sexta-feira, 17 de junho de 2011

Manifesto da Junta Suprema de Sevilha (17 de Junho de 1808)



Manifesto ou declaração dos principais factos que motivaram a criação desta Junta Suprema de Sevilha que, em nome do senhor Fernando VII, governa os Reinos de Sevilha, Córdova, Granada, Jaén e as províncias da Extremadura, Castela-a-Nova e as demais que forem sacudindo o jugo do Imperador dos franceses 



A Espanha descansava na sua própria grandeza, por tantos séculos conservada, e contava com a aliança e com as forças da França. Logo que fez a paz com esta em 1795, abraçou os seus interesses e entregou-lhe navios, dinheiro, tropa, e quantos auxílios foram exigidos. Até os próprios reis de Espanha pareciam feudatários da França; e pode-se dizer que a França deve os seus triunfos e progressos a esta união com Espanha. 
Entretanto, dominava a Espanha com império absoluto e despótico o perverso Godoy, que, abusando da excessiva bondade do nosso Rei Carlos IV, apropriou-se, em dezoito anos de favor, dos bens da Coroa, dos interesses dos particulares, dos empregos públicos que distribuía infamemente, de todos os títulos, honras, e até do tratamento de Alteza, com as dignidades de Generalísimo e Almirante, e com direitos aumentados sobre imensas e escandalosas quantias, que faziam transbordar a nossa miséria. 
Como parece que aspirava ao trono real e tinha como obstáculo o Príncipe das Astúrias D. Fernando, acometeu directamente à sua sagrada pessoa: atribuiu-lhe conspirações contra o seu augusto pai, e sob este pretexto o fez prender e expediu a horrível circular de 30 de Outubro de 1807 e a propriamente ridícula de 5 de Novembro seguinte. Os povos viram uma e outra com espanto. Não lhe deram fé alguma, e o Conselho de Castela, chamado ao conhecimento desta causa, unanimemente declarou que o Príncipe das Astúrias era inocente
O Rei pai não se conformou com esta providência e fez castigar com dureza os supostos cúmplices do Príncipe das Astúrias. Bastava ao povo espanhol o nome do seu Rei para obedecer e sofrer com silêncio; durou assim até ao mês de Março deste ano de 1808, quando o perigo do mesmo Rei e da pátria converteram a sua paciência em furor. Entretanto, os reis de Portugal tinham-se vistos obrigados a abandonar a Europa, passar à América, e mandar os seus vassalos a não levantarem resistência com armas ao exército francês que entrava no seu território. Tanta moderação não moderou nem acalmou a ambição de Napoleão. As suas tropas apoderaram-se de Portugal e fizeram nele estragos que estremecem a humanidade. Napoleão agregou ao seu império este Reino, e impôs-lhe contribuições duríssimas, quais não teria sofrido pelo mais feroz conquistador. 
A Espanha viu neste exemplo que se os seus reis a abandonavam, padeceria da mesma sorte que Portugal; ademais, que nem o nome espanhol, nem o amor que tem aos seus reis, nem outras mil razões podiam permitir que os espanhóis vissem com indiferença o transtorno das suas leis fundamentais e a aniquilação da sua monarquia, a mais gloriosa de toda a terra. 
Nesta conjuntura, torna-se público e dão-se provas de que os reis pais e toda a real família iriam abandonar a capital, passar à Andaluzia, e viajar para as Américas em embarcações inglesas. Estas vozes irritam extremamente o povo contra D. Manuel Godoy, único e solitário autor deste abandono. Todas as tropas da Casa Real, as demais do exército, e todos os habitantes honrados unem-se em Aranjuez para impedir a sua execução, o que conseguem. O infame privado excita a sua justa violência, e fica a dever a vida à generosidade do Príncipe das Astúrias. O Rei Carlos renuncia à Coroa, e remete ao Conselho o instrumento mais autêntico desta livre abdicação. Em sucessos tão extraordinários não se derrama uma gota de sangue em Aranjuez. Tal é a lealdade inaudita do povo espanhol. 
