segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Carta do General Dumouriez a Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra do Governo britânico (8 de Agosto de 1808)




Broadstairs, Kent, 8 de Agosto de 1808


Meu Senhor:

Os patriotas provam as desgraças que eu tinha previsto e predito, porque fazem a guerra sem um plano geral e sem conjunção. Lamentar-se-ão ainda mais dos seus defeitos consideráveis antes de se corrigirem. Mas como o sul continuará livre, conservando-se a comunicação entre a Andaluzia e a Galiza através de Portugal, a residência do Rei José em Madrid será bastante precária, e mais de metade da Espanha continuará por conquistar, o que não se pode fazer numa só campanha.
A sorte da Espanha, e por consequência a nossa e a da Europa, depende portanto da conduta dos ingleses em Portugal. É lá que eles se devem concentrar, unindo-se aos portugueses, e organizando-os em corpos, para formarem um exército de 70 a 80.000 homens. Com uma força destas, Portugal não só ficará impenetrável, como também não será atacado, podendo este exército avançar para a guerra ofensiva na Extremadura e em Castela, combinando os seus movimentos com os do General Castaños pela direita, e com os do General Blake pela esquerda. 
Os aragoneses, os catalães e os valencianos serão provavelmente batidos, mas se forem obrigados a abandonar as planícies do belo reino de Valença, retirar-se-ão seguramente para a cadeia de montanhas de Alpujarras, que cobre Múrcia e Granada, e que está ligada à Sierra Morena. 
A reunião das tropas nesta posição estará sustentada pela sua esquerda à direita do exército do Andaluzia, por sua vez apoiado pela sua esquerda pelo exército anglo-português, e este pelo da Galiza. O Rei José ficará bastante embaraçado por ter esta posição à sua volta. Faltar-lhe-ão víveres, e como não tem mar à sua volta, será obrigado a mandar vir qualquer tipo de assistência às costas de mulas, através dos Pirenéus, que serão obstruídos pelo inverno e pelos Miquelets no final de Outubro, e então, quanto maior for o seu exército, maior será a sua ruína.
Mas para que tudo isto se realize, como será indubitável se a guerra for feita sobre um plano geral bem entendido, é necessário:
1.º Que o vosso exército chegue a Portugal inteiro, e tenha o número de 40.000 homens, dos quais pelo menos um quinto deve pertencer à cavalaria;
2.º Que o exército seja comandado por qualquer General em Chefe que se disponha a cooperar de acordo com o plano geral, e a modificar apenas meros detalhes, se as circunstâncias o exigirem;
3.º Que este plano geral seja adoptado pela Junta Geral, comunicado às diferentes Juntas das diversas províncias, e em seguida aos respectivos Comandantes dos diversos exércitos;
4.º Que o Ministério inglês tenha perto da Junta Geral em Sevilha um General hábil e duma qualificação superior, que esteja ao corrente deste plano, e que o possa dirigir em todas as partes, mudando os detalhes segundo as circunstâncias – que este General seja agradável aos espanhóis, e, se possível, escolhido por eles, de acordo com a indicação do Ministério inglês. Ele não deverá enviar em seu nome instruções ou ordens aos Generais dos diferentes exércitos, para evitar ressentimentos, sobretudo do General ou dos Generais ingleses. A própria Junta não deverá enviar instruções ou ordens ao exército inglês, mas somente a comunicação do plano geral e as alterações que as circunstâncias obriguem a se fazer, segundo o seu maior ou menor progresso, para que o exército inglês possa combinar os seus movimentos o mais regularmente possível dentro do plano geral.
Eis como concebo a conduta desta guerra, antes mesmo dela começar. Consequentemente, meu Senhor, enviei-vos um plano geral para o Conselho, bem como para a Junta Geral. A minha experiência leva-me a crer que ele é bom porque está modelado sobre aquele que já conhecia e que executei na França em 1792. Ele tem pelo menos o mérito de ser o único. Talvez seja seguido, ou talvez não; mas fico com a satisfação de ter cumprido o meu dever, ou até ultrapassado-o. Se o Conselho aprovar a minha conduta ou as minhas ideias, testemunhar-me-eis na vossa resposta.
Tenho a honra de ser com respeito, etc.,

General Dumouriez


[Fonte:Charles William Vane (org.), Correspondence, Despatches, and other Papers of Viscount Castlereagh, second Marquess of Londonderry – Vol. VI, London, William Shoberl Publisher, 1851, pp. 396-398]. 

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Nota:

Charles François Dumouriez, que ao lado da carreira militar desempenhara também o papel de agente secreto de Luís XV da França, viria mais tarde a aderir aos ideais da revolução francesa, tendo participado com distinção em várias das suas primeiras campanhas, e tendo sido inclusive (ainda que brevemente) ministro dos negócios estrangeiros e da guerra dos primeiros governos revolucionários. Contudo, pouco depois de Luís XVI ter sido executado pelos jacobinos, Dumouriez acabou por desertar e abandonar a França, e depois de ter passado por vários países, acabou em 1804 por se instalar definitivamente na Inglaterra, como tantos outros realistas defensores do futuro Luís XVIII. Neste país, a troco de uma abastada pensão, serviu secretamente como conselheiro valioso da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra do Governo britânico, na sua luta contra Napoleão. 
Curiosamente, entre muitas outras, Dumouriez mandou publicar a seguinte obra, composta segundo as impressões que teve quando veio a Portugal em 1766, na qualidade de agente secreto: État présent du royaume de Portugal, en l'année MDCCLXVI, Lausanne, Chez François Grasset & Comp., 1775 (duas décadas mais tarde, esta edição foi revista, corrigida e consideravelmente aumentada, tendo sido publicada em 1797, em Hamburgo, sendo igualmente traduzida e publicada em Londres no mesmo ano). É também da sua autoria uma obra intitulada Juizo sobre Bonaparte dirigido pelo General Dumouriez a' Nação Franceza e a' Europa [sic], sobre as alterações provocadas por Napoleão na Europa, em 1807, que foi publicada em Lisboa, pela Impressão Régia, no ano seguinte, certamente depois dos franceses se retirarem do país.