Lavos, 8 de Agosto de 1808
Senhor:
Como recebi instruções da Secretaria de Estado que me informam que estais quase a chegar à costa de Portugal com um corpo de 10.000 homens, que tinha estado empregado nos últimos tempos no norte da Europa debaixo das ordens de Sir John Moore, apresento-vos agora aquelas informações que recebi relativas ao estado geral da guerra em Portugal e na Espanha, bem como o plano de operações que estou prestes a pôr em execução, em obediência às ordens da Secretaria de Estado*.
A força do inimigo actualmente em Portugal consiste, tanto quanto sou capaz de formar uma opinião, entre 16.000 a 18.000 homens, dos quais cerca de 500 estão no forte de Almeida, mais ou menos o mesmo número em Elvas, cerca de 600 ou 800 em Peniche, e 1.600 ou 1.800 na província do Alentejo, em Setúbal, etc.; o resto está disposto para a defesa de Lisboa, encontrando-se nos fortes de S. Julião e Cascais, nas baterias ao longo da costa até ao Cabo da Roca, e na velha cidadela de Lisboa, na qual o inimigo fez algumas obras nos últimos tempos.
Nos últimos tempos, o inimigo destacou, da força disponível para a defesa de Lisboa, um corpo de cerca de 2.000 homens sob as ordens do General Thomières, sobretudo, segundo julgo, para observar as minhas movimentações, corpo este que agora está em Alcobaça; e um outro corpo de 4.000 homens sob as ordens do General Loison atravessou o Tejo, no dia 26 do passado, para passar para o Alentejo; este destacamento tinha como objectivo dispersar os insurgentes portugueses naquela parte, forçar a retirada do corpo espanhol composto por cerca de 2.000 homens que tinha avançado desde a Extremadura até Évora, e por conseguinte conseguir incrementar a força destinada para a defesa de Lisboa com os corpos das tropas francesas que têm estado estacionados em Setúbal e na província do Alentejo. Em todo o caso, o corpo de Loison regressará a Lisboa, e os corpos franceses disponíveis para a defesa deste lugar deverão andar provavelmente à volta dos 14.000 homens, dos quais pelo menos 3.000 devem permanecer de guarnição e nos fortes na costa e no rio.
O exército francês na Andaluzia, comandado por Dupont, rendeu-se, no dia 20 do passado mês, ao exército espanhol comandado pelo General Castaños; e por isso não existem agora tropas francesas no sul da Espanha.
O exército espanhol da Galiza e de Castela, no norte, foi posto em xeque em Rioseco, na província de Valladolid, no dia 14 de Julho, por um corpo francês supostamente debaixo do comando do General Bessières, que avançou de Burgos.
As tropas espanholas retiraram-se no dia 15 para Benavente, e julgo que houve desde então alguma contenda com os postos avançados naqueles arredores; mas não estou certo disto, nem tenho conhecimentos da posição do exército espanhol, ou do francês, desde o dia 14 de Julho. Depois de estardes pouco tempo neste país e observardes o grau de deficiência das informações autênticas, produzido pela circulação de notícias infundadas, não vos surpreendereis da minha falta de conhecimentos exactos sobre estes assuntos.
No entanto, é certo que nada de importante aconteceu naquela parte desde o dia 14 de Julho, e por esta circunstância concluo que o corpo do Marechal Bessières atacou o exército espanhol em Rioseco somente para proteger a marcha do Rei José Bonaparte para Madrid, onde chegou no dia 21 de Julho.