Em Madrid, o Conselho tornou pública a abdicação de Carlos IV e proclamou como Rei o seu filho mais velho, o senhor D. Fernando VII, Príncipe jurado das Astúrias. O povo da capital e o de toda a nação recebeu esta notícia com um júbilo nunca visto, e declarou o seu amor, a sua obediência e a sua fidelidade ao seu novo Rei com uma união, ardor e demonstrações tão novas que são desconhecidas na história da fidelíssima nação espanhola. Os exércitos franceses não puderam deixar de ver atónitos tão estranhos sucessos; e o próprio incêndio dos móveis de algumas casas suspeitas de Madrid foi executado com tal ordem, com tanto cuidado para que não padecesse o público, e sem derramamento de sangue, que se pode dizer que só a nação espanhola é capaz de semelhante circunspecção num tumulto popular. 
Todos acharam que os franceses se uniriam aos espanhóis para celebrar o feliz facto de se ter impedido que os seus reis abandonassem a Espanha e embarcassem na esquadra inglesa. Mas qual foi a sua admiração, quando viram que este mesmo sucesso, que devia ser tão agradável aos franceses, foi precisamente o pretexto que abraçaram para nos perseguir, destruir os nossos reis, acabar com a monarquia, e cometer horrores de que a história não fala nem pode falar. Foram estes tão multiplicados que será muito difícil, para não dizer impossível, pôr alguma ordem na relação dos que vamos indicar. 
Foi o primeiro [horror] a entrada do exército francês em Madrid, fixando artilharia em vários sítios públicos, e usando da autoridade como nunca o tinha feito monarca algum da Espanha; entretanto, continuavam as aclamações de Fernando VII, mas Carlos IV, enganado tantas vezes, fazia o seu protesto contra a abdicação anterior e enviava-o a Napoleão, pondo a sua sorte nas mãos deste. 
Fernando VII foi pessoalmente receber o próprio Napoleão, que tinha prometido e feito anunciar, através do duque de Berg, que vinha à Espanha no prazo de quatro dias. Fernando VII enviou diante de si o seu irmão, o infante D. Carlos, que, não tendo encontrando Napoleão, entrou na França. Seguiu-se-lhe o Rei Fernando até Vitória, e nesta cidade, o povo, a quem o seu coração terno e leal lhe fazia pressagiar o triste destino que Fernando esperava na França, impediu-o de sair, cortou os tirantes do coche, e gritou para que não se entregasse a Napoleão. O Rei, confiado na sua própria generosidade e na grandeza da sua alma, fez-se de surdo a estes clamores e continuou a sua viagem, entrando em Bayonne para abraçar Napoleão, que o tinha chamado a si com mil carícias e seguranças fingidas, dando-lhe nas suas cartas o tratamento de Rei de Espanha. 
Antes de se prosseguir, regressemos a Madrid e aos horríveis factos a que assisti. Fernando VII tinha criado uma Junta Suprema de Governo, cujos membros indicou, nomeando para Presidente o seu tio, o infante D. António. Era preciso destruir esta Junta e consumar os projectos de iniquidade que estavam tramados: para este fim fez-se sair de Madrid e passar à França a Família Real, sem exceptuar aqueles infantes que, pela sua tenra idade, deviam aparentemente inspirar alguma compaixão. O povo de Madrid enfureceu-se vendo este acontecimento, e o exército francês tomou daí o pretexto para entrar armado e com artilharia a 2 de Maio, guerreando raivosamente com aquele pobre povo, e cometer nele uma carnificina que ainda hoje faz tremer a sua memória. O débil governo espanhol, oprimido pelo duque de Berg, depois de ter proibido às tropas espanholas que saíssem para ajudar os seus irmãos, apresentou-se em público nas ruas de Madrid, e à sua vista o povo deixou as armas e acalmou o seu furor. 
Esta obediência, este respeito próprio do povo espanhol, em vez de aplacar irritou o ferocíssimo Murat, e sob o pretexto de que os populares levavam armas (o que só será proibido por uma lei posterior), ordenou que fossem fuzilados a sangue frio. Sofreram a morte, assim, sacerdotes que só levavam consigo um aparador de penas para escrever, artesãos que traziam navalhas ou instrumentos dos seus ofícios, e todo o tipo de pessoas, pelo simples capricho dum exército furioso, sem honra, sem religião e sem considerações. 
Seguidamente, o infante D. António foi obrigado a dirigir-se para Bayonne. Fernando VII tinha nomeado os vogais da Junta de Governo e ninguém podia agregar outros; não obstante, o estrangeiro Murat não teve vergonha em obrigar estes vogais a elegerem-no Presidente na sua própria presença, circunstância que, por si só, basta para convencer a horrível violência com que se procedia; no entanto, todos os vogais da junta assinaram este decreto e publicaram-no. 
