Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:
Na minha última carta* dizia a Vossa Excelência que eu me determinava a tomar com a tropa às minhas ordens uma direcção com que, não deixando de apoiar o Exército inglês, pudesse ao mesmo tempo vigiar no que fizessem os franceses que tínhamos ainda na nossa esquerda, pois que não tendo absolutamente sido possível seguir a marcha das colunas inglesas, por falta absoluta de subsistências, uma vez que elas não me podiam fornecer alguns dias de biscoito, desde que chegassem a Alcobaça até que se pudesse arranjar essa repartição, que achei absolutamente desmontada. Verá Vossa Excelência das cópias inclusas o que se tem passado depois e a que ponto me tenho visto comprometido por falta de instruções, pois que nelas não se me diz expressamente se devo, como os ingleses, cuidar em primeiro lugar em ocupar Lisboa, ainda com o risco de deixar devastar as províncias que fizeram a Revolução, e todos os esforços que é constante, e que devem esperar de nós este serviço, ou se deve ser este o nosso objecto. Confesso a Vossa Excelência que tenho passado horas amarguradas, vendo comprometida mesmo talvez a minha reputação, pois que não me convém dar explicações a ninguém, nem fazer aparecer coisa que possa ter aparência de menos inteligência entre nós e os ingleses. Porém, Deus há de acudir a quem, como eu, não procura senão acertar, sem outra alguma paixão nem parcialidade.
Na minha última carta* dizia a Vossa Excelência que eu me determinava a tomar com a tropa às minhas ordens uma direcção com que, não deixando de apoiar o Exército inglês, pudesse ao mesmo tempo vigiar no que fizessem os franceses que tínhamos ainda na nossa esquerda, pois que não tendo absolutamente sido possível seguir a marcha das colunas inglesas, por falta absoluta de subsistências, uma vez que elas não me podiam fornecer alguns dias de biscoito, desde que chegassem a Alcobaça até que se pudesse arranjar essa repartição, que achei absolutamente desmontada. Verá Vossa Excelência das cópias inclusas o que se tem passado depois e a que ponto me tenho visto comprometido por falta de instruções, pois que nelas não se me diz expressamente se devo, como os ingleses, cuidar em primeiro lugar em ocupar Lisboa, ainda com o risco de deixar devastar as províncias que fizeram a Revolução, e todos os esforços que é constante, e que devem esperar de nós este serviço, ou se deve ser este o nosso objecto. Confesso a Vossa Excelência que tenho passado horas amarguradas, vendo comprometida mesmo talvez a minha reputação, pois que não me convém dar explicações a ninguém, nem fazer aparecer coisa que possa ter aparência de menos inteligência entre nós e os ingleses. Porém, Deus há de acudir a quem, como eu, não procura senão acertar, sem outra alguma paixão nem parcialidade.
Esta resolução tinha eu tomado depois de receber uma carta em que o General Wellesley se me explicava muito amigavelmente a respeito da requisição que eu lhe tinha feito fazer pelo Coronel Trant, para me fornecer biscoito, como já disse; e na minha resposta eu lhe comunicava aquele projecto que me parecia oportuno**. Nessa noite recebi uma participação feita pelo Coronel Trant, em que o General, não aprovando aquele plano, como Vossa Excelência verá da cópia n.º 1***, me vi obrigado a chamar os principais oficiais deste Exército para ouvirem as proposições do General inglês. O resultado deste conselho verá Vossa Excelência da cópia n.º 2, em consequência do que destaquei a tropa, de cuja resolução me pareceu satisfeito o Coronel, o que prova exuberantemente quanto eu procuro prestar-me às requisições dos ingleses, para fazer ver a boa fé com que procedo a seu respeito, ainda em coisas de tanta consequência. Para substituir esta falta, mandei que de Coimbra marchassem um Batalhão de Granadeiros e o de Caçadores de Trás-os-Montes, prosseguindo no mesmo projecto de não desamparar o que nos fica à esquerda, ainda ficando sem outro apoio que o das minhas próprias forças. Quando ontem estava a marchar recebi uma carta do Coronel Trant remetendo-me a cópia da que recebera do General Wellesley, à qual respondi como Vossa Excelência verá do n.º 3. Vossa Excelência poderá julgar dos motivos que me têm resolvido a tomar este partido, que se não é o mais brilhante, é o mais sólido, e nisto mesmo me confirma a notícia de que Loison se tinha recolhido a Santarém, onde estava ontem pelas 6 da manhã; mas enquanto me chegam as notícias da marcha pomposa do Exército inglês, eu fico em inacção observando os movimentos dos franceses nesta distância, sem poder adivinhar aonde hei de dirigir-me.
As medidas que se têm tomado são as seguintes:
Mandar ao Brigadeiro Bacelar descer de Castelo Branco a Abrantes, para ocupar esta praça no caso de ser abandonada, ou de conservarem ali os franceses forças com que ele possa revolucionar os povos e vir a Tomar a observar os movimentos do inimigo; as forças de que ele pode dispor são 3.000 homens, pouco mais ou menos;
Mandar-se proclamar o Príncipe por toda a parte onde dominamos, e armar o povo;
Mandar estabelecer vigias nas vizinhanças de Santarém para ser informado das disposições do inimigo;
Fazer as que são necessárias para que os habitantes de Ribatejo se revoltem logo que ali apareça alguma força.
São estas as disposições que se podem fazer, e ficar este Exército pronto a marchar ao primeiro aviso, com as bagagens e duas rações de pão e etapa****, que o acompanharão para qualquer parte. Mas enquanto me ocupo destes muito sério cuidados, o General inglês se avança sem puder encontrar grande oposição, pois que a Divisão de Loison ainda por cá fica, e eu deixo de entrar com ele em Lisboa, como eu devia fazer, se não me parecesse ainda mais essencialmente do meu dever procurar, quanto em mim possa caber, obstar a que os franceses vão repetir na Beira e províncias do norte as cenas que ultimamente assolaram o Alentejo.
Supondo que escolhi o melhor partido, desejo que Vossa Excelência assim o entenda, e o Supremo Conselho. Desejo mil ocasiões de servir a Vossa Excelência.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General de Leiria, 15 de Agosto de 1808.
Sou, etc.
Bernardim Freire de Andrada [sic].
[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 185-186 (doc. 17)].
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Nota:
* Como atrás referimos, não nos consta que a aludida carta de Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto (escrita possivelmente a 13 de Agosto) esteja publicada.
** Já tivemos ocasião de referir que também não se encontra publicada a carta em que Bernardim Freire de Andrade comunicava a Wellesley o seu novo plano de operações, o qual somente se conhece através de referências indirectas.
*** Como também já referimos, não nos consta que esteja publicada a aludida carta de Bernardim Freire de Andrade a Wellesley, onde era comunicado o novo plano de operações proposto pelo General português.
*** Sobre este termo, ver o que atrás anotámos.
** Já tivemos ocasião de referir que também não se encontra publicada a carta em que Bernardim Freire de Andrade comunicava a Wellesley o seu novo plano de operações, o qual somente se conhece através de referências indirectas.
*** Como também já referimos, não nos consta que esteja publicada a aludida carta de Bernardim Freire de Andrade a Wellesley, onde era comunicado o novo plano de operações proposto pelo General português.
*** Sobre este termo, ver o que atrás anotámos.