Para além da derrota na Andaluzia, é provável que tenhais ouvido dizer que o inimigo foi batido num ataque que fez em Zaragoza, em Aragão; também foi batido sobre a cidade de Valencia (diz-se que em ambas as acções perdeu bastantes homens); e relata-se que na Catalunha dois destacamentos franceses foram desbaratados, que o inimigo tinha perdido o forte de Figueras nos Pirenéus, e que Barcelona estava sitiada; não vi quaisquer notícias oficiais das últimas acções e operações mencionadas, mas todos acreditam no relato delas, que circula por todo o lado. Em todo o caso, sejam estas notícias fundadas ou não, é evidente que a insurreição contra os franceses é geral por toda Espanha; que grandes corpos de espanhóis estão em armas (entre outros, em particular, um exército de 20.000 homens, incluindo 4.000 de cavalaria, em Almaraz, sobre o Tejo, na Extremadura); e que os franceses não conseguem levar a cabo as suas operações através de pequenos corpos. Pela sua inacção e pelas desgraças que sofreram, imagino que não têm meios para reunir uma força suficientemente forte para contrariar o progresso da insurreição e os esforços dos insurgentes, bem como para sustentar os destacamentos dos seus diferentes corpos; ou que percebem que não podem levar a cabo as suas operações sem depósitos de abastecimentos suficientes para um exército tão grande quanto achassem necessário empregar.
Em relação a Portugal, todo o reino, exceptuando os arredores de Lisboa, está num estado de completa insurreição contra os franceses; contudo, os seus meios de defesa são menos poderosos do que os que têm os espanhóis. As suas tropas foram completamente dispersas, os seus oficiais foram para o Brasil, e os seus arsenais foram pilhados ou estão em poder do inimigo. Nas circunstâncias em que foi feita, a sua revolta é ainda mais admirável do que a da nação espanhola.
Os portugueses devem ter, nas províncias setentrionais do reino, cerca de 10.000 homens em armas, dos quais 5.000 marcharão comigo em direcção a Lisboa; os restantes, juntamente com um destacamento de 1.500 homens que vieram da Galiza, estão ocupados em bloquear Almeida à distância e em proteger a cidade do Porto, que é presentemente a sede do Governo.
A sul, a insurreição é geral por todo o Alentejo e Algarve, e a norte, em Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes e Beira; contudo, devido à falta de armas, o povo nada pode fazer contra o inimigo.
Depois de consultar Sir Charles Cotton, pareceu-nos a ambos que o ataque proposto sobre a baía de Cascais era impraticável, porque a baía é bem defendida pelo forte de Cascais e pelas outras obras construídas para sua defesa, e os navios de guerra não poderiam aproximar-se até uma distância suficiente para os fazer calar. O desembarque em Paço d'Arcos, no Tejo, não poderia ser efectuado sem calar o forte de S. Julião, mas aqueles que iriam executar essa operação acharam que isto seria impraticável.
Existem pequenas baías a sul e a norte do cabo da Roca, que talvez pudessem permitir o desembarque das tropas; contudo, todas elas são defendidas por fortes que primeiro tinham que ser calados; são pouco amplas, e apenas poucos homens poderiam desembarcar de cada vez; há nelas uma arrebentação contínua que afecta de tal modo o desembarque que se duvidava que as tropas que chegassem primeiro à costa poderiam ser sustentadas a tempo pelas outras que se lhes seguissem; e inclusive se os cavalos para a artilharia e cavalaria, bem como os abastecimentos e provisões necessárias, conseguiriam mesmo desembarcar.
Estes inconvenientes relativos ao desembarque em qualquer uma das baías perto do cabo da Roca seriam agravados pela proximidade do inimigo em relação ao lugar do desembarque, e pelos poucos recursos do território onde as tropas deveriam desembarcar.
Por estes motivos, o melhor plano era desembarcar na parte mais a norte de Portugal, e acabei por fixar-me na baía do Mondego, por ser o lugar mais próximo [de Lisboa] que oferecia mais facilidades para o desembarque, à excepção de Peniche; contudo, o lugar de desembarque desta península é defendido por um forte ocupado pelo inimigo, que teria de ser necessariamente atacado com regularidade, a fim de dispor os navios em segurança.