Pretendia-se entretanto, através dos franceses, a formação dum partido em Madrid e no Reino por Carlos IV, valendo-se de proclamações capciosas e de outros meios indecentes, mas nada se pôde conseguir. Os autores destas tramas ficaram sem castigo, mas a nação, a Europa e o mundo todo viram que os franceses faltaram à verdade descaradamente, quando publicaram que na Espanha há divisões e partidos. Não os há, e para perpétua ignomínia dos que espalharam o contrário, a nação inteira grita que não deseja, não ama e não é de outro rei senão do senhor Fernando VII. Apareceu por fim no Conselho de Castela o protesto de Carlos IV enviado por Napoleão a Murat, e este tribunal, dominado por um terror que será a sua eterna deshonra, decidiu que não era Rei de Espanha Fernando VII, mas sim Carlos IV, pela nulidade da sua abdicação. Que reflexões se apresentam de tropel aqui, quando se considera que o Conselho é o primeiro tribunal de justiça do Reino, e os seus ministros os ministros das leis! Mas continuemos. 
Em virtude de Carlos IV ter reassumido a coroa, entrou outra vez na potestade de eleger um governador do Reino; e afectando o espírito e a linguagem francesa até nas palavras, indicou para este emprego, com o título de Lugar-Tenente, Murat, ou seja, o duque de Berg. Até aqui parecia que se tinham guardado as formas, mas muito rapidamente acabou-se até com a aparência delas. A 4 de Maio, em Bayonne, Carlos IV declarou-se rei, dizendo que queria consagrar os últimos dias da sua vida ao governo e felicidade dos seus vasalos. Pois no dia 8 do mesmo mês o rei Carlos esqueceu-se de tudo isto e renunciou à Coroa de Espanha a favor do Imperador Napoleão, com a faculdade expressa de que este a pudesse pôr em quem quisesse, segundo a sua vontade. Que contradições! Que insensatez! 
A monarquia de Espanha não era de Carlos IV, nem este a tinha por si mesmo, mas sim por direito de sangue, segundo as nossas leis fundamentais; e o mesmo Carlos IV acabava de assentá-lo e dizê-lo ao reassumir o Reino. Com que autoridade e com que direito aliena a coroa de Espanha e trata os espanhóis como rebanhos de animais que pastam nos campos? Com que poder priva da monarquia os seus filhos e descendentes e todos os herdeiros dela pelo nascimento e pelo sangue? 
Será certamente uma prova autêntica da cegueira espessíssima a que conduz a ambição, o facto de que Napoleão, com o seu ponderado talento, não tenha conhecido estas verdades, lançando sobre si a infâmia eterna de ter recebido a monarquia espanhola de quem não tinha nenhum direito e poder para dá-la. E a mesma nulidade haveria se conseguisse realizar os seus infames desígnios de entronizar como Rei de Espanha o seu irmão José Napoleão; pois nem este nem Napoleão I podem ser nem serão reis de Espanha, senão pelo direito de sangue que não têm, ou por eleição unânime dos espanhóis, que jamais a farão - saibam-no assim desde agora e para sempre. 
Quiseram-se autorizar estas violências com o nome e assinatura de Fernando VII e para isto se publicou primeiramente a sua renúncia a favor do seu pai Carlos IV, e depois uma outra, desta vez a favor de Napoleão, a qual, violentados, assinaram Fernando, o seu irmão o infante D. Carlos, e o seu tio o infante D. António. Há motivos gravíssimos para se presumir que estas duas renúncias são supostas; mas ainda que sejam verdadeiras, nelas mesmas está evidente a violência com que se fizeram e a sua completa nulidade. A 4 de Maio, Carlos IV reassumiu o trono, e com a data de 6 aparece a renúncia de Fernando VII. Se Carlos IV podia por si mesmo reassumir o trono, para quê a renúncia de Fernando VII? Se esta renúncia era de todo necessária, com que autoridade Carlos IV reassumiu o trono antes dela? * 
O mesmo argumento, e ainda com mais força, aplica-se à renúncia do domínio de Espanha a favor de Napoleão. Carlos IV fê-la em 8 de Maio, e Fernando VII em 12. Não foi pois válida a de Carlos IV em 8 porque faltava a de Fernando VII, e se foi válida, para quê se exigia esta outra? 
