quarta-feira, 16 de março de 2011

Napoleão e os affaires espanhóis (III)


Como atrás vimos, para além dos quase 110.000 militares franceses que já se encontravam na Península em meados de Fevereiro de 1808, Napoleão tinha dado ordens para que outros 15.000 da sua Guarda Imperial começassem também a dirigir-se em direcção a Bayonne, para daí entrarem na Espanha. Nessa cidade encontrava-se desde o dia 25 de Fevereiro Murat, Grão-Duque de Berg, cinco dias depois do seu cunhado Napoleão lhe ter nomeado Comandante em chefe dos exércitos imperiais que se encontravam na Espanha. No início de Março, começaram a chegar a Bayonne os primeiros corpos da Guarda Imperial, de acordo com a seguinte carta de Murat a Napoleão:



Bayonne, 2 de Março de 1808, às 5 horas da tarde

Sire, tenho a honra de dar conta a Vossa Majestade que a infantaria da sua Guarda chegou ontem a Bayonne, e que os caçadores a cavalo, os mamelucos e a cavalaria ligeira polaca chegaram hoje. Os dragões, os granadeiros e a gendarmaria de elite chegarão amanhã com os soldados da marinha. Eles combinarão a sua rota daqui até Vitória na mesma ordem, depois de terem descansado dois dias aqui. Enfim, a Guarda inteira de Vossa Majestade estará em Vitória entre os dias 10 e 12, tal como tive a honra de lhe anunciar. Esta Guarda está chegando em muito bom estado e em muito boa ordem. Toda a cidade corre para vê-la e admirar os seus belos uniformes. O senhor Coronel Frédéric disse-me que entre Bordeaux e Bayonne não deixou mais que dois homens para trás. O Regimento de cavalaria ligeira polaca não perdeu mais que dois cavalos.
Os cavalos de Vossa Majestade chegaram ontem em muito bom estado. O senhor Canisy, vosso escudeiro, executará para a sua marcha posterior as ordens que ontem lhe foram transmitidas pelo Marechal Duroc. Ele partirá somente depois de amanhã, pois tem necessidade de descansar.  
Vossa Majestade ordena que os seus cavalos vão até Burgos, e eu não tenho nenhuma ordem para a partida dos meus. Creio merecer um pouco da confiança da parte de Vossa Majestade; não deveria encontrar-me aqui sem saber até certo ponto que preparativos devo fazer para as movimentações militares que se executaram e para aqueles que estou destinado a fazer parte. Não é muito fácil organizar por aqui as equipagens e os transportes, e ainda por cima não sei de que natureza eles devem ser, se para uma longa expedição ou para alguns dias. À distância que me encontro de Paris, não será fácil trazer da minha casa os recursos que não posso conseguir aqui.
O estado da situação que recebi ontem à noite do senhor Marechal Moncey é o mesmo que me tinha enviado o ministro da Guerra; mas ele anuncia-me que fez um outro que eu me apressarei a fazer passar a Vossa Majestade no momento em que me chegar às mãos. Dois Ajudantes de Campo que enviei ao Douro ainda não regressaram. Os Generais comandantes dos diferentes corpos do exército em Espanha não foram ainda prevenidos da minha chegada para tomar o comando, embora o ministro, nas instruções que me deu na minha partida de Paris, me informasse que ia preveni-los.
O vice-prefeito de Bayonne anunciou-me esta manhã que acabava de ser informado que se ponderou à pouco tempo em Biscaia e em Navarra sobre a hipótese de se enviar uma deputação para me pedir para enviar aos pés do vosso trono o voto que eles formaram para se tornar vossos vassalos. O Príncipe da Paz é tão detestado por ali que, se não se acreditasse que é sustentado por Vossa Majestade, não se manteria por vinte e quatro horas.
Izquierdo passou ontem à noite por aqui com bastante pressa, e disse estar munido de uma missão importante de Vossa Majestade junto da sua Corte; e como ele apressou-se a mostrar o seu passaporte que deve servir para a ida e volta, e que era concebido nos mesmos termos do sr. Lima, auguram-se maus presságios sobre a sua missão. Ele pareceu-me bastante alarmado. 
Sou com profundo respeito, etc. 
P.S.: Tendo recebido a ordem de Vossa Majestade de não me corresponder sem autorização com o Governo espanhol, não penso ter o dever de responder às duas cartas particulares enviadas pelo Príncipe da Paz.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 303-305 (n.º 3046)].


Nesse mesmo dia, mas em Paris, Napoleão escrevia ao Grão-Duque de Berg, mandando aprontar os corpos de Dupont, Moncey e da Guarda Imperial para futuras movimentações:


Paris, 2 de Março de 1808 

Recebi a vossa carta de 27 de Fevereiro. Fazei com que o vosso Quartel-General esteja em Vitória no dia 10, e que ao mesmo tempo a minha Guarda [Imperial] tenha chegado aí.  
Dai ordem para que de 12 a 15 de Março o Marechal Moncey e o General Dupont estejam prontos para partir, e que reúnam os seus corpos, um em Valladolid e o outro de Burgos a Aranda, em escalões, com pão para 4 dias e biscoito para 8 ou 10 dias. Não é necessário que o Marechal Moncey recue até às tropas que tenha atrás de Aranda; estou informado que ele as tem a 3 ou 4 léguas atrás. Ele deve reunir, para o da 15, a sua cavalaria a sua 1.ª divisão com dezoito peças de canhão entre Aranda e Burgos. 
Dai ordem para que os cinco batalhões que estão em Bordeaux e que devem fazem parte da Divisão dos Pirenéus Ocidentais se dirijam para Bayonne. Como eles têm ainda a receber os novos recrutas, deixarão para esse efeito a sua 5.ª Companhia em Bordeaux. 
Tomareis medidas para que logo que seja possível essa brigada tome posse de San Sebastián. 
No dia 10 de Março, a Divisão Verdier deve começar a reunir-se em Bordeaux; mas como deve ter necessidade de descansar, dar-lhe-ei ordens posteriores. Aprovo a medida da minha Guarda bivacar ao entrar na Espanha para evitar a sarna.  
É necessário que os corpos dos Generais Moncey e Dupont disponham de marmitas para poder bivacar por Divisão e por brigada. 
O General Dupont deve ter pelo menos 60 caixões capazes de levar uma centena de rações de biscoito, o que assegurará víveres para cinco dias para o seu corpo do exército; ele prover-se-á de carroças da zona e de mulas de carga. 
[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 455-456 (n.º 13617)]. 


No dia 3, Murat escreve a Napoleão:



Bayonne, 3 de Março de 1808, às 9 horas da noite

[...] Desde que aqui cheguei, apressei-me a recolher e a transmitir-vos todas as informações possíveis sobre a situação da Espanha e sobre os corpos do exército que vós me confiastes o comando. Todas as novidades que recebo a cada dia de Espanha confirmam o que já tive a honra de vos escrever, ou seja, que se efectuaria uma insurreição se os habitantes não não estivessem completamente convencidos que Vossa Majestade mudará a administração. Os habitantes de Bayonne desejam também uma mudança na Espanha, mas receiam ao mesmo tempo que aconteça a este Reino o mesmo que aconteceu em Portugal, relativamente às posses da América. Eles não escondem que a perda do Brasil foi bastante prejudicial para aquele país. 
Tendo perguntado aos Coronéis da Guarda de Vossa Majestade se ela poderia continuar a sua rota sem fatigar muito os homens, e por outro lado vendo que a vossa ordem indica que toda ela deve estar em Vitória entre os dias 8 e 10, fiz marchar esta manhã, depois de ter passado revista, a infantaria, os caçadores, os mamelucos, a cavalaria ligeira e a artilharia. Esta cavalaria chegará no dia 8 a Vitória, e a infantaria no dia 9. Os dragões, os granadeiros, a gendarmaria de elite e os soldados de marinha chegarão aí no dia 10. Deixam-se alguns homens dos mais fatigados para escoltar os 1.500 pares de sapatos que eu expedi para se entregarem à infantaria, e os outros objectos que eles devem obter em Bayonne. Assim, as ordens de Vossa Majestade encontrar-se-ão pontualmente cumpridas no dia 10. Os cavalos de Vossa Majestade partem amanhã. Fiz dar a Canisy, vosso escudeiro, um piquete da gendarmaria de elite que ele me pediu. 
Não posso transmitir ainda a Vossa Majestade uma relação exacta sobre a situação dos seus exércitos, dado que as informações que pedi não chegaram; mas insisto em pedir para apressar a nomeação e o envio dum comissário ordenador para organizar os diferentes serviços. Pedem-me dinheiro de toda a parte; eu não tenho onde o ir buscar, e não conheço as disposições estabelecidas sobre os fundos que estão com o pagador. Será portanto necessário, se Vossa Majestade tardar ainda por chegar, que faça uma distribuição de fundos por cada serviço. Esta medida é indispensável. 
O General Darmagnac pergunta se ele deve apropriar-se dos armazéns de pólvora e dos diferentes arsenais [em Pamplona], e de dar as armas a quem aí se encontre. Respondi-lhe para colocar guardas por todo o lado, de maneira a dominar a situação, mas sem declarar a sua apropriação, respondendo com evasivas a todas as perguntas que lhe sejam feitas da parte do Vice-Rei para restituí-los. Darei as mesmas ordens para San Sebastián, logo que nós a ocuparmos. Há em Pamplona 232 bocas de fogo em bronze, 15 de diferentes calibres já estão montadas no seus trens, e devem ser dispostas em bateria. Encontram-se também doze mil espingardas no arsenal, tal como balas de espingarda pelo menos para todo o exército, segundo as palavras do General Darmagnac. Envio a Vossa Majestade o itinerário de Pamplona a Saragoça e a Almazán. Encontram-se ainda em Pamplona alguns desertores do exército francês que se encontravam nas prisões da cidadela antes da chegada das nossas tropas. Ordenei que eles fossem reconduzidos aos seus respectivos corpos. Rogo a Vossa Majestade para me dizer se se pode acordar uma gratificação de um par de sapatos para cada soldado, dado que o General Darmagnac me deu conta que os seus depósitos de vestuário e de calçado são insuficientes para poder conseguir dá-los. Este General pede também um ajudante e oficiais para o Regimento n.º 70, que não tem mais que um por companhia, e sendo esse o batalhão que mais necessidade tem de instruções. Ele pede que esse batalhão seja reforçado, tal como o do Regimento n.º 15 e o terceiro do n.º 47, que são demasiado fracos.
É muito importante que cheguem os oficiais de todas as armas [infantaria, cavalaria e artilharia] que foram nomeados; muitos batalhões têm necessidade deles. Quase todas as divisões encontram-se sem chefes e oficiais do Estado-Maior. Também quase que não há oficiais de engenharia, tal como Vossa Majestade poderá ver pelo estado aproximado que vai anexo. 
A contagem total dos diferentes corpos do exército oferece grandes dificuldades, dado que cada companhia tem uma particular, o que a torna extremamente difícil e complicada. É bastante desejável que Vossa Majestade se digne ocupar-se com esta contagem, e que a compare com a de todos os regimentos regulares.
Será necessário que Vossa Majestade dê ordens para fazer melhorar o caminho de Bordeaux a Bayonne. Esta via de comunicação é importante demais para estar há tanto tempo em tão mau estado.
General Drouet não me deu ainda a conhecer o estado da organização dos quintos batalhões das quatro primeiras legiões. Julgo que os homens das companhias departamentais que devem ir completá-las ainda não chegaram.  
Instruído que os depósitos dos diferentes corpos do exército estarão bem instalados em San Sebastián, que julguei conveniente fazer ocupar, mandei prevenir esta manhã o Duque de Mahón, governador daquela praça, que envio para ali alguns corpos. San Sebastián oferecer-nos-á então locais para o estabelecimento de um hospital; a vizinhança do mar torna o ar extremamente saudável. Os franceses ficarão perfeitamente bem e, por outro lado, é um ponto essencial para se guardar. Os corpos estabelecidos em San Sebastián não custarão nada a Vossa Majestade.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 306-308 (n.º 3049)].


