segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Carta do General Bernardim Freire de Andrade ao General Wellesley (15 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:


Quando eu tinha escrito Vossa Excelência a carta junta, recebo a cópia oficial da que Vossa Excelência dirigiu ontem ao Coronel Trant sobre o plano de operações que eu tinha proposto a Vossa Excelência, e como por ela vejo Vossa Excelência se propõe, de preferência a tudo, ocupar Lisboa, mesmo no caso de se poder evadir o Exército do General Junot, quando queira evitar uma batalha, e como semelhante acontecimento, muito possível, como Vossa Excelência mesmo observa na sua sua carta, exporia absolutamente as províncias que eu de preferência devo defender, vejo-me forçado a declarar a Vossa Excelência que eu não posso abandonar a defesa destas províncias a que este Exército pertence, e o mesmo Exército que Vossa Excelência reconhece ser o núcleo*das forças que devem sustentar esta Monarquia.
Esta guerra não é das ordinárias, na qual importa menos que o inimigo se avance em uma ou outra província; agora a desolação e a morte acompanhará por toda a parte a sua chegada, e o primeiro dever é sacrificar-me, se puder ser, para evitar que semelhantes calamidades se estendam às províncias deste Reino, cujo Exército comando.
Nestas circunstâncias, longe de me prestar à requisição de Vossa Excelência, de marchar com as poucas tropas que me restam, tendo já ontem destacado o contingente que Vossa Excelência exigiu, vou procurar reforçar-me quanto possa, a fim de obstar ao perigo que possam correr as províncias, e para concorrer com as tropas de Vossa Excelência para extinguir o inimigo comum, que era o nosso primeiro e único objecto, ou me sacrificarei sendo preciso, para retardar esta fatal consequência, que parece ameaçar-nos iminentemente e de que resultaria, sem dúvida, uma contra-revolução no país, no sentido mais desastrado.
Posso assegurar a Vossa Excelência que sinto muito não poder falar noutros termos nesta ocasião, em qualidade de comandante destas tropas, mas estou certo que o meu dever assim o pede, e muito seguro de que o Supremo Governo o há de aprovar.
Deus guarde a Vossa Excelência.
Quartel-General de Leiria, 15 de Agosto de 1808.
Sou, etc.

Bernardim Freire de Andrada [sic].

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 184-185 (doc. 16)].

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Nota: 


* Devemos notar que sublinhámos a palavra "núcleo" para destacar que a utilizámos para substituir o termo "novelo", que aparecia na carta original de Bernardim Freire de Andrade, por se tratar de uma gralha evidente, que resultou de uma má interpretação do termo francês "noyau", inserido na seguinte passagem da carta que Wellesley enviou a Nicholas Trant no dia 14 de Agosto (cuja cópia, traduzida em francês, foi enviada por este último a Bernardim Freire de Andrade): "ce corp de l'Armée qui peut avec justice être qualifié de Noyau de l'Armée Portugaise, l'appui de la contre-révolution et soutient de la Monarchie".