Numa e noutra, a violência que se fez a todos é manifesta e não tem exemplo igual. Fernando VII foi tratado, logo que entrou em França, com um desprezo que não podia imaginar-se. Está rodeado de guardas franceses; foi separado da sua comitiva; foi reduzido a um estado miserável; e ainda lhe ameaçaram de morte **. O mais estranho é que Napoleão não alcançou o seu fim com toda esta ignomínia. Depois de Fernando VII, o seu irmão o infante D. Carlos, toda a Família Real e a sua descendência ficam com um direito inviolável ao trono de Espanha. Causará admiração à posteridade que o próprio Conselho de Castela se tenha prestado a tantas e tão horríveis usurpações, e que as tenha autorizado com o seu nome, o qual enganou a alguns pouco reflexivos. É mais claro que a luz que o Conselho de Castela não tem poder algum para mudar a dinastia reinante e transtornar as leis fundamentais na ordem da sucessão. As consequências horríveis de terem sidos obrigados a derrogar o poder que não têm trouxeram males gravíssimos à nação inteira. 
Foi pois por toda a necessidade e para remédio daqueles [males] que se criou a Junta Suprema de Governo de Sevilha, a instâncias do povo, e que no uso das suas faculdades se tenha declarado independente, desobedecendo ao Conselho e Junta Superior, cortando toda a comunicação com Madrid, levantando exércitos, e fazendo-os marchar para guerrearem com os franceses. Deus lançou a sua santa bênção sobre nós e sobre as nossas puras intenções. Dos dias 23 a 27 de Maio toda a nação se levantou em massa a proclamar o seu Rei e defender a sua pátria. Elegeram-se Capitães-Generais e chefes do exército. Estes foram organizados, correndo os povos com ardor às armas, e as classes e corpos poderosos fazem abundantes donativos. 
A Andaluzia era acometida por um exército francês [comandando pelo General Dupont] no mesmo momento em que levantou a voz pela sua religião, pelo seu Rei e pela sua pátria, e em menos de quinze dias temo-lo já cercado e não poderá escapar de se render ou de se retirar vergonhosamente. A esquadra francesa ancorada em Cádis acaba de arrear a sua bandeira e sensatamente entrega-se a nós. As províncias de Espanha vão reconhecendo nesta Suprema Junta o fiel depósito da autoridade real e o centro da união, sem o qual expor-nos-íamos a guerras internas ou civis que arruinariam completamente a nossa santa causa. 
Tratámos um armistício com os ingleses e temos livre comunicação com eles. Ofereceram e deram-nos muitos auxílios, e esperamos outros maiores. Desembarcaram parte das suas tropas, e lutam já em alguns dos nossos pontos ***; estão em Cádis prontos a embarcar três enviados nossos ao Rei da Grã-Bretanha, que tratarão e ajustarão uma paz durável e vantajosa com a nação inglesa. Portugal está em comoção e pronto a sacudir o seu vergonhoso jugo. 
As Américas, tão leais ao seu Rei como a Espanha europeia, não podem deixar de se unir a ela numa causa tão justa. Uno será o esforço de ambas pelo seu rei, pelas suas leis, pela sua pátria e pela sua religião. Ameaçam também as Américas, se não se reúnem a nós, os mesmos males que sofreu a Europa, a destruição da monarquia, a mudança do seu governo e das suas leis, o desregramento horrível dos costumes, os roubos, os assassinatos, a perseguição dos sacerdotes, a violação dos templos e das virgens consagradas a Deus, a extinção quase total do culto e da religião; em suma, a escravidão mais bárbara e vergonhosa, sob o jugo dum usurpador que não conhece nem piedade, nem justiça, nem humanidade, nem até sinal algum de vergonha. 
Burlaremos as suas iras uma vez reunidas a Espanha e as Américas espanholas. Esta Junta Suprema cuidará de tudo com um zelo infatigável. As Américas sustentarão-na com quanto abunda no seu fértil solo tão privilegiado pela natureza, enviando imediatamente os fundos reais e todos quantos possam adquirir-se por donativos patrióticos dos corpos, comunidades, prelados e particulares. O comércio voltará a florescer com a liberdade da navegação e com os favores e graças oportunas que lhe dispensará esta Junta Suprema, de que podem estar certos os nossos compatriotas. 
Somos todos espanhóis. Sejamo-los, pois, verdadeiramente reunidos na defesa da religião, do rei e da pátria. 
Palácio Real do Alcázar de Sevilha, a dezassete do mês de Junho do ano de mil oitocentos e oito. 

Francisco de Saavedra, Presidente. 
El arzobispo de Laodicea, coadministrador do desta diocese 
Fabián de Miranda y Sierra. 
Francisco Cienfuegos. 
Vicente Hore. 
Francisco Díaz Bermudo. 
Juan Fernando Aguirre. 
El conde de Tillí. 
El marqués de Grañina. 
El marqués de las Torres . 
Andrés de Miñano y las Casas. 
Antonio Zambrana Carrillo de Albornoz. 
Andrés de Coca. 
Josef de Checa. 
Eusebio Herrera. 
Adrián Jacome. 
Antonio Zambrano. 
Manuel Peroso. 
Josef Morales Gallego. 
Víctor Soret. 
Celedonio Alonso. 
Manuel Gil. 
Josef Ramírez. 

Por mandado de Sua Alteza Sereníssima, 
Juan Bautista Pardo, secretário, 
Manuel María Aguilar, secretário.


________________________________________________________________

Notas:

* Deve-se aclarar que, aparentemente, a Junta de Sevilha somente tinha conhecimento da renúncia anunciada numa carta de 6 de Maio de Fernando VII ao seu tio o infante D. António (presidente do Governo provisório criado pelo sobrinho), desconhecendo um facto anterior: Fernando VII tinha renunciado à coroa no dia 1 de Maio (embora condicionalmente), conforme ele próprio o atestou novamente numa carta de 6 de Maio, enviada a seu pai, carta esta onde fica finalmente assente a sua renúncia incondicional.

** Como se vê, o mito do "rapto" e da "prisão" de D. Fernando foi construído pouco depois de chegarem à Espanha as notícias da sua abdicação (e pouco faltaria para que o começassem a apelidar de Desejado). Na verdade, em troca da sua abdicação, D. Fernando passou a viver no château de Valençay com o seu irmão D. Carlos e com o seu tio D. António (entre outros membros da sua comitiva), à custa de largas rendas provenientes dos cofres franceses. Contudo, a mitificação já estava consumada: "Na guerra da independência os espanhóis improvisaram tudo, começando pelo mito preciso, e que sempre lhes foi necessário para prosseguirem em diante. Aqui o mito foi o próprio Fernando, idealizado no seu Palácio-prisão de Valençay como modelo de virtudes, como acumulado de sofrimentos, como protótipo de integridade. O amado  Rei Fernando era como o príncipe encantado pelo qual combatia a Espanha inteira" [Fonte: Fernando Solano Costa, "Influencia de la Guerra de la Independencia en el pueblo español", in Revista de Historia Jerónimo Zurita, n.º 3, 1952, pp. 103-121, p. 108].

*** Na verdade, apesar de ser certo que algumas tropas inglesas tinham desembarcado perto de Cádis, nenhumas delas se tinham ainda envolvido, aquando da redacção deste manifesto, em qualquer tipo de luta no território espanhol.