domingo, 21 de agosto de 2011

Extracto de uma carta remetida de Óbidos a Coimbra (21 de Agosto de 1808)



O Exército inglês de 17.000 homens marchou para as Caldas no dia 14 do corrente [mês]. Os franceses, apenas souberam da sua proximidade, fugiram precipitadamente desde Aljubarrota até Óbidos, sem haver um só tiro. Na segunda, 15 do corrente, ao entrarem os ingleses em Óbidos, foram acometidos de tarde pelas guardas avançadas dos franceses, os quais todavia fugiram logo para o Exército de Thomiers e Delaborde, postados adiante de Óbidos nos lugares chamados da Roliça e Columbeira, que distam uma légua daquela vila.
Aí se travou no dia 17 a mais renhida batalha, e sem embargo da mais vantajosa posição das alturas dos montes circunvizinhos, os ingleses se apoderaram dos postos; e batendo os franceses com artilharia, os obrigaram a fugir desatinados, sendo perseguidos até à Cruz da Misericórdia, que fica além do lugar da Zambujeira; tendo parte nesta acção gloriosa os Caçadores do Porto, que acompanhavam os Caçadores ingleses pelos altos da montanha embaraçada de mui espessos matos.
Durou o combate desde as 8 horas da manhã até às 5 da tarde; o furor de parte a parte excede todo o encarecimento; mas venceram os nossos e fugiram os franceses, retirando-se para lá de Torres Vedras, ficando Delaborde malferido no pescoço. Dos franceses morreram 1.500, e aparecem 300 deles feridos nos nossos Hospitais.
Na Quinta-feira, 18 do corrente, houve muitas pessoas que encontraram desde Belas até Torres Vedras 64 carros de feridos para os Hospitais de Lisboa, e muitos mortos pelo caminho.
Nos nossos Hospitais das Caldas e Óbidos aparecem 5 portugueses feridos, e viu-se um só morto na Igreja da Roliça, e dos ingleses aparecem nos mesmos Hospitais 360 feridos; e os mortos são de 150 a 200.
No dia 18 marchou o Exército português de Leiria para as Caldas, aonde chegou no dia 19 apresentando um espectáculo brilhantíssimo, e ontem aqui chegou a Óbidos.
Os ingleses adiantaram-se desde a Lourinhã, aonde estavam ontem, unindo-se-lhes mais 7.000, que desembarcaram em Paimogo, para lá de Peniche, e esperam-se mais 14.000.
Os franceses, no dia 19, achavam-se em Pormoniz, que fica nas abas da Serra do Monte, distante daqui três léguas; iam para Torres Vedras, aonde entraram à noite, cometendo pelo caminho muitos roubos e insultos. Nesta primeira acção o número dos franceses montava a 5.000 homens. 
Junot saiu de Lisboa no dia 16 com alguns mil homens ao nosso encontro; proclamando aos habitantes de Lisboa que vinha castigar os rebeldes, armados de paus, acompanhados de alguns ingleses que lhes tinham dado algumas armas, e que voltaria dentro de três dias. Incorporou-se com Loison, Thomiers, etc., em Torres e Serra de Montejunto, ignorando o número dos ingleses, de que somente se desenganaram quando os viram no campo da batalha.
Houve hoje [um] novo combate junto a Torres, donde se ouvia o estampido dos tiros; mas ainda não chegou próprio, que nos informe do sucesso; diz-se que os ingleses cercam em Torres os franceses, e que será a última decisão.
Lisboa ficou sem soldados, e as guardas da cidade são poucas.
Peniche vai ser atacada, e o General francês já despediu ontem desta praça a todos os portugueses que quisessem sair; e têm chegado ao Exército português mais de 60 artilheiros. De Lisboa tem fugido também [um] grande número de guardas da Polícia.
O General Bacelar partiu de Abrantes para Santarém, e daí para Rio Maior, dirigindo-se a unir-se com o Exército português, o que apenas sabido por Loison, que estava nas vizinhanças de Santarém, fugiu precipitadamente para Muge, e daí a incorporar-se com Junot. Os franceses fugiram de Setúbal, deixando encravadas as peças, e deitando ao mar a pólvora e bala.
Loison esteve no dia 17 em Alcoentre, aonde praticou das suas costumadas façanhas militares por que tão conhecido se tem feito no nosso Portugal; e que só têm consistido em roubos e assassínios de povos desarmados, e fugidas vergonhosas de todos os sítios aonde se lhe anuncia alguma resistência ou reforço.
Junot a ninguém paga nas aldeias por onde passa; o Exército português está bem abastecido de tudo, e os ingleses levam quinhentos carros de provisões de toda a espécie, pagando pontualmente tudo, querendo até pagar a mesma água. Que notável contraste!