quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Peripécias dos franceses na sequência da batalha da Roliça



A primeira [batalha], a de 17 de Agosto de 1808, junto a S. Mamede da Roliça, em que Delaborde e Thomiers, perdidos de brios, derrotadas as forças e abatidas as asas da Águia de Napoleão, vendo destroçado o seu Exército e tomada a maior parte da sua artilharia, procurou salvar o resto por meio de uma apressada fuga, deixando no campo muitos mortos e um grande número de feridos.
No resto da tarde daquele dia e a maior parte da noite caminharam com marcha dobrada, sem admitir descanso algum até o lugar de Runa (quatro léguas e meia distante do campo da batalha, e uma ao sul das Torres Vedras). Ali fizeram alto pelas duas horas depois da meia-noite; tão fatigados e oprimidos da fome, que a não acharem provimento naquela povoação, dificilmente poderiam continuar a sua marcha.
Delaborde, Thomiers e outros Oficiais militares foram hospedados em casa de uma matrona (Ana Maria, cujo marido se achava naquela ocasião em Lisboa), a qual, obrigada do temor, lhe franqueou a sua casa, para que lha não invadissem, e os tratou não como Jael a Sisara, quando voltava fugindo e desbaratado pelas tropas de Débora e de Barac, mas sim com humanidade e grandeza, o que foi muito útil à povoação, pois Delaborde deu ordem que nela não se fizesse hostilidade alguma. Curou-se da ferida de uma bala que o tinha maltratado no pescoço, e procurou mudar de roupa. Pediu de comer para si e os mais Oficiais, o qual se lhe deu; e a sua tropa municiada com duas mil e dezanove rações de vinho (4 pipas) e 130 alqueires de cevada para a Cavalaria, a qual pagou, e o vinho.
Deram-se as rações de vinho por listas, e houve Companhias em que apenas apareceram 6 ou Soldados; as duas últimas vinham quase completas, porque talvez não entraram na acção. O seu parque de artilharia constava de 3 peças e um obus. 
Pediu Delaborde que se lhe fizesse três camas para descansar ele, Thomiers e outro Oficial General; suposto que se lhes aprontaram, não chegaram a deitar-se nelas porque quando o pretendiam fazer, o piquete que tinham deixado atrás em observação, ouvindo ao longe as caixas militares, e supondo serem ingleses*, deu rebate, dizendo: anglais, anglais, allons, allons. Logo tudo tomou armas e apressadamente se retiraram, com tão violenta marcha que não fizeram alto senão na Cabeça de Montachique, quatro léguas ao sul de Runa.
Pelas duas horas da tarde naquele dia chegou Junot a Torres Vedras; e sabendo da retirada de Delaborde, lhe mandou ordem para voltar para Torres Vedras, o que fez no dia 18, e se foi achar com Junot no dia 21 na batalha do Vimeiro, onde as tropas francesas foram derrotadas, tomada a maior parte da sua artilharia, e Junot, fugitivo, se retirou a Lisboa, onde foi capitular, como se refere numa relação impressa da dita batalha.

[Fonte: Prospecto do Painel das luminarias, que se puzerão na frente da Igreja do Seminario da Caridade dos Orfãos da rua de S. Bento na cidade de Lisboa, pela feliz restauração deste Reino, Lisboa, Impressão Régia, s.d. (1808), pp. 5-7, apud Raul Brandão, El-Rei Junot, Lisboa, IN-CM, s.d., pp. 240-241].

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* [Nota original] Era Junot, que passava para Torres Vedras.