Ainda no mesma noite, Murat volta a escrever a Napoleão sobre uma suposta ocurrência em San Sebastián:


Bayonne, 3 de Março de 1808, às 9 horas da noite 


Sire, quando a minha carta já tinha partido, o senhor Barbeau, comandante da gabarra francesa Réjouie, em San Sebastián, veio expressamente para me advertir da parte do agente da França que o governador acabava de receber a ordem de repelir os franceses pela força, se eles se apresentassem para ocupar esta praça. Fiz partir imediatamente um oficial para me assegurar até que ponto a notícia do oficial da marinha é fundamentada. A guarnição não tem mais de 1.500 homens; prometo a Vossa Majestade que usarei a razão no caso de sermos repelidos. Enviarei notícias positivas a Vossa Majestade amanhã à noite, através de um estafeta.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, p. 309 (n.º 3051)].





Na noite seguinte, Murat volta a escrever a Napoleão sobre este episódio:

Bayonne, 4 de Março de 1808, à meia-noite


Sire, apresso-me a enviar a Vossa Majestade a resposta do senhor Duque de Mahón, Governador da província de Guipúzcoa. Ela parece confirmar até certo ponto o relato do oficial de marinha que eu vos dei a conhecer ontem. Encarreguei o General Exelmans para se dirigir até ele e lhe entregar uma carta pela qual, de acordo com as vossas instruções, insisto em que as reservas dos diferentes corpos do exército que estão em Espanha sejam recebidas na praça e no forte de San Sebastián. Fiz-lhe observar que os reservas, os doentes e os armazéns não estariam em segurança nas aldeias, onde pelo contrário estariam expostos aos movimentos populares que a malícia poderia fazer surgir, e que eles não devem ficar expostos mas sim dentro das muralhas e sob a protecção dos canhões. Fiz-lhe perceber que quando os franceses ocupam Barcelona e Pamplona, quando estão estabelecidos sobre o Douro, quando penetraram na Espanha com o consentimento de Sua Majestade Cátolica, quando foram recebidos e são tratados como aliados, não se pode recusar um asilo aos doentes, que são assim obrigados a recuar; que San Sebastián é também necessário para a nossa segurança e para a manutenção das nossas comunicações com a França. Disse que ele seria o responsável do que sucedesse depois duma resistência que pode comprometer o sucesso dos projectos acordados entre os dois Governos, ou alterar a amizade que os une. Se ele persiste nessa medida, logo verei se não farei marchar a Guarda de Vossa Majestade que se encontrará quase completamente reunida depois de amanhã em Couani [sic], que fica a cerca de uma légua de San Sebastián. Contudo, não tomarei esta medida a não ser em última hipótese; estaria desesperado se contrariasse os projectos de Vossa Majestade; mas por outro lado devo executar as suas ordens que determinam que juntamente com Pamplona devo ocupar San Sebastián e os outros fortes que se encontram entre Valldolid, Pamplona e a França. Terei tempo para suspender a partida da 3.ª divisão do corpo do Marechal Moncey, que não deve sair de Vitória antes do dia 7. De resto, este golpe [siccoup de mainnão pode tardar muito tempo; este assunto não demorará muitos dias , de acordo com os relatos que me fizeram que a praça está bastante mal armada, e que não tem mais que 600 homens de guarnição. A artilharia que se dirige ao corpo do Marechal Moncey encontrar-se-á oportunamente reunida com a Guarda de Vossa Majestade, depois de amanhã, em Couani.  
Acabam de chegar os meus Ajudantes de Campo que enviei aos corpos do Marechal Moncey e do General Dupont, e não perco um instante para vos enviar os estados da situação e as diferentes informações que eles me deram. Vossa Majestade verá que as suas tropas têm escassez de forragens, dado que não ocupam os territórios mais belos e mais férteis; e quão longe estão os Estados-Maiores e os administradores de se organizarem! Uma estadia mais longa nos mesmos acantonamentos pode comprometer as subsistências. 
O senhor Marechal Moncey desejava conservar o General Merle; ele teria preferido ver partir para o seu destino o General Gobert, oficial de engenharia, que, diz ele, teria sido melhor empregue em Pamplona. O General Merle ser-lhe-ia mais útil para a instrução das tropas.  
O General Dupont reclama como um grande favor a autorização de formar companhias de granadeiros e de atiradores [sic: voltigeursnas legiões. Uma feliz emulação de bravura, de firmeza e de disciplina militar, será, diz ele, o resultado desta medida, que é vivamente solicitada por todos os chefes dos corpos. O trabalho relativo a esta formação está pronto; ele não necessitará de criar novas companhias. Ele fará passar à primeira e à oitava companhia de cada batalhão os homens escolhidos para ser granadeiros e atiradores. Como julgo que a chegada de Vossa Majestade está próxima, não darei nenhuma autorização.  
A notícia das gratificações que Vossa Majestade acaba de conceder aos oficiais da sua Guarda foi-lhes comunicada hoje. Se ela trouxe a alegria e a felicidade àqueles que as vão desfrutar, trouxe a consternação aos oficiais da marinha, que, como me disseram, não são menos devotos ao vosso serviço. Ousei responder e garantir-lhes que era impossível que Vossa Majestade quisesse privá-los dessa recompensa. Dei a mesma garantia a Olivier, Tenente dos granadeiros a cavalo, que posso invocar como um dos oficiais mais bravos da Guarda.  
O estafeta que leva a Vossa Majestade as cartas de Bayonne tem pressa em partir; terei a honra de vos escrever amanhã com mais tempo.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 309-311 (n.º 3052)].

Praça de San Sebastián por volta de 1813
(Maquete de Gorka Agirre)


Vejamos agora a carta (acima referida) que Murat escreveu ao Duque de Mahón, Governador de Guipúzcoa em San Sebastián:


4 de Março de 1808, à meia-noite 

Senhor Duque, o meu chefe do Estado-Maior acaba de me comunicar a resposta que vós destes ao pedido que ele vos fez, de acordo com as minhas ordens para receberdes em San Sebastián algumas reservas pertencentes aos diferentes corpos do exército na Espanha. Ela surpreendeu-me, dado que a vossa recusa parece indicar ordens da vossa Corte contrárias à boa harmonia existente entre a França e a Espanha, e que da minha parte farei o que estiver ao meu alcance para a manter. Pedistes, conforme dizeis, ordens ao vosso Governo, e é surpreendente que não as tenhais trazido, dado que recentemente chegastes de Madrid para tomar o Governo geral da província, e que, na época da vossa partida, os pedidos de ocupação das praças e fortes tinham já sido feitos sobre outros pontos. Deveis assim saber presentemente o que tendes de fazer. Em relação a mim, senhor Duque, estou resolvido a insistir nessa ocupação. Por muito que me seja doloroso parar o curso das operações definitivamente combinadas entre as duas Cortes de Espanha e da França, faço assim suspender a marcha de algumas tropas que tinham um outro destino. Não me posso dispor a deixar as reservas nas aldeias; elas não teriam nenhuma segurança. Quem defender-me-ia e quem as defenderia, bem como os seus abastecimentos, dos movimentos populares que a malícia poderia fazer surgir? Quem me garantiria a segurança do caminho de Vitória a Bayonne? Ninguém. Eles não podem ficar expostos mas sim dentro das muralhas, protegidos pelos canhões. Repito-vos portanto eu próprio o pedido para as tropas de Sua Majestade o Imperador serem recebidas em San Sebastián; e é com pesar que me vejo forçado a insistir sobre este ponto, e a responsabilizar-vos das consequências de uma resistência que pode comprometer ou retardar o sucesso dos projectos que interessam essencialmente aos dois Governos, ou alterar a amizade que os une tão estreitamente. Reflecti; eu esperarei durante amanhã pela vossa última resolução; depois de amanhã levarei a minha adiante. Pensai que quando os franceses são senhores de Pamplona, de Barcelona, quando estão sobre o Douro, quando ocupam Portugal, devem ser recebidos em San Sebastián. As tropas de Sua Majestade o Imperador e Rei estão na Espanha com o consentimento de Sua Majestade Católica; são recebidas com amizade, continua-se a tratá-las como aliadas, e vós sois o primeiro a vê-las como inimigas, pela recusa que fazeis de acudir na vossa praça somente o asilo dos doentes, das reservas e dos abastecimentos. 
A Corte da Espanha tinha mais que a garantia dos meus sentimentos pelos seus interesses, e não me poderão ser atribuídos outros nesta circunstância. Creio mesmo que ela está persuadida que não recusareis o meu pedido sem correrdes o risco de ser vivamente censurado. Estou ressentido que as ordens da vossa Corte me privem do prazer que teria em receber-vos e a travar conhecimento com um dos descendentes do bravo Crillon
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 311-313 (n.º 3053)].



Finalmente, no dia 6, Murat foi informado de que o Duque de Mahón tinha acabado de receber ordens de Godoy (datadas de 3 de Março) para render amigavelmente a praça de San Sebastián [Cf. Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, p. 317; cf. também com Cuenta dada de su vida política por Don Manuel Godoy, Príncipe de la Paz - Tomo V, Madrid, Imprenta de I. Sancha, 1838, pp. 376-379], que se tornaria assim na quarta fortificação ocupada pelos franceses na Espanha (depois de duas em Barcelona e da cidadela de Pamplona), sem um tiro disparado. Ainda nessa noite Murat também recebeu as ordens de Napoleão acima transcritas, datadas de 2 de Março, escrevendo-lhe logo de seguida:


Bayonne, 6 de Março de 1808, à meia-noite 

Sire, acabo de receber a carta de Vossa Majestade de 2 de Março. Dou as consequentes ordens ao Marechal Moncey e ao General Dupont. Estarei em Vitória no dia 9; toda a Guarda de Vossa Majestade estará aí reunida no dia 10, a menos que os soldados de marinha que me pareceram bastante fadigados falam um paragem no caminho; mas em todo o caso eles estarão aí no dia 11.  
O Duque de Mahón receberá as tropas de Vossa Majestade na cidadela de San Sebastián, que está ocupada neste momento por apenas 400 espanhóis. Enviarei cerca de 400 homens dos diferentes depósitos que se encontram aqui; eles ocuparão a praça até à chegada da brigada que fiz vir de Bordeaux, de acordo com as vossas ordens. O Duque de Mahón vai prestar contas desta ocupação à sua Corte, e como ele presume que a sua conduta será aprovada, teve a confiança de me pedir que, em caso contrário, eu lhe devolverei a praça. Como não vi nesse pedido mais que uma infantilidade, não hesitei em lho fazer prometer através do meu chefe do Estado-Maior. 
Pensei que o essencial em primeiro lugar era a ocupação da cidadela. Não há dúvida que, negando-a, ele queria passar à posterioridade o nome de Crillon em toda a sua pureza! Dei ordem ao General Lariboisière de enviar para aí provisoriamente alguns artilheiros. Vou nomear um comandante para aí e enviarei um oficial de engenharia, se Vossa Majestade julgar ser conveniente armar essa praça.  
O Ajudante de Campo do Marechal Moncey, que se encontra aqui, dá-me conta que o seu corpo encontra-se completamente desprovido de bidons e de marmitas e que ele prevê a impossibilidade de os conseguir em Burgos; dei ordem de procurá-los em Bayonne.  
Sire, não deixarei de continuar a pedir a Vossa Majestade um ordenador, um chefe dos médicos, um chefe dos cirurgiões, um director geral dos correios, um comandante de engenharia, um chefe dos inspectores de revistas, numa palavra, um chefe de cada serviço. Sem isto é bem difícil fazer marchar a máquina. Espero ter em breve a felicidade de ver Vossa Majestade; entretanto, não descurarei nada para que à sua chegada encontreis os seus exércitos na melhor ordem. 
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 316-317 (n.º 3059)].



Em Paris, Napoleão também tinha nesse dia começado a escrever a seguinte carta ao Grão-Duque de Berg, embora só a finalizasse no dia 7. Como se nota, Napoleão continuava a não revelar as suas intenções a Murat, dando-lhe apenas ordens para pequenas movimentações que convergiam em direcção a Madrid:

Paris, 6 de Março de 1808 
Recebi a vossa carta de 2 de Março. Deveis ter recebido, no dia 5, a carta que eu vos escrevi no mesmo dia 2, através da qual vos ordenei a passardes o vosso Quartel-General para Vitória e para estardes aí no dia 10. Podeis passar o Vosso Quartel-General para Burgos e estardes aí no dia 12. Dirigi a minha Guarda sobre Burgos; mas reuni as escoltas da cavalaria e da gendarmaria entre Bayonne e Burgos, de maneira que eu tenha em cada posto para a minha escolta pelo menos trinta homens. Suponho que no dia 14 de Março a minha Guarda estará em Burgos; que o Marechal Moncey terá reunido o seu corpo do exército entre Aranda e Burgos, e que o próprio Moncey estará em Aranda com a sua cavalaria, a sua primeira divisão e dezoito peças de canhão; que a sua segunda divisão estará a uma marcha da primeira, e a sua terceira divisão estará em Burgos; que o General Dupont estará no mesmo dia em Valladolid com a sua primeira divisão, a sua cavalaria e dezoito peças de canhão, e as suas outras duas divisões estarão a uma meia-marcha da vanguarda; e estes dois corpos do exército terão pão e biscoito para uma dúzia de dias. Os meus cavalos deverão igualmente estar em Burgos. Um pajem e uma brigada seguirão o Quartel-General do Marechal Moncey; um outro pajem e uma brigada estarão perto do General Dupont. O resto dos meus cavalos ficará em Burgos. Canisy organizará cada brigada de maneira que ela tenha aí dois cavalos para mim, malas para selas, etc. 
Se não houver nenhuma novidade e o Príncipe da Paz vos escrever, podereis responder-lhe uma carta insignificante, na qual lhe direis que as minhas ordens conduziram-vos à Espanha para passardes revista às minhas tropas, portanto ignorais o destino das mesmas, e que ficareis satisfeito se as circunstâncias vos permitirem descobri-lo. 
Para comandar toda a zona compreendida entre Valladolid e os Pirenéus, tereis o cuidado de colocar um dos Generais de brigada que estão seguindo o exército.
Fazei enviar de Vitória e de Bayonne 100.000 rações de biscoito para a cidadela de Pamplona. Que o General Merle o aprovisione sem assustar os habitantes, e que ele faça também recolher a pólvora que está fora da cidade. É necessária nessa cidadela meia companhia de artilharia. Consequentemente, dai ordem para se dirigir para ali metade duma das duas que se encontram em Bayonne. Dispõe-na com um chefe de batalhão de artilharia que o General Lariboisière designará, um oficial de engenheiros, um bom comandante, dois ajudantes de praça [sic: adjudants de place] e um comissário de guerra. Que tudo isto seja feito prontamente, a fim de que, logo que eu julgue que seja conveniente fazer a divisão do General Merle reunir-se ao resto do exército, esteja em posse do posto importante da cidadela de Pamplona com um milhar de recrutas. O hospital [de campanhadeve estar na cidade, de maneira que a guarnição possa viver isolada, se necessário. Dai-me a conhecer quem nomeareis.

7 de Março
P.S. Activai todos os movimentos dos corpos dos Generais Moncey e Dupont, de maneira a que o Marechal Moncey possa alcançar, o mais rápido possível, as montanhas que separam Burgos de Madrid. 
Suponho que estareis no dia 12 em Burgos. Enviai os vossos cavalos na direcção de Aranda, e segui o movimento do Marechal Moncey, que estará em posição de entrar primeiro em Madrid. Que ele reúna a sua cavalaria e a sua primeira divisão a três ou quatro léguas adiante de Aranda, a sua segunda divisão em Aranda, e a sua terceira divisão entre Aranda e Burgos; que ele esteja pronto a partir no dia 14, provido abundantemente de víveres, e que a sua cavalaria esteja na dianteira. 
 [Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 463-465 (n.º 13626)]. 



A 7 de Março, enquanto se ia tornando conhecido o edital que o corregedor de Bayonne tinha mandado publicar naquele dia, anunciando aos habitantes que o Imperador em breve chegaria àquela cidade [cf. Gazeta de Madrid, n.º 23, 18 de marzo de 1808, p. 276], escrevia Murat a Napoleão sobre as dificuldades que sofriam as tropas francesas em Barcelona:


Bayonne, 7 de Março de 1808

Sire, acabo de receber notícias do General Duhesme, e não perco um minuto para enviar a Vossa Majestade todas as suas cartas originais. Parece que a tranquilidade não foi inteiramente restabelecida em Barcelona; foram assassinados soldados franceses, aparentemente de propósito, e como podereis ver pela carta do dia 3, no momento da partida do correio, a guarnição da praça, composta por guardas espanholas e valonas, andava pela cidade em grupos de quarenta homens com um ar ameaçador acompanhado de provocações. São lançadas pedras e tiros de espingardas das janelas e dos telhados das casas, ouvem-se gritos de morte contra os franceses; o que parece ser justificado aos olhos da Espanha e da Europa pela ocupação da cidadela e dos fortes de Barcelona. Vossa Majestade verá igualmente que esta divisão está bem longe de estar organizada; ela reclama comissários e inspectores de revistas, e ainda não tem um pagador francês. O General Duhesme anuncia-me que enviará as suas cartas diárias, mas como se podem passar dum momento para o outro acontecimentos extraordinários na Catalunha, vou ordenar-lhe para que ao mesmo tempo que me informe, faça-o também ao Ministro da Guerra, a fim de que Vossa Majestade seja o mais prontamente instruído e possa dar as suas ordens particulares.
O General Duhesme parece atribuir o descontentamento que se manifesta à miséria em que mergulharam os operários que se encontram sem recursos para acabar as manufacturas; e julgo bastante sábia a medida que ele propõe de enviar grãos de França, que serão vistos naquele território como uma gentileza de Vossa Majestade; acalmar-se-ão os espíritos incendiados pelos padres, monges e oficiais espanhóis. Vou ordenar-lhe para tratar de se apoderar de Figueras; não sei se não se deveria ter começado por lá. Vou igualmente repetir as instruções que lhe dei para ter as tropas reunidas o melhor possível e em condições para enfrentar toda a espécie de motins populares. 
Estou desolado de estar tão longe dele; pelo correio normal, é necessário pelo menos doze ou catorze dias para obter resposta.  
O Marechal Moncey e o General Dupont não param de me pedir os oficiais que faltam nos seus corpos. 
O General Dupont pede-mos sobretudo para a sua cavalaria; pede também o envio dos efeitos e dos fundos pertencentes aos batalhões de guerra das legiões. Esta medida é indispensável, diz ele, para a sua manutenção em campanha; como as suas massas continuam em depósitos na França, é lhe impossível de prover as necessidades que eles têm e que se tornam a cada dia mais urgentes. 
Foram nomeados deputados para as províncias de Guipúzcoa e de Navarra para vir receber Vossa Majestade nas suas fronteiras; as províncias vêm-se já como francesas, os espíritos não poderiam estar melhor dispostos. Contudo, os rumores que se espalharam duma entrevista de Vossa Majestade com Sua Majestade Católica em Valladolid, parece desde há dois dias ter enfraquecido o entusiasmo que se manifestava por todo o lado. Não se pode dissimular que o Príncipe da Paz agia secretamente contra a França; mas todos os seus esforços e o seu potente crédito ruirão com a notícia da sua desgraça.  
Recebi com prazer as últimas ordens de Vossa Majestade, que parecem indicar o começo das operações. Creio que poderia tornar-se perigoso deixar à malícia o tempo livre para agir e para preparar os seus meios contra nós. 
O General Lariboisière chegou ontem de manhã, e vai passar a Burgos. Talvez  ele mesmo faça o reconhecimento  de San Sebastián, na sua passagem.  
Deve chegar aqui no dia 14 de Março um destacamento do trem de artilharia da Guarda, com a força de cerca de 72 homens e 122 cavalos. Deixarei ordens para a continuação da sua rota até ao exército.  
Aqui e nos departamentos vizinhos tentam-se obter mulas; o prefeito deu-me conta que era impossível obter cestos cobertos de tela oleada, e por isso autorizei-lhe para os mandar confeccionar aqui. 
Partirei esta noite para Vitória, onde estarei no dia 9. Os meios para viajar são aqui muito difíceis, demasiado lentos, e bastante caros. 
P.S.: O General Lariboisière julga serem indispensáveis as companhias de artilharia; para além de ter somente 14 para 120 bocas de fogo, é obrigado a metê-las nos diferentes fortes, praças ou cidadelas que ocupamos e ocuparemos. 
Junto à minha carta uma do General Mouton.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 319-321 (n.º 3063)].


Em Paris, Napoleão recebeu no dia 7 uma carta de Junot sobre o regresso das tropas do General Solano à Espanha. Como vimos no momento oportuno, Napoleão ordenou então Junot para perseguir estas tropas com um contingente bastante considerável das tropas francesas que estavam sob o seu comando. Confiando que a sua carta chegaria a tempo e que Junot daria conta do recado, Napoleão tardará ainda dois dias para referir esse facto a Murat. Entretanto, na carta que lhe envia no dia 8, são-lhe dadas outras instruções: 


Paris, 8 de Março
Recebi todos os relatórios sobre os estados da situação que vinham juntos às vossas cartas dos dias 4 e 5. Estou indignado por saber que os salários dos corpos do General Dupont e do Marechal Moncey têm um atraso de dois meses. Mandei procurar Mollien [Ministro do Tesouro Público] para lhe testemunhar o meu descontentamento. Dou ordem para que o pagador do tesouro, que está em Bordeaux com uma caixa de três milhões, parte o mais rápido possível para o Quartel-General [em Burgos]. Ele marchará doravante com a minha Guarda. Dai ordem a todos os Generais e oficiais do Estado-Maior que se encontrem em Bayonne para passarem para Burgos, com a excepção de Monthion e dum oficial do Estado-Maior que Berthier deve ter enviado a Bayonne para corresponder-se com ele. Enviai os dois primeiros Generais que cheguem a Burgos, um ao Marechal Moncey, e o outro ao General Dupont, que lhes colocarão nas divisões onde faltam.  
Assim que chegardes a Burgos, escrevereis uma carta aos governadores de Burgos, de Álava, de Guipúzcoa, de Biscaia e de Castela-a-Velha, que enviareis aos intendentes dessas províncias. Esta carta será concebida assim:  
"Parti de Paris há quinze dias para vir tomar o comando das tropas de Sua Majestade o Imperador, e não tardei em ser informado, quando entrei na Espanha, que as vossas províncias tinham feito adiantamentos consideráveis para as tropas francesas, e que essas despesas eram suportadas pelas próprias províncias. Sua Majestade encarregou-me de vos informar que a sua intenção é que estas províncias sejam exactamente reembolsadas das despesas que elas fizeram para as suas tropas. Convido-vos assim a enviar sem demora as relações [das despesas] ao intendente do exército. Desde que estou no meio de vós, tenho recebido os bons sentimentos que vos animam; referi-lo-ei a Sua Majestade, que tem tanta estima e amizade pelos espanhóis e que tem o maior interesse de contribuir ao bem deste país". 
Fareis traduzir esta carta em espanhol, e fareis imprimi-la nas gazetas, se existirem; senão, fareis transcrevê-la em pequenos boletins à mão que fareis circular sem destinatário. 
Acabei de ver Mollien. Ele fez partir agora mesmo um estafeta que leva ao pagador a ordem de passar a Bayonne com um milhão, de maneira que no dia 15 de Março o General Dupont e o Marechal Moncey tenham recebido as somas que os seus corpos têm necessidade. Da vossa parte, dai ordens positivas para que os oficiais sejam pagos de tudo o que se lhes deve até ao dia 1 de Março. Fará falta retardar a marcha por um dia, se isso for necessário. A minha intenção é que o soldado tenha sempre o bolso cheio durante a sua marcha, dado que assim não pilhará, e comprará os objectos que tiver necessidade. Recomendai que os Quartéis-Generais estejam exactamente nas suas distribuições, e fazei uma ordem do dia severa sobre isso, tal como sobre a manutenção da disciplina.
Fareis igualmente de inserir o que se segue à ordem do exército: 
"Sua Majestade o Imperador, instruído que os oficiais e soldados do seu exército na Espanha perdem consideravelmente no câmbio da moeda, ordenou que a diferença fosse suportada pelo tesouro. Será feita, em consequência, uma revisão particular, a partir da entrada na Espanha, sobre a qual se acordará a diferença de uma à outra moeda. Sua Majestade tomou conhecimento com prazer da boa disciplina que tem observado o exército; ela lhe testemunha a sua satisfação e lhe convida a continuar da mesma maneira e a ter o maior respeito pelo povo espanhol, estimável por tantos títulos. O soldado deve tratar os espanhóis como trataria os próprios franceses. A amizade das duas nações é antiga; ela deve ser consolidada nas circunstâncias actuais, não tendo Sua Majestade em vista mais que os assuntos úteis e vantajosos à nação espanhola, pela qual sempre teve na maior estima". 
Tereis o cuidado de enviardes a vossa carta aos governadores, e que essa ordem seja traduzida em espanhol e difundida nas duas línguas.
 [Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 466-468 (n.º 13628)]. 



No dia 9 de Março, Napoleão escreve a seguinte carta a Champagny, Ministro das Relações Exteriores, para que este por sua vez escrevesse uma carta ao embaixador francês junto da Corte espanhola:

Paris, 9 de Março de 1808

Monsieur de Champagny, desejo que envieis hoje alguém para a Espanha; podereis enviar o senhor Vandeul. Hoje é dia 9, é necessário que ele esteja em Madrid no dia 15. Ele será portador duma carta vossa ao senhor Beauharnais, pela qual encarregareis este embaixador de informar o Generalíssimo [Godoy], durante o dia 15 ou no dia 16, que duas divisões francesas devem passar a Cádis, estacionando algum tempo em Madrid, e de pedir que todas as disposições sejam feitas para a sua recepção; que uma dessas divisões será destacada do corpo que está em Valladolid, e a outra daquele que está em Aranda; que essas duas divisões reunidas formarão 50.000 homens. 
Instruireis o senhor Beauharnais que o Grão-Duque de Berg veio para tomar o comando deste corpo, e que ele deve chegar no dia 14 a Burgos com o corpo de reserva, composto de duas outras divisões compostas por quase 50.000 homens; que o General Solano abandonou o Tejo com a sua divisão no dia 3 de Março, devendo chegar no dia 10 a Badajoz, e daí dirigir-se a Cádis ou a Madrid. Se ele se dirige para Madrid, o senhor Beauharnais questionará qual é o motivo dessa reunião, e se a sua intenção é opor-se às tropas francesas. Se o General Solano se dirige para Cádis, o senhor Beauharnais queixar-se-á somente do facto desse General ter abandonado assim Portugal, e, por isso, comprometido a existência do exército francês nesse país. O senhor Beauharnais não deixará de enviar ao Grão-Duque de Berg um agente de confiança por Aranda e Burgos, para o instruir do que se passa no lado de Madrid. Encarregareis o senhor Vandeul de partir de Madrid o mais rápido possível, sem esperar a resposta da corte da Espanha, de maneira a estar em Aranda no dia 18 e em Burgos a 19. Quando ele esteja a meio caminho entre Aranda e Madrid, enviará alguém ao Grão-Duque de Berg para instruí-lo acerca daquilo que ele observou e que valha a pena, e dos movimentos da Divisão Solano, se de Badajoz ela se dirige para Madrid ou para Cádis. Acrescentareis em cifra, ao senhor Beauharnais, que um exército francês de 50.000 homens entrará em Madrid a 22 ou a 23. Recomendar-lhe-eis para reassegurar e espalhar pelos partidários do Príncipe da Paz e do Príncipe das Astúrias que o meu projecto é passar a Cádis para sitiar Gibraltar e passar a África, e entretanto resolver os negócios [sicaffaires] da Espanha, de maneira que não haja dúvida alguma sobre a sucessão desse reino. Se o Príncipe da Paz ou o Príncipe das Astúrias deixa entrever o desejo de ir a Burgos, isso ser-me-á bastante agradável; não importa quem venha, o importante é recebê-lo. O senhor Beauharnais deve tomar todas as medidas para que os víveres estejam assegurados em Madrid para esta grande quantidade de tropas. 
Napoleão
[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 468-469 (n.º 13629)]. 




Ainda no mesmo dia, Napoleão volta a escrever ao Grão Duque de Berg:


Paris, 9 de Março de 1808 

Recebi a vossa carta de 6 de Março. Vejo com prazer que o assunto de San Sebastián teve um bom desfecho. A menor hostilidade sobre este ponto ter-me-ia sido bastante desagradável. Hoje é dia 9. Suponho que estejais em Vitória, donde receberei novidades vossas. Estareis em Burgos provavelmente no dia 14. O principal é que o Marechal Moncey dirija as suas 300.000 rações de biscoito para Aranda (o General Dupont já tem as suas em Valladolid), e que os dois corpos do exército tenham consigo o seu pão e o seu biscoito para uns quinze dias, a fim de evitar toda a desordem e para se assegurar que o exército marche em boa ordem. O Major-General enviar-vos-á as ordens dos movimentos por um oficial do Estado-Maior que vos alcançará antes do estafeta, dado que ele parte hoje às seis horas da tarde. Espero que a minha Guarda estará toda reunida em Burgos no dia 14 ou 15, e que tereis assegurada uma escolta de Bayonne a Burgos. Dei ordem ao General Merle para deixar 1.000 homens na cidadela de Pamplona e para passar a Vitória, onde estará no dia 15 ou 16. A sua segunda brigada, composta por cinco batalhões da reserva que eu supunha que chegassem no dia 12 ou 14 a Bordeaux, e que provavelmente estará em Bayonne no dia 16 ou 17, dirigirá igualmente a sua marcha em direcção a Vitória, para aumentar ainda mais a Divisão Merle. Finalmente, a Divisão Verdier, que chega hoje e amanhã a Bordeaux, chegará a 17 ou 18 a Bayonne, e formará a segunda divisão de reserva. Quatro regimentos de marcha de cavalaria, que chegarão a Bayonne a 20 ou 21, continuarão a sua rota em direcção a Vitória, para se disporem sob as ordens do General Merle. A segunda parte da minha Guarda, composta por fuzileiros e muitos destacamentos de cavalaria, formando 3.000 homens e 500 cavalos, chegará a Bordeaux a 20 e continuará a sua marcha, o que formará sobre a retaguarda uma reserva bastante considerável, manterá a minha comunicação com Madrid, e fará frente às tropas espanholas da Galiza. É necessário que o General Merle faça o seu movimento desde Pamplona de maneira a que seja minimamente percebido. Ele deixará o General Darmagnac com mil homens na cidadela. 
Vereis pelas ordens que recebereis do Major General que, no dia 16, a segunda divisão do Marechal Moncey deverá estar em Aranda, de maneira que, a 17, o General Grouchy com as duas brigadas de cavalaria (tendo cada uma três peças de artilharia ligeira), a primeira e a segunda divisão do Marechal Moncey, se ponham em marcha sobre a montanha de Somosierra, para chegar no dia 18 ao entardecer ao pé dessa montanha, passá-la no dia 19, e estacionar no dia 20, se não receberdes novas ordens. No dia 20 a terceira divisão do Marechal Moncey seguirá, de maneira que a 21 todo o seu corpo se encontre reunido a um dia de marcha detrás da montanha; que o General Dupont marchará de maneira a se encontrar no dia 19 na intersecção dos caminhos de Segóvia e San Ildefonso com o de Madrid; que ele não terá consigo mais que a sua cavalaria, a sua artilharia e duas divisões, e que ele deixará a terceira divisão em Valladolid para observar o corpo espanhol que está na Galiza. É necessário que tenhais informações positivas sobre o lugar onde se encontra esse corpo, e que o General que comandará nesse lado tenha o cuidado de vos informar de tudo o que venha ao seu conhecimento. O Marechal Moncey deve marchar com a sua segunda divisão; vós, com a terceira. As divisões devem acampar por brigadas, conservando entre cada brigada uma distância de uma légua, e uma distância de seis ou sete léguas entre a última brigada do exército e a vanguarda. Se chegar a acontecer o caso dos espanhóis estarem em condições de se defenderem em Madrid, o General Dupont deve dirigir-se a San Ildefonso, reunir-se convosco e marcharem para Madrid simultaneamente, se isso for necessário.
Finalmente, o exército deve estar abundantemente provido de tudo, e marchar na melhor ordem. Retardai o vosso próprio movimento por um dia, por pouco que seja necessário, a fim de que não haja retardatários. De resto, é necessário marchar com confiança e em atitude de paz, tomando contudo as precauções convenientes. Enviai-me para Burgos e Bayonne homens de consideração que possam ser enviados pela Espanha, mesmo o Príncipe da Paz ou o Príncipe das Astúrias, se eles vierem. Que tudo o que digais seja pacífico; dizei que marchais para Cádis e Gibraltar. Escrevi-vos ontem que a minha intenção é que antes da partida o soldo esteja pago até ao 1.º de Março aos oficiais e aos soldados, e que o pagador de Bayonne receba as devidas ordens. Isto é muito importante para que o soldado não pilhe e possa comprar o que tiver necessidade. É necessário que as caixas sejam abundantemente providas, a fim de que, chegando a Madrid, se pague o soldo corrente com exactidão, e que se reembolse as perdas provenientes do câmbio da moeda. 
O General Solano partiu da margem esquerda do Tejo para Badajoz, onde chegará no dia 10, a fim de se dirigir para Cádis ou para Madrid. O importante é saber qual das duas rotas ele seguirá ao partir de Badajoz.  
Estarei em Burgos provavelmente no dia 22. Já vos recomendei para fazerdes seguir por uma brigada dos meus cavalos a divisão do Marechal Moncey, e para enviar uma outra à divisão do General Dupont. Os meus cavalos devem seguir o vosso Quartel-General, excepto uma reserva, que ficará em Burgos. Tomai, juntamente com os cavalos que seguirão o vosso Quartel-General, uma companhia de 60 gendarmes de elite, os mamelucos, 60 caçadores, 60 granadeiros, 60 dragões e 120 polacos com três peças de artilharia ligeira. Estes 300 ou 400 homens formar-vos-ão uma reserva. O resto da minha cavalaria será espalhado entre Burgos e Aranda, e entre Burgos e Bayonne, para a minha escolta. Fazei de maneira que, independentemente da infantaria, haja em Vitória suficiente cavalaria para a minha escolta e para a minha guarda. 
Tranquilizai o melhor possível o Príncipe da Paz, o Rei, todo o mundo. O mais importante de tudo é que a maior ordem seja observada durante a marcha.  
Reitero-vos ainda que nenhum dos movimentos acima indicados exige pressa; que se for necessário, dever-se-á retardar um ou dois dias; que os corpos devem estar munidos de víveres e biscoito para quinze dias, bem vestidos, bem armados, com cinquenta cartuchos por homem; enfim, estarem em condições, depois de passada a montanha, de fazer grandes marchas, se receberem ordens nesse sentido. Disse-vos que a montanha devia ser passada no dia 19. Não há nenhum inconveniente em passá-la a 20 ou a 21; mas, se assim for, o corpo do General Dupont deve marchar sempre em consequência.
[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 473-476 (n.º 13632)]. 




No dia 10, Napoleão escreve ao General Clarke, Ministro da Guerra:


Paris, 10 de Março de 1808 
Enviai um correio extraordinário ao General Duhesme para lhe dar ordens para permanecer em Barcelona. A ordem que dei ao Grão-Duque de Berg para tomar Figueras é uma loucura: ele deve ter as suas tropas concentradas em Barcelona; 18.000 homens estarão, no fim de Março, sobre as fronteiras; se for necessário, estas tropas ocuparão Figueras. Suponho que o seu pagador chegou com o soldo; suponho igualmente que chegaram os seus oficiais de artilharia e de engenharia, bem como as suas dezoito peças de canhão. Dizei-lhe que eu dou ordem para a zona da fronteira e de Marselha enviar trigo para a Catalunha; que o pode dar a conhecer aos habitantes e magistrados; que a exportação do que será requerido à França para a alimentação da Catalunha será permitida; quando o seu pagador chegar, ele deve restituir os 100.000 francos que lhe emprestou a Capitania-Geral; as leis de honra o exigem imperiosamente, e que ele deve dar a mão com honra. Vão ser expedidas embarcações carregadas de biscoito para a cidadela; entretanto, ele obterá farinha e víveres para uns quinze dias; ele deve falar de forma firme e fazer punir os soldados que se comportarem mal; ele deve fazer correr o rumor que eu não devo tardar em chegar a Barcelona; em relação aos inspectores das revistas, eles são menos úteis em campanha; as mesmas funções podem ser feitas pelo seu chefe do Estado-Maior, ou por ele mesmo. Trazei-me amanhã, ao amanhecer, o decreto para que as massas sejam pagas aos regimentos provisórios. Isto é importante, pois requere-se em toda a parte.
[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 478-479 (n.º 13635)]. 



Ainda no mesmo dia 10, Napoleão escreve a seguinte carta a Murat:



Paris, 10 de Março de 1808 
Recebi a vossa carta de 7 de Março, com a despesa do General Duhesme. O General Duhesme, sendo senhor da cidadela de Barcelona, não tem nada a recear. Vós errastes em lhe dar ordem para tomar Figueras. Recomendastes-lhe para concentrar as suas tropas, e ordenastes-lhe para tomar Figueras. Essas duas ordens são contraditórias. A minha intenção é que ele reúna toda a sua divisão em Barcelona. Ele deve ter um pagador, comissários de guerra e as suas 18 peças de artilharia. Ele tem algures os comissários de guerra italianos, e pode-se viver bem sem pagador. Assim, ele fica perfeitamente organizado. Em relação aos inspectores de revistas, que diabo quereis vós que ele faça em campanha? Ele mesmo terá de fazer essas funções. 
Não há descontentamento algum em Barcelona. O General Duhesme é uma comadre. Os napolitanos sofreram golpes de estilete; isso está no carácter dos habitantes. De resto, tudo está bem disposto, e, quando se tem a cidadela, tem-se tudo. Dei ordem ao ministro Mollien para enviar um pagador até esta divisão com os fundos; a esta hora já deve ter chegado. 
Se os Generais Dupont e Moncey enviassem os seus estados da situação, teriam recebido os oficiais que lhes faltam; mas como desde há três meses não enviam nada, pensou-se que eles estavam perfeitamente organizados. 
Tereis recebido as minhas ordens. Esta carta chegar-vos-á no dia 15, começando o vosso movimento de marcha.
[Fonte: Lettres inédites de Napoleón Ier - Tome Premier (An VII - 1815), Paris, Librairie Plon, 1897, pp. 161-162 (n.º 240)]. 



Entretanto, como acima ficou indicado, Murat teria entrado na Espanha na noite de 7 de Março. Tendo chegado a Vitória no dia 9, escreveu então a seguinte carta a Napoleão (N. B.: apesar da data inscrita, o copiador assenta que foi escrita no dia 10, o que parece ser mais provável):


Vitória, 11 de Março de 1808

Sire, apresso-me a prestar contas a Vossa Majestade da minha chegada a Vitória e do acolhimento extraordinariamente amigável que recebi desde a fronteira da Espanha até esta cidade. Um Tenente vosso que viria à Espanha para apossar-se dela em vosso nome e com o consentimento de todos os espanhóis não teria sido melhor recebido. Encontrei na fronteira uma deputação do governo de Guipúzcoa e, na entrada do território de cada povoação, os magistrados vinham-me fazer as suas homenagens e assegurar os seus sentimentos de devoção e de admiração por Vossa Majestade. Numa palavra, encontrei na minha passagem, como se fossem tropas em fileiras, todos os habitantes das províncias que percorri. A sua alegria é manifestada em explosões de delírio; sucedem-se danças e gritos de Viva Napoleão de aldeia em aldeia, em todo o caminho desde Irun até Vitória. Espera-se por todo o lado a chegada de Vossa Majestade, e com ela a felicidade. Nunca um povo foi tão infeliz pela sua má administração, e jamais houve outro mais digno duma melhor sorte. Estou convencido que vos interessará este bom povo; em geral, louvam por todo o lado a boa conduta das nossas tropas, e dispõem-se a sacrificar tudo para o bem estar delas. Recebi aqui o clero e as deputações de diferentes ordens religiosas; prometi-lhes a vossa protecção, e ao elogiarem a boa direcção que eles têm dado ao espírito público, julguei dever responsabilizar-lhes por tudo o que poderia acontecer de contrário à paz e à amizade tão intimamente estabelecida entre os espanhóis e o exército francês.
O senhor Marechal Moncey poderá executar no dia 12 as ordens de movimento; e para que ele seja mais ágil, acabo de lhe prescrever para fazer passar adiante de Burgos a parte da 3.ª divisão que ele tinha deixado em Briviesca. A 1.ª divisão será acantonada entre os rios Douro e Escueva; a 2.ª entre este rio e o de Arlanza, e a 3.ª entre Lerma e Burgos; a reserva ficará nesta última cidade, onde continuará o seu Quartel-General.  
Acabo de ordenar medidas extraordinárias para o transporte imediato do biscoito que se encontra ainda por aqui; julgo que por este meio chegará a tempo a Burgos para seguir os movimentos desse corpo do exército. Utilizei os mesmos meios para lhe enviar o que restava dos vinte mil pares de sapatos que se encontram ainda pelo caminho. O Marechal Moncey não pára de pedir oficiais de Estado-Maior e oficiais dos corpos que lhe faltam ou que lhe foram anunciados.
Informarei Vossa Majestade das disposições que o General Dupont terá feito para o movimento que lhe ordenei, logo que ele me responda. Junto à minha carta as notícias desse General sobre o espírito público de Madrid e da província que ele ocupa. Ele anuncia-me pela sua carta do dia 7, que tudo está tranquilo nas vizinhanças do seu exército, que o número de doentes começa a diminuir, que o tratamento dos homens afectados pela sarna terminará esta semana, que alguns oficiais de engenharia estão a reconhecer o curso do Douro entre Aranda e Zamora, e que um outro está a reconhecer a cadeia de montanhas que se encontram entre Ávila e Segóvia; ele acrescenta que estas montanhas oferecem posições extremamente importantes sobre o caminho de Madrid.  
O General Merle anuncia-me de Pamplona que os habitantes começavam a apaziguar-se, e que ele não tinha a recear nenhuma espécie de movimento, à excepção da influência de quinhentos ou seiscentos monges que trabalhavam os espíritos em todos os sentidos. Recomendei-lhe para observá-los cuidadosamente e para insinuar-lhes que eles seriam vistos como instigadores de quaisquer movimentos que pudessem acontecer, e ao mesmo tempo prometer-lhes a protecção de Vossa Majestade se a boa ordem continua a reinar na cidade de Pamplona e em Navarra. Ele queixa-se de que o Ajudante-Comandante Agniel, nomeado para a divisão no passado dia 26 de Janeiro, ainda não chegou; ele acrescenta que não tem nenhumas notícias do inspector de revistas e do comissário de guerra. Há 211 doentes atacados de febres catarrais que não são perigosas, e 600 sarnentos que ele vai mandar tratar. Toda a sua artilharia chegou no dia 6 a Pamplona em excelente estado.
Não há nenhumas notícias de Barcelona desde a minha última carta. 
A Guarda de Vossa Majestade chegou aqui em muito bom estado; ela terá todas as suas marmitas depois de amanhã. Estamos aqui muito embaraçados com as forragens; não existem em depósito mais que 7.000 rações de palha má, e isto é tudo o que se será possível obter. Falta aveia e farelo. Os habitantes sofrem extraordinariamente por esta estadia; famílias inteiras dormem no chão, por terem fornecido todas as suas camas e todos os seus colchões aos soldados. Será verdadeiramente impossível deixar muito tempo as tropas estacionadas nos territórios que ocupam, onde todos os recursos estão esgotados. 
Desde a minha última carta, o Duque de Mahón recebeu do seu Governo a autorização para receber as tropas de Vossa Majestade na cidade e na fortaleza de San Sebastián, que cerca de 400 homens devem ter ocupado ontem. Vai ser aí estabelecido um hospital para 800 doentes, para onde se dirigirão todos os homens doentes ou fatigados que se conservam em Bayonne.
Sire, o senhor Marechal Moncey deixou nos diferentes postos entre a fronteira e Burgos apenas escoltas de cinco homens que serão insuficientes para Vossa Majestade. Eu não posso fazer mais do que indicá-lo, não querendo cometer uma indiscrição enquanto procuro saber a época da vossa chegada. Devo fazer a mesma observação em relação aos postos das mulas, medida que é indispensável que seja ordenada antecipadamente. Junto sobre este assunto um relatório do senhor Marechal Moncey, que lhe pedi na suposição da chegada em breve de Vossa Majestade.
Quando chegar, o pagador ocupar-se-á das medidas para meter a circular o dinheiro da França a par com o da Espanha. 
Apenas posso repetir a Vossa Majestade o que já tive a honra de lhe dizer sobre o espírito público na Espanha. O Príncipe da Paz é detestado, bem como a administração actual, e se ele concordar com os projectos de Vossa Majestade para mudar o Governo desse país, nunca houve melhor momento para executá-los. O Príncipe da Paz deu ordens para fazer dirigir para Cádis os fundos que ele tinha nas províncias ocupadas pelos franceses. Corre um suposto protesto do Papa contra a ocupação de Roma pelas vossas tropas; tentarei obtê-lo. 
Quando a brigada do General Manifault-Gallois chegar a Bayonne, enviarei-a, conforme as vossas ordens, a San Sebastián. Farei também ocupar então o porto de Pasaia, ocupado hoje pelas tropas espanholas. É extremamente essencial que dominemos esse porto importante. Também será desejável se possa ocupar Bilbao, mas será imprudente enviar um destacamento fraco para ali.  
O General Lariboisière enviou oficiais a Pamplona e a Barcelona para reconhecer o estado dessas praças e os recursos que delas poderemos obter. Ele tem igualmente ordem para reconhecer os diferentes depósitos de armas e as fundições de canhões que existem nas províncias ocupadas pelas nossas tropas.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 323-326 (n.º 3066)].



Já no dia seguinte, Murat volta a escrever a Napoleão:


Vitória, 11 de Março de 1808

Sire, tenho a honra de enviar a Vossa Majestade as notícias que recebi de Valladolid [onde se encontrava o General Dupont]; elas parecem-me demasiado importantes para vos serem enviadas através de estafetas, porque confirmam perfeitamente aquelas que recebi em Bayonne, onde chegaram através de cartas particulares, pelo último correio vindo de Madrid. De resto, prometo que em poucos dias enviarei um relatório bem positivo e bem circunstanciado sobre tudo o que se passa em Madrid, tendo encarregado o General Solignac de ficar alguns dias naquela cidade, a fim de recolher todas as informações sobre os projectos do Príncipe da Paz e sobre o espírito público. De qualquer forma, não parece verosímil que o Príncipe da Paz tenha resolvido opor-se à resistência, dado que o Governador de Guipúzcoa recebeu ordem para alojar as tropas francesas em San Sebastián.  
Vou procurar estabelecer com Barcelona comunicações mais directas que por Bayonne; mas em todo o caso, elas serão extremamente lentas, e penso ser conveniente que Vossa Majestade dê directamente a essa divisão todas as ordens de movimento; porque à distância onde me encontro, elas chegarão demasiado tarde através do meu intermediário. Aliás, espero que os movimentos desta divisão serão combinados com os dos outros corpos do exército, e por isso ser-me-á bem mais fácil corresponder quando ela estiver postada sobre o rio Ebro, onde se encontrará então alinhada com os outros corpos do exército.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 329-330 (n.º 3071)].



No dia 12 de Março, antes de partir para Burgos, Murat volta a escrever a Napoleão:


Vitória, 12 de Março de 1808, às 6 horas da manhã.

Sire, recebi à instantes a cópia da carta de 6 de Março de Vossa Majestade, juntamente com a do dia 8. Dei as ordens que me foram prescritas. 
A Guarda de Vossa Majestade estará em Burgos no dia 14, tal como os vossos cavalos. Os soldados da marinha estão muito fatigados. 
A 1.ª divisão do corpo do Marechal Moncey estará no dia 14 a um dia de marcha diante de Aranda, no caminho para Madrid, com a sua cavalaria e 18 peças de artilharia, as duas outras divisões a meio dia de marcha da primeira, e o parque de reserva sempre com Moncey. Ele fará conduzir todos os víveres e biscoitos que os meios de transporte permitam levar. Recomendei-lhe para fazer reconhecer as posições que se encontram sobre a cadeia de montanhas de Segóvia, sobre o caminho de Aranda a Madrid, e para estar preparado para tomá-los, se ele se aperceber da marcha de alguns corpos espanhóis para ocupá-los. 
A primeira divisão do corpo do General Dupont estará no dia 14 sobre o Douro, no caminho de Madrid, com a sua cavalaria e dezoito peças de canhão. As duas outras divisões estarão em Valladolid. Não vejo problemas com esse corpo; ele está pronto a marchar e será provido de tudo o que lhe for necessário. 
O General Lariboisière enviou a Pamplona o chefe de esquadrão Roquefer; o chefe de batalhão de engenharia Leclerc já ali chegou. Informarei Vossa Majestade do nome do comandante e dos dois ajudantes logo que o General Merle os nomeie. Vossa Majestade verá pelo relatório deste General que a cidadela tem já 50 peças de canhão em bateria, mas que as munições não são suficientes. Encontrareis junto à sua carta a declaração do Papa contra a ocupação de Roma. Se o rumor da marcha das tropas espanholas de Portugal se confirmar, tentarei evitá-la nalgumas boas posições, a fim de travar e paralisar através dum movimento rápido e arrojado os projectos do Príncipe da Paz.
Não devo dissimular a Vossa Majestade que os nossos jovens soldados não estão organizados, e que em geral estão mal comandados, querendo com isto dizer que a composição dos oficiais é má em geral; mas espero que o compensaremos por outros meios. 
Estou embaraçado com o transporte do biscoito da Guarda Imperial. Ordeno por isso que ela fique dois dias por aqui, embora os meios de transporte sejam bem difíceis de se obter.  
Estou bastante inquieto também com as escoltas; toda a cavalaria encontra-se em Aranda, e o Marechal Moncey não deixou, tal como referi a Vossa Majestade, mais que cinco soldados e um brigadeiro em cada posto. Dei ordem para remover a sua própria escolta de Burgos, a fim de garanti-la entre Burgos e Tolosa; as outras serão formadas, de Bayonne a Tolosa, por um destacamento de cavalaria da Guarda, pois julgo que Vossa Majestade deseja tê-las reunidas, dado que são as únicas tropas disponíveis para enfrentar acontecimentos extraordinários. 
Os oficiais Generais que se encontram em Bayonne ou em caminho foram ordenados para dirigirem-se para Burgos; ainda não chegou nenhum dos corpos do exército que faltam. Deixarei um em Burgos para comandar as províncias entre o Douro e a fronteira. Eu próprio estou bastante embaraçado, não tendo ninguém comigo; todos os meus Ajudantes de Campo estão a pé, e os meus cavalos talvez não cheguem a tempo. 
O pagador já fez passar os fundos ao corpo do General Dupont; somente informei Vossa Majestade que o soldo do corpo do Marechal Moncey estava atrasado, mas passava-se o mesmo com o corpo do General Dupont; mas pelo meio que prescrevi, o soldo será satisfeito até ao 1.º de Março.
Uma vez que chegue a Burgos, escreverei as cartas que Vossa Majestade me ordena enviar aos diferentes intendentes das províncias. 
P.S. Junto à minha carta as informações que me envia de Madrid o General Solignac, tal como uma carta do embaixador de Vossa Majestade [Beauharnais]
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 334-336 (n.º 3076)].



Murat chega a Burgos no dia 13. Obedecendo às ordens de Napoleão, manda traduzir a carta-circular redigida pelo Imperador na carta de 8 de Março, acima transcrita. Como não havia jornais por perto, foram feitas cópias à mão que se começaram a fazer espalhar: 




Ainda no mesmo dia, Murat também mandou publicar a seguinte ordem do dia do exército francês na Espanha, como igualmente Napoleão lhe tinha ordenado na carta de 8 de Março:





Nessa mesma noite, Murat volta a escrever a Napoleão: 

Burgos, 13 de Março de 1808, às 8 horas da noite.

Sire, cheguei à instantes a Burgos, e apresso-me a enviar a Vossa Majestade uma carta que recebi de Madrid do General Solignac. Como o correio tem pressa para partir e não tenho tempo para fazer um resumo, envio a carta original.  
Todas as ordens preparatórias de movimentações que me enviou Vossa Majestade estão executadas, e dia 15 de manhã, posso pôr-me em movimento. A 1.ª divisão e a cavalaria do Marechal Moncey tomaram posições e bivacaram diante de Aranda, em Fresnillo de la Puente, a 2.ª divisão em Aranda, e a 3.ª em Gumiel. O seu parque de reserva está em Lerma. Todos os biscoitos seguem-nos. A Guarda de Vossa Majestade estará toda reunida aqui amanhã, dia 14, excepto os soldados da marinha, que somente chegarão no dia 15.  
Continua-se a fabricar biscoito aqui e em Valladolid. 
Recebi pelo caminho de Vitória a Burgos as mesmas demonstrações de entusiasmo que tinha recebido da fronteira a Vitória. Vossa Majestade é esperada por todo o lado com uma impaciência que chega ao delírio. Entrei esta manhã na cidade na viatura do bispo, que veio receber-me a algumas léguas da cidade com o intendente e todos os magistrados de Burgos. 
Amanhã darei conta a Vossa Majestade do efeito que terá produzido a carta que envio aos intendentes das províncias, tal como a ordem do dia que remeterei ao exército. 
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, p. 338 (n.º 3079)].


Recordemos agora que foi precisamente durante o dia 13 que começaram a chegar a Aranjuez, onde se encontrava a Corte, diversas notícias sobre as movimentações que os franceses começavam a fazer em direcção a Madrid. Esta notícia causou algum alvoroço no Palácio Real. Parece que chegaram a ser dadas ordens para se aprontarem as malas para a viagem, mas a facção dos partidários do Príncipe das Astúrias, que cada vez ia crescendo mais, fazia espalhar rumores que as tropas imperiais apoiavam D. Fernando e vinham retirar Godoy do poder que exercia há bastantes anos sobre o país e sobre o próprio Rei. Murat, ao receber durante a noite de 13 para 14 uma carta de Beauharnais, embaixador francês em Madrid, onde este lhe narrava que os ânimos estavam mais fermentados que nunca, comunicou logo o facto a Napoleão

Sire, não perco um minuto para enviar a Vossa Majestade todas as notícias que me chegam de todas as partes, tal como uma carta urgente do embaixador em Madrid. É chegado o momento de agir para desconcertar os projectos do Príncipe da Paz. Vossa Majestade verá, pelas notícias que lhe envio, que as tropas [espanholasestão em movimento, mas estou longe de pensar que elas estão destinadas a agir contra nós; suponho que o Príncipe da Paz as fez aproximar a Madrid para impô-las sobre a capital, que está prestes a se sublevar contra ele, e para lhe facilitar os meios de guardar algum porto, tal como para salvar os seus imensos tesouros, que ele faz evacuar noite e dia. De resto, Vossa Majestade pode estar tranquila; se necessário, instigarei toda a Espanha contra ele, e oporei os padres contra os monges. Contai, Sire, com a minha devoção, com a minha firmeza e a prontidão das minhas determinações às necessidades. 
Estou desesperado por ainda não ter os meus cavalos e os oficiais do Estado-Maior. 
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, p. 339 (n.º 3080)].


Já no dia 14, Murat escreve ao embaixador francês, François de Beauharnais:

Burgos, 14 de Março de 1808

Senhor embaixador, envio o meu Ajudante de Campo Lavauguyon a Madrid a fim de me trazer um bom mapa de Espanha. Ele terá a honra de vos ver e de vos assegurar todos os meus sentimentos. Peço-vos que o acolheis com a mesma bondade com que distinguistes aqueles que vos enviei até agora.
Estou informado que o General espanhol Solano deve ter abandonado a margem esquerda do Tejo para se dirigir até Badajoz, onde deve ter chegado no dia 10. Sentireis facilmente, senhor embaixador, quanto me importa saber os movimentos posteriores deste corpo, e saber se de Badajoz ele tomará o caminho de Madrid ou o de Cádis. Peço-vos assim para me informardes pelo meio mais rápido e pelo meu Ajudante de Campo, tudo o que souberdes de positivo sobre este assunto. Enquanto espero, não descuidarei nada para tentar conhecer positivamente os projectos desse General ou da Corte sobre este assunto. Repito-vos, é da maior importância que eu seja rapidamente instruído, tal como de tudo o que poderia acontecer de extraordinário em Madrid ou em Aranjuez. Espero que a comunicação que vos peço não vos impeça de dardes a conhecer ao mesmo tempo esses mesmos acontecimentos ao Imperador.
Estarei no dia 16 em Aranda, com o meu Estado-Maior, e consequentemente os nossos meios de correspondência serão mais rápidos.
Informado que o regimento espanhol de cavalaria que se encontra aqui em guarnição recebeu ordem de partir para La Mancha, acabo de pedir ao senhor intendente para suspender a sua partida e para parar a marcha dum destacamento que partiu ontem. Como é verosímil que o exército seja obrigado a passar por essas províncias para se dirigir a Gibraltar ou Cádis, a prudência exige que eu tome todas as precauções necessárias, por um lado para economizar todos os recursos da zona que eu devo percorrer, e por outro lado para conservar nesta última apenas as tropas espanholas suficientes para policiar e manter a boa ordem. Não vejo inconveniente que declareis isto ao Príncipe da Paz, convencendo-o a confirmar a decisão que acabo de pedir ao senhor intendente da província. 
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 339-340 (n.º 3081)].



Nesse mesmo dia Murat também escreveu a Napoleão:


Burgos, 14 de Março de 1808

Sire, recebi à instantes a carta de Vossa Majestade do dia 9. O senhor Bongards, que deve trazer a do dia 7, ainda não chegou. Não creio receber antes de 48 horas as ordens de movimentações que me devem ser trazidas por um oficial do Estado-Maior do Príncipe de Neufchàtel. Acabo de fazer todas as disposições para assegurar a execução dos prazos prescritos por Vossa Majestade. O meu Quartel-General estará em Aranda no dia 16.
Envio a Vossa Majestade as últimas notícias que acabo de receber de Valladolid; elas parecem indicar que o corpo do General Solano aproxima-se de Madrid. Fiz partir à pouco para Madrid o meu Ajudante de Campo Lavauguyon, com uma carta para o embaixador de Vossa Majestade, sob o pretexto de ir obter um mapa. Pedi ao senhor Beauharnais para me informar todas as informações que ele possa ter sobre os movimentos do corpo do General Solano e sobre aqueles da guarnição de Madrid.
Instruído que as tropas espanholas que se encontram em Castela-a-Velha receberam ordens directas do Príncipe da Paz para se dirigirem a La Mancha, pedi ao senhor Capitão-General para suspender a sua partida até que eu obtenha uma resposta da Corte de Madrid. Julguei dever fazer-lhe observar que podendo os exércitos de Vossa Majestade passar a Cádis e a Gibraltar, devia procurar poupar todos os recursos das províncias que eles deverão percorrer, e que ao mesmo tempo a presença dessas tropas espanholas em Castela me pareciam necessárias para manter a boa ordem; enfim, que nada se oponha ao que lhe pedi, dado que as duas nações estão em paz e vivem na melhor harmonia; ele não deve estar pressionado para ir ocupar ou defender qualquer posto importante. Como esses diversos movimentos pareceram coincidir com aqueles que me indica Vossa Majestade do corpo do General Solano, e com as notícias adjuntas de Valladolid, julguei prudente procurar evitar a partida das poucas tropas que se encontram em Castela-a-Velha. 
O General Dupont anunciou-me uma grande desgraça, a morte do General Malher, morto pela manobra desajeitada dum soldado que deixou a sua vareta [para carregar a armana sua espingarda. É uma grande perda, nestas circunstâncias em que quase não temos Generais.  
Fiz recuar a cavalaria da Guarda de Vossa Majestade, para assegurar as escoltas, tal como me ordenais.  
Vossa Majestade deve ser informada que faltam pelo menos dez mil capotes ao corpo do Marechal Moncey; não creio que o seu fardamento esteja no melhor estado possível. Tentarei passar uma revista no dia 16. 
P.S.: Envio a Vossa Majestade a tradução da resposta que me deu o intendente da província de Castela-a-Velha.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 343-344 (n.º 3084)].



Por sua vez, Napoleão também escreveu no mesmo dia a Murat:


Paris, 14 de Março de 1808 
O Major-General escreveu-vos para vos dar a conhecer as minhas intenções, por via duplicada (pelo estafeta e por um oficial). As cartas que recebi de Madrid, datadas de 5 de Março, não dizem nada de novo. Ordenei que no dia 17 pedir-se-á a passagem por Madrid dum corpo de 50.000 homens destinados a Cádis. Conduzir-vos-eis conforme a resposta que for dada; mas ficai o mais tranquilo possível.  
Se as tropas de Madrid tiverem mais de 15.000 homens, entrareis na cidade somente com o corpo do Marechal Moncey, e disporeis o corpo do Marechal Moncey conforme se segue: a 3.ª Divisão em Valladolid, a 2.ª a duas ou três marchas de Valladolid, e a 1.ª a uma ou duas marchas de Madrid. Se os espanhóis tiverem mais de 20.000 homens em Madrid, fareis reunir a 1.ª divisão e os couraceiros do General Dupont; colocareis a 2.ª divisão em Villacastin ou em Segóvia, e dareis ordens a esse General para formar depósitos e construir fornos para o seu aprovisionamento. Dei ordem ao General Merle para dirigir-se para Burgos; a 2.ª brigada, composta dos cinco 4.os batalhões das legiões de reserva que já chegaram a Bordeaux, continuará a sua rota até Vitória. A minha Guarda ficará em Burgos, e os 3.000 homens dos fuzileiros da minha Guarda que chegarem a Bayonne a 20 de Março continuarão, se necessário, a sua rota até Burgos. Através da reunião dessas forças, poderei contar com que no dia 1 de Abril o General Merle tenha em Burgos 16.000 homens, as comunicações de Madrid com a França estejam asseguradas, e a divisão espanhola da Galiza suficientemente contida. E, se receberdes ordem, podereis atrair a vós o corpo do General Dupont. Mas, entre 20 a 30 de Março, vão dez dias, e não é necessário continuar a descoberto, expor as comunicações a serem interceptadas e os doentes a ser ameaçados nos hospitais; o que meterá toda a população em movimento. 
Por outro lado, 5 a 6.000 homens de infantaria francesa chegam no dia 30 a Perpignan. Eles devem assim estar em Barcelona na primeira semana de Abril; o que elevará o corpo do General Duhesme a 13 ou 14.000 homens; os quais, uma vez repartidos pelos fortes de Barcelona que ele ocupa, lhe darão uma força considerável, e permitir-lhe-á dispor de uma divisão para secundar as vossas operações. O General Junot deve igualmente apoiar-vos por uma divisão no sul da Espanha. Sejam quais forem as intenções da corte de Madrid, deveis compreender que o que é mais útil é chegar a Madrid sem hostilidades, acampar aí os corpos por divisão para parecerem mais numerosos, repousar as minhas tropas e reaprovisionar-lhes de víveres. Durante esse tempo, os meus diferendos acordar-se-ão com a Corte da Espanha. Espero que não haja lugar para a guerra, tal como firme e vivamente desejo. Se tomo tantas precauções, é por ter o hábito de não deixar nada ao acaso. Se a guerra acontecer, a vossa posição será a mais bela, pois teríeis sobre a vossa retaguarda uma força mais que suficiente para a proteger, e sobre o vosso flanco esquerdo a Divisão Duhesme, com a força de 14.000 homens. Teríeis também então notícias da divisão do General Junot. O conjunto dessas disposições não poderia ser mais favorável. 
Instruí Tournon [Ajudante de Ordens do Imperadorpara estar em Burgos no dia 15. Fazei-lhe tomar atenção durante a rota; ele instruir-vos-á sobre a situação dos acontecimentos. O meu embaixador em Madrid recebeu igualmente ordens para vos transmitir todas as informações que vos possam ser úteis. Quero continuar amigo com a Espanha e cumprir o meu objectivo político sem hostilidades; mas tenho de me precaver para que, se ele falhar, eu possa vencer a resistência pela força. 
Enviei-vos a ordem para fazer pagar às tropas tudo o que lhes deve antes de entrarem em Madrid, a fim de que, chegadas a essa cidade, façam despesas e não violências. 
Sou obrigado a atrasar a minha partida por alguns dias; mas, logo que o faça, chegarei rapidamente. Mandai-me novidades logo que possais. 
Em relação aos negócios [sic: affaires], transmitir-me-eis todas as proposições directas ou indirectas que sejam feitas, e respondereis que estarei em Burgos quando as minhas tropas chegarem a Madrid.  
Como é necessário marchar sempre com vantagem militar, é bastante importante estar de guarda  com o corpo espanhol da Galiza. Ordenei ao General Junot para ter uma divisão pronta para se reunir com a 3.ª divisão do General Dupont e com o General Merle. 
Napoleão
[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 491-493 (n.º 13652)]. 


Na manhã do dia 15, Murat volta a escrever a Napoleão:



Burgos, 15 de Março de 1808, às 11 horas da manhã

Sire, apresso-me a enviar a Vossa Majestade as informações que recebi à instantes do Marechal Moncey; amanhã saberei seguramente o que pensar sobre o que se passa em Madrid, através do regresso do meu Ajudante de Campo Lavauguyon que expedi ontem para essa cidade. 
Sobre as espingardas que ele faz menção, fiz dar ordem ao General Merle para recolher todas as informações possíveis sobre a distância dessas armas e para embargá-las, dizendo que elas eram enviadas para nós, de acordo com o pedido que se tinha feito à Corte de Espanha, mas que como os corpos do exército mudavam o seu destino, elas deviam-lhe ser confiadas para ele as fazer enviar; julguei, nas circunstâncias actuais, que esta medida era indispensável, persuadido que essas armas são enviadas para armar os aragoneses em caso de sublevação, ainda que talvez somente esperassem a sua chegada para o seu ordenador. 
Se a notícia da reunião das forças sobre Madrid for fundada, reunir-me-ei ao corpo do General Dupont e marcharei em massa para os combater; nesse caso, a Guarda Imperial e o General Merle receberão ordens para estarem prontos para marchar. 
Sire, eu não sei até que ponto são fundados os rumores que circulam sobre os diferentes movimentos e preparativos ordenados pelos Príncipe da Paz, mas é certo que se estão tomando medidas, pois, em caso contrário, porquê chamar para La Mancha as tropas de Castela que provavelmente parariam no caminho para Madrid? E o recrutamento por assim dizer geral que se faz neste momento, e a remoção de fundos que faz o Príncipe da Paz? 
Em todo o caso, que Vossa Majestade seja sustentada pela minha prudência e pela bravura e pelo amor dos seus soldados. 
A ordem do dia que fiz imprimir e espalhar produziu o melhor efeito.
[Fonte: Lettres et Documents pour servir a l'histoire de Joachim Murat (1767-1815) - Tome V, Paris, Librairie Plon, 1911, pp. 345-346 (n.º 3087)].




No dia 16, Napoleão escreve a seguinte carta ao Grão-Duque de Berg:


Paris, 16 de Março de 1808 

Recebi a vossa carta de 12 de Março às seis horas da manhã. Tereis recebido as cartas do Major General. Suponho assim que a minha carta não vos encontrará longe do vosso destino. Não perturbes de maneira nenhuma a Divisão Duhesme; deixai-a onde está. Ela guarda Barcelona e contém aquela província; ela cumpre suficientemente o seu objectivo. Quando chegarem os 6.000 homens de reforço que se vão reunir a essa divisão, e que estarão em Barcelona por volta de 5 ou 6 de Abril, será outra coisa; então ele terá um corpo capaz de se dirigir para qualquer lado. 
Tereis reencontrado Tournon no dia 15. Ele ter-vos-á informado acerca das últimas circunstâncias em Madrid. 
No momento que receberdes esta carta, a vanguarda do General Verdier tocará nos limites da Espanha, e o General Merle deverá estar em Burgos. Continuai a ter bons discursos. Tranquilizai o Rei, o Príncipe da Paz, o Príncipe das Astúrias e a Rainha. O principal é chegar a Madrid, repousar aí as tropas, e reabastecer-vos aí mesmo de víveres. Dizei que eu chegarei a fim de conciliar e harmonizar os negócios [sicaffaires]. 
P.S. Acima de tudo não cometereis nenhuma hostilidade, a menos que sejais obrigado. Espero que tudo se possa conciliar, e seria perigoso alarmar muito essa gente.
[Fonte: Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI, Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 495-496 (n.º 13656)]. 




Entretanto, tinha começado a juntar-se uma enorme multidão em Aranjuez, depois de se terem espalhado por Madrid e arredores diversos boatos sobre a viagem da família real. Receando um levantamento popular contra a sua partida, Carlos IV viu-se obrigado a mandar publicar a seguinte proclamação na manhã do dia 16:

Amados vassalos meus: 
A vossa nobre agitação nestas circunstâncias é um novo testemunho que me assegura os sentimentos do vosso coração; e eu, que como um pai terno vos amo, apresso-me a consolar-vos na actual angústia que vos oprime. Respirai tranquilos: sabei que o exército do meu caro aliado, o Imperador dos franceses, atravessa o meu reino com ideias de paz e de amizade. O seu objectivo é passar aos pontos que estão ameaçados do risco de algum desembarque do inimigo; e que a reunião dos corpos da minha guarda nem tem o objectivo de defender a minha pessoa, nem o de me acompanhar numa viagem que a malícia vos fez supor como sendo necessária. Rodeado da pura lealdade dos meus amados vassalos, da qual tenho tão irrefutáveis provas, que posso eu temer? E se a necessidade urgente o exigisse, poderia duvidar das forças que os seus peitos generosos me ofereceriam? Não.  
Os meus povos não verão esta urgência. Espanhóis, tranquilizai o vosso espírito; conduzi-vos como até agora com as tropas do aliado do vosso bom Rei; e vereis em breves dias restabelecida a paz dos vossos corações, e a mim gozando o que o céu me dispensa no seio da minha família e do vosso amor.   
Dado no meu palácio real de Aranjuez, a 16 de Março de 1808.
Eu o Rei. 

Esta proclamação, no entanto, apenas acalmou os ânimos durante pouco tempo, pois os boatos e as contra-informações continuavam a surgir por todos os lados, fermentando cada vez mais a população vizinha de Aranjuez, que se começava cada vez mais a aglomerar e a reunir-se junto ao Palácio Real. Uma revolta estava iminente, e as tropas francesas estavam quase à porta de Madrid...


Fortificações ocupadas pelas tropas francesas a 16 de Março de 1808 (a vermelho)
e início das movimentações das vanguardas das Divisões de Moncey (em Aranda del Duero) e de Dupont (em Valladolid), bem como os corpos de reserva de Murat, que seguiam a cerca de um dia de distância a Divisão de Moncey