Um desembarque a norte era mais recomendado, porque garantiria a cooperação das tropas portuguesas na expedição para Lisboa. Tendo desembarcado a totalidade dos corpos dispostos debaixo do meu comando, incluindo o comandado pelo General Spencer, tenciono começar a marchar na Quarta-feira [10 de Agosto]. Devo tomar a estrada por Alcobaça e Óbidos, tendo em vista manter a minha comunicação pela costa, e examinar a situação de Peniche; e irei para Lisboa pela estrada de Mafra e pelas colinas a norte daquela cidade.
Como fui informado pelo Secretário de Estado que um corpo de tropas debaixo do comando do Brigadeiro General Acland deve chegar à costa de Portugal antes da vós, escrevi-lhe desejando que se dirija daqui para o sul, ao longo da costa de Portugal; e propus comunicar-me com ele através do Capitão Bligh, do Alfred, que seguirá os movimentos do exército, com uns poucos navios-transportes que têm a bordo as provisões e as dispensas militares. Tenciono ordenar ao Brigadeiro General Acland para atacar Peniche, se achar necessário obter a posse dessa praça; em caso contrário, proponho ordenar-lhe a se juntar à esquadra estacionada na foz do Tejo, com o objectivo de desembarcar numa das baías próximas do Cabo da Roca, logo que eu me aproxime o suficiente para permitir-lhe que efectue essa operação.
Se imaginasse que o corpo do General Acland estava equipado de tal modo que lhe fosse permitido mover-se a partir da costa, deveria ter-lhe dado ordens para desembarcar no Mondego e marchar até Santarém, a partir donde poderia dar assistência às minhas operações ou impedir a retirada do inimigo, se esta fosse feita pelo norte do Tejo em direcção a Almeida, ou pelo sul do Tejo em direcção a Elvas. Mas como estou convencido que se espera que o corpo do General Acland forme parte de algum outro corpo que seja provido dum comissariado, pois ele não terá nenhum consigo, e, consequentemente, que o seu corpo deverá depender do país; e como nada se pode garantido a partir dos recursos deste país, considerei que é melhor que o General dirija a sua atenção sobre a costa marítima.
Se, contudo, o comando do exército continuar nas minhas mãos, devo certamente mandar desembarcar no Mondego o corpo que tem estado ultimamente sob o comando de Sir John Moore, movendo-o para Santarém.
Tenho a honra de incluir uma relação das tropas debaixo do meu comando, bem como a cópia duma carta que escrevi ao Capitão Malcolm, do Donegal, na qual se refere o modo de disposição dos transportes.
Tenho a honra de ser, etc.
Arthur Wellesley
[Fonte: Lieut. Colonel Gurwood (org.), The Dispatches of Field Marshal the Duke of Wellington, K. G. during his various campaigns in India, Denmark, Portugal, Spain, the Low Countries, and France, from 1799 to 1818 – Volume Fourth, London, John Murray, 1835, pp. 53-57. Encontra-se outra tradução disponível na obra de Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 85-91].
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Nota:
Wellesley endereçou a carta acima transcrita a Harry Burrard e não a Dalrymple (apesar de lhe ter remetido uma cópia da mesma), porque sabia que Burrard chegaria à costa portuguesa muito antes de Dalrymple. De facto, ao passo que Dalrymple só viria a partir de Gibraltar (praça que até então governava) no dia 13 de Agosto, Harry Burrard tinha embarcado em Portsmouth no dia 22 de Julho, a bordo do navio Audacious, o mesmo que trazia o General Moore. Contudo, o mau tempo atrasou a viagem destes últimos para o dia 31 de Julho, continuando a prejudicar de tal modo a trajectória do comboio que acompanhava o Audacious (onde vinham os cerca de 10.000 homens comandados por Moore na sua recente expedição à Suécia), que os transportes tardaram mais de duas semanas para se reunirem junto ao Cabo Finisterra. Sem aguardar a dita reunião, Burrard deixou Moore no dia 16 de Agosto e rumou para o Porto, onde soube que Wellesley já tinha desembarcado no Mondego, para onde partiu, e onde finalmente chegou no dia 18.