segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Discurso de Sebastião Martins Mestre às tropas do Exército do Sul (15 de Agosto de 1808)




Companheiros, amigos e camaradas (ditoso o que merece este nome):
Já não vamos a proteger Évora (como nos tinham ordenado). Eu que tenho a honra de ser vosso chefe e companheiro, acabo de receber ordem da Junta Suprema de Beja e do nosso Marechal de Campo José Lopes de Sousa para retroceder a nossa marcha, para ir atacar o inimigo que se acha na vila de Alcácer do Sal debaixo das ordens do General Kellermann, para saquear e incendiar esta vila, e depois passar aos mais povos da província. 
Vós, meus Soldados, não me negareis que, debaixo das ordens do nosso Marechal de campo José Lopes de Sousa, eu, com um punhado de pescadores, fizemos abater o orgulho da Legião do Meio-dia, no lugar de Olhão, tanto na abordagem que lhe demos no mar no dia 17 de Junho, como na tarde do mesmo dia na ponte de Quelfes*; para cada um destes pescadores o inimigo tinha dez vencedores do Marengo, Jena e Friedland, contudo o que não foi morto foi posto em fuga ou [feito] prisioneiro. Vós sois igualmente Algarvios, sois Soldados Generosos que sem mais auxílio do que o vosso valor fizestes afugentar do Algarve o inimigo, e com o mesmo valor e inexplicável generosidade vos oferecestes voluntários para defender a província do Alentejo, e a mesma capital de Lisboa. Pois companheiros, amigos e Irmãos, estes que vamos combater e vencer são os mesmos cobardes que nos fugiram do Algarve. É verdade que os vereis vestidos de Tigres, mas é porque estão salpicados com o sangue dos inocentes e impossibilitados moradores de Beja e Évora, de cuja maldade, se não tomarmos vingança, aquelas mesmas vítimas inocentes, se as não vingais no sepulcro, os seus ossos rechaçarão os nossos com desprezos, estas honradas palavras não vo-las digo como vosso chefe, se não como um Soldado, como um vosso companheiro que aspira a conduzir-vos à glória: ver-me-eis entrar por entre os inimigos desprezando as suas baionetas, e comendo a morte aos bocados.
Aguiar, 15 de Agosto de 1808, à uma hora da tarde.

Sebastião Martins Mestre, Tenente-Coronel.
Comandante

[Fonte: Continuação da narração dos acontecimentos que occorrerão na vanguarda do Exercito do Algarve comandada pelo Tenente Coronel Sebastião Martins Mestre, apud Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s. ed., 1941, pp. 329-334, pp. 330-331 (Doc. 6)].

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Notas:

Este discurso foi pronunciado na vila de Aguiar (actualmente pertencente a Viana do Alentejo), precisamente antes do chamado Exército do Sul rumar a Alcácer do Sal. Sebastião Martins Mestre, um dos comandantes do dito exército, incentivava os seus soldados com o exemplo dos confrontos que, com escassos meios, venceu em Olhão. Pelos seus feitos desde que tinha começado a rebelião algarvia, a Junta Governativa de Beja tinha-o entretanto condecorando com a patente de Tenente-Coronel (e a José Lopes de Sousa com a referida patente de Marechal de Campo). 


* Sebastião Martins Mestre, ou a pessoa que fixou o texto, equivocou-se quando assentou que os dois citados confrontos ocorreram no dia 17 de Junho, quando os mesmos se passaram na verdade no dia 18 de Junho de 1808, como se poderá confirmar nas fontes sobre a restauração do Algarve principiada em Olhão.