Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:
Pelo Coronel Trant tive a honra de manifestar a Vossa Excelência a impossibilidade em que me achava depois dos maiores esforços para seguir os movimentos do seu Exército, pela dificuldade de subsistências num país devastado e ocupado ainda pelo inimigo, e pelo pouco tempo que tínhamos tido para fazer vir do Porto ao longo da costa os mantimentos e sobretudo o biscoito que eu havia requerido e que me lisonjeei que Vossa Excelência me poderia fornecer logo que chegássemos a Alcobaça.
Sabendo pelo mesmo Coronel Trant a impossibilidade em que se achava de me fornecer com segurança este alimento indispensável, julguei do meu dever não me reduzir à nulidade, nem comprometer em tais circunstâncias, que naturalmente se agravariam de um dia para outro, a sorte do corpo que me está confiado; e não querendo ao mesmo tempo deixar de cooperar para o feliz êxito desta empresa do modo que me era possível nas actuais circunstâncias, me propus a dirigir para o Tejo, onde a presença das forças que comando poder[ia] ser útil para acelerar a revolução naquele país [=região], e porque ocupando a importante posição de Abrantes e Santarém, poria em sossego as províncias do norte, a quem se devem todos os esforços que puseram em levantar este Exército no menor espaço de tempo possível, do risco a que ficariam expostos se o Exército francês quisesse, ou para evitar o ataque do Exército britânico ou por efeito de desesperação, lançar-se sobre elas para as devastar e ir recolher-se à praça de Almeida, que ainda conserva.
Neste sentido fiz as minhas disposições e o participei ao Senhor Bispo do Porto*, e é depois disto que o mesmo Coronel Trant me comunica que Vossa Excelência, não aprovando esta medida, pretende que eu lhe forneça um corpo de mil homens de Infantaria de Linha, os Caçadores e Cavalaria, que Vossa Excelência se encarregava de sustentar, insinuando-me a responsabilidade a que fica exposto se me recusasse a esta requisição; querendo dar a Vossa Excelência provas da deferência para o bom êxito da empresa que nos ocupa, depois de ouvir o parecer dos Oficiais Generais e Superiores deste Exército, a quem me pareceu preciso consultar para me decidir num assunto de tanto momento, assentou-se geralmente que se devia deferir, quanto fosse possível, à requisição de Vossa Excelência, apesar de nos impossibilitar de algum modo para conseguir o fim que me tinha proposto.
Em consequência disto fiz logo marchar para Alcobaça, como Vossa Excelência o pretendia, dois Batalhões de Infantaria, um Batalhão de Caçadores - único corpo de tropas ligeiras que aqui tinha - e dois Esquadrões de Cavalaria, a que Vossa Excelência quer fornecer mantimentos, que junto a 50 cavaleiros que eu aqui tinha e, com o resto que me fica e com alguma mais que faço vir de Coimbra e Beira, passo a executar o projecto já mencionado, dirigindo-me amanhã a Ourém, e dali a Santarém, logo que os esforços que espero e o maior conhecimento do estado daquele posto nos permitam. Espero que Vossa Excelência, conhecendo a importância desta operação, que concorre eficazmente para facilitar os projectos de Vossa Excelência longe de os contrariar, e que me livra de maior responsabilidade, a que com justa causa ficaria exposto se abandonasse totalmente o cuidado e vigilância pela conservação das províncias a quem este Exército pertence, e que poderiam sofrer muito se uma porção do Exército francês não encontrasse resistência alguma na sua retirada, me fará a justiça de acreditar que os meus desejos serão sempre de conciliar o que devo à minha honra e ao bem de um país cuja sorte me interessa por tantos títulos. E para mostrar a Vossa Excelência quanto é para recear que o inimigo se lembre ainda de algum projecto de retirada, envio a Vossa Excelência a carta inclusa*, que foi interceptada em Tomar, e na qual Vossa Excelência observará as disposições que Loison faz para ter aprovisionamentos prontos em diversos lugares que lhe podem facilitar uma retirada, naturalmente para Elvas. E conhecendo Vossa Excelência a importância que há para o feliz êxito desta expedição, de obrarmos de acordo e de nos comunicarmos mutuamente as notícias que nos interessam, espero que Vossa Excelência quererá enviar para aqui o Coronel Trant ou outro qualquer com quem eu possa comunicar os objectos que nos interessam, o feliz êxito e combinação das nossas operações.
Quartel-General de Leiria, 14 de Agosto de 1808.
De Vossa Excelência,
Bernardim Freire de Andrade.
[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 182-184 (doc. 15)].
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Nota:
* Estes documentos não se encontram publicados.