terça-feira, 14 de junho de 2011

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (14 de Junho de 1808)



Lisboa, 14 de Junho 


As notícias circunstanciadas que recebemos do Porto contribuem para aumentar mais o desprezo que inspira o infame procedimento do Tenente-General Belestá para com o General Quesnel: ele mesmo foi quem, como um insolente cabo de esbirros, se dirigiu a lançar mão do seu chefe, enquanto este descansava confiadamente na Guarda espanhola que tinha à sua porta! 
O Corregedor mor mr. Taboureau foi preso do mesmo modo, sem que a estima que ele soubera inspirar aos habitantes do Porto o pudesse livrar das violências daquele mesmo General espanhol que, poucos dias antes, assistira, por convite seu, a um festim brilhante dado em sua casa! 
Os espanhóis eram mais de quatro mil; e por tal modo se contava com a sua lealdade, que não havia no Porto e seus arredores trinta soldados franceses! 
Enquanto ao mais, o comportamento dos habitantes do Porto naquela desgraçada circunstância foi tal qual devia ser. Sem meios de defesa contra as violências de soldados espanhóis em revolta, fizeram eles a favor do mui pequeno número de franceses que tinham dentro da sua cidade o que lhes foi possível; dando asilo a todos aqueles que puderam esquivar-se à primeira surpresa para lho ir pedir; e desde a partida dos espanhóis tem constantemente reinado no Porto a mais profunda tranquilidade. Um bergatim inglês, que julgava poder tirar partido daquela crise e das inteligências que com ele tinha o Tenente-General Belestá, debalde se apresentou para entrar em conferência parlamentária; porquanto teve logo de afastar-se, por não ser metido a pique pelos fortes. 
O mesmo bom espírito que faz honra aos habitantes do Porto se tem manifestado em todo o caminho seguido pelos espanhóis na sua fugida para voltar à Galiza, aonde os chamava uma Junta de facciosos anárquicos que Belestá fingiu olhar como seu Governo! Nem um só português tomou parte na sedição ou nos excessos dos espanhóis, cujo passo foi assinalado por exacções e pilhagens. 
O norte deste Reino está bