Gibraltar, 16 de Julho de 1808
Senhor:
Tendo recebido ordens de Lord Castlereagh para remeter-vos todas as informações possíveis relativas ao estado e progresso dos acontecimentos nas partes meridionais de Espanha, não perco tempo em comunicar a substância das informações que tenho tido oportunidade de coligir sobre tais pontos, como também as minhas consequentes observações.
No fim de Maio a insurreição era geral (segundo creio) em todas as províncias e subdivisões do Reino não submetidas aos Exércitos franceses, e no clero em geral; e a populaça revelou um grau de fúria revolucionária e fanática que creio que excedeu até a que surgiu durante a Revolução francesa; porém, como os motivos (Lealdade e Religião) eram muito diferentes dos da França, houve obviamente diferenças nos resultados.
Em quase todos os lugares consideráveis está formada uma Junta Suprema de Gobierno [sic]; a de Sevilha (com a qual nos comunicámos mais, até agora) revela claramente querer assumir o carácter de Governo Nacional, uma pretensão que irá produzir más consequências, se não for examinada a tempo. Devo acrescentar que cada Junta age em nome de Fernando VII, para o qual o entusiasmo popular está ao presente principalmente direccionado.
Apesar do General Spencer ter ido reunir-se com o Almirante Purvis, na barra de Cádis, debaixo da minha autoridade, penso necessário referir que não tive parte alguma nas negociações que foram tomadas entre esse oficial e o Almirante Purvis duma parte, e o Governador Morla e o General Herrera doutra parte.
Estou seguro que se decidiu na Junta de Sevilha, por uma grande maioria dos membros, que as nossas tropas não seriam admitidas, como guarnição, em qualquer praça-forte. Também estou informado, por uma boa autoridade, que o General Morla, Governador de Cádis, é o adepto mais enérgico desta resolução: julgo ser meu dever referir este facto, pois parece que o General Spencer ficou convencido que este General Morla prevê que o seu corpo seja utilizado para a defesa de Cádis, caso os Exércitos espanhóis sofressem algum revés.
Presentemente, tenho um Oficial do Quartel-Mestre do Estado-Maior siciliano (o Capitão Whittingham) junto do Exército do General Castaños; ordenar-lhe-ei para comunicar-se convosco daqui para diante, e permiti-me recomendá-lo a vós com um homem de grande zelo e actividade, e um perfeito espanhol. Também tenho em Sevilha um Oficial, o Major Cox, do Regimento n.º 61, através do qual Lord Collingwood e eu próprio temos comunicado com a Junta; também recomendo este Oficial à vossa atenção, por ter revelado talentos consideráveis na missão que foi encarregado.
Junto um extracto de um dos ofícios do Major Cox, sobre a nossa permissão para ocuparmos Cádis, através do qual julgareis nas mesmas bases sobre a qual a minha opinião foi formada.
Provavelmente, antes deste ofício vos alcançar, o General Castaños terá lutado contra Dupont. Em caso de desastre, ele desejava que o General Spencer ocupasse uma posição em Jerez [de la Frontera], com uma parte da sua força, mantendo outra parte embarcada, para conceder ajuda ao General Morla para a defesa de Cádis. Ele também pretendia ter um destacamento no Puerto de Santa María.
Em Valencia a Junta Suprema formou-se alguns dias antes da de Sevilha; e a conduta da populaça (pela qual se formaram todos os governos em todos os sítios) era, em Valencia, marcada por uma violência particular; e logo no início, mais de 300 comerciantes franceses foram mortos. Desde então, é bastante claro que a populaça da cidade de Valencia cercou, se não bateu completamente, a Divisão de Moncey, que alcançou aquele lugar com um poder avassalador, e, depois duma acção desesperada, um Regimento suíço e outro regular foram quase aniquilados, numa passagem chamada Cabrillas, e conseguiram escapar doutros corpos que os valencianos tinham no campo; em Valencia acredita-se que estes últimos corpos tinham cortado a retirada de Moncey, e destruído o seu próprio corpo. Não confirmo a precisão de qualquer destas notícias; mas julgo que é indubitável que, em geral, os franceses foram aí desconcertados.
Barcelona está nas mãos dos franceses; e as notícias que temos da Catalunha são vagas e imprecisas. Aragão está em armas, certamente; e temos notícias oficiais duma derrota que os franceses sofreram em Zaragoza, com imensas baixas; parece haver algo fabuloso na narrativa, apesar de acreditada em geral em toda a Espanha, onde se atribuiu tal derrota a N.ª S.ª la Virgen del Pilar. Tais são as ideias do povo neste momento.
Depois do General Castaños esperar que derivasse um auxílio, em caso de desastre, da posição que ele desejava que o Major General Spencer tomasse em Jerez, ele ultimamente afincou-se na opinião de que as forças britânicas deveriam ser empregadas sobre o Tejo; mas entendo que tal viragem foi originada pelo ressentimento das nossas intenções em relação a Cádis. Achei que os espanhóis retrocediam perante qualquer proposta que tendesse a colocar à nossa disposição as suas frotas e as suas fortalezas; e penso que uma grande força [britânica] na barra de Cádis poderá motivar que os espanhóis enviem uma guarnição para ali, destacando-a até do próprio do exército que se opõe a Dupont.
Transmito-vos uma publicação da Junta de Múrcia* (na qual se afixou o nome de Floridablanca), que pinta, em cores vivas e verdadeiras, o perigo presente da Espanha. De Bonaparte não se ouve nada; os seus exércitos parecem ter sido deixados à sua sorte.
Recebi deputações de Sevilha, Jáen, Granada, Valencia, Cartagena, das Ilhas Baleares, e da maioria das cidades na costa do Mediterrâneo entre o estreito [de Gibraltar] e a Catalunha, e até de Tortosa, nesta última província; todos expressam os mesmos sentimentos, e todos fazem os mesmos pedidos - dinheiro, armas e munições.
Tenho a honra de ser, etc., etc.,
H. W. Dalrymple,
Tenente-General
[Fonte: Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Boone, Strand, 1830, pp. 247-250].
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Nota:
* Tratava-se da tradução duma proclamação datada de 22 de Junho de 1808, publicada em castelhano (entre outras fontes) na Gazeta de Madrid, 9 de agosto de 1808, pp. 991-993.