Senhor!
Como própria tem Vossa Majestade olhado a causa de Portugal, desde que se proporcionaram os desgraçados princípios da sua infelicidade; os tristes agouros da sua fatal desgraça não puderam ser ocultos ao mais prudente de todos os Gabinetes; as medidas para a conservação dos sagrados penhores desta Monarquia, traçados como por uma mão superior, foram maravilhosamente executadas, e o seu êxito igual ao seu proposto; saiu de seu berço a fidelíssima Casa de Bragança, deixando em nossa protecção o seu Império, e ficaram intactos os votos da nossa obediência e homenagem; eles nos obrigaram a receber tranquilos os inimigos de Deus, da Religião e dos homens, ele pretextaram o nosso sofrimento, enquanto duraram à nossa vista as Coroas e troféus da Monarquia portuguesa; pouco importaria a perda dos nossos concidadãos, riquezas e faculdades, que nova sorte e o trato do tempo restituem, se não fosse o roubo do brasão lusitano, levando após si arrebatadamente a estimação do nome português. Eis aqui, Senhor, o aleivoso sistema que desde o dia dezanove de Junho […] passado nos chama às armas, por tantas bocas quantos são os estragos que nos veio causar o pérfido inimigo, com tantas forças quantas pingas de sangue circulam em nossas veias, e com tanta constância quanta for a nossa vida; o justo furor da nossa vingança facilmente nos subministrou os instrumentos com que trabalhamos a importante obra da nossa liberdade e salvação; rompemos o estranho e abominável intruso vínculo da Sociedade Imperial, que nos havia ferido os próprios da Monarquia. O Povo recuperou os seus primeiros direitos, e reaclamando o nosso Augusto Príncipe, consistiu na capital deste Reino do Algarve um Supremo Conselho de Regência, cujo formal do seu estabelecimento temos a honra de oferecer a Vossa Majestade: operamos a favor da Religião, Pátria e liberdade, sem excepção de pessoa, e quase sem exclusão de idades, cada um disputa a ocasião de mostrar o seu patriotismo; fizemos reunir a licenciada [e] desprezada tropa, e pouco a pouco vamos na perseguição do inimigo que precitadamente pôde escapar do nosso primeiro ímpeto, e colar as montanhas que separam este Reino.
Tudo temos felizmente conseguido; porém, Senhor, não é possível arranjar de pronto as proporcionadas finanças de que necessitamos, acabando de ser roubados; e aonde poderemos ter socorro se não for nas Reais Mãos de Vossa Majestade? Elas têm protegido a nossa causa; elas têm protegido o Nosso Príncipe; por estes sagrados penhores depositados nas próprias e Reais Mãos de Vossa Majestade, nós rogamos o empréstimo de cinquenta mil libras esterlinas; sujeitando à sua satisfação todos os fundos e propriedades deste Reino do Algarve, entretanto que o nosso amável fiel Príncipe tenha ocasião de remir-nos e auxiliar-nos; ele mesmo se lisonjeará de merecer mais uma ocasião ao magnânimo afecto de Vossa Majestade, e nós a ajuntaremos aos anais da mais distinta nação um facto tão piedoso.
Deus Guarde a Vossa Majestade por dilatadíssimos anos.
Faro, 16 de Julho de 1808.
Ventura J. Crisóstomo e Sá, Secretário do Conselho
Conde Monteiro Mor
(com mais assinaturas)
[Fonte: Correio Braziliense, Outubro de 1808, pp. 412-414; José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo V, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 49-53; Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s. ed., 1941, pp. 390-391 (doc. 89)].