Wellesley, disse: pela maneira como combatestes, suponho que tendes os homens escolhidos do exército da Inglaterra. Sir Arthur replicou: De forma alguma, estes são apenas uma amostra do resto.


[seguiam-se as seguintes ordens emitidas pelo General Arthur Wellesley:


O Capitão Campbell trouxe para a Inglaterra, a bordo do [navio] Kangaroo, cerca de vinte guardas de Junot, como amostra dos homens contra os quais lutámos. O General Brenier também estava ansioso para visitar imediatamente a Inglaterra, mas o General Kellermann aconselhou-o a ficar para assistir os seus compatriotas a traçar os termos da capitulação.
O Duque de Abrantes (Junot) e o seu Secretário [Hermann?] enviaram para a Inglaterra cartas abertas para as suas Duquesas, para que possam ser enviados para a França nalguma ocasião. Estas epístolas são muito breves. Apenas asseguram às suas senhoras que gozam de perfeita saúde; e expressam o desejo de que elas também a gozem. Não há uma só palavra sobre batalhas, e muito menos sobre derrotas.






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Notas:

 Neste mesmo número do The National Register foram transcritos todos os documentos relativos a Portugal que o periódico The London Gazette tinha publicado um dia antes.

** Constava no exército britânico (o próprio Wellesley reportou o boato) que Thiébault tinha sido morto na batalha do Vimeiro, o que não correspondia à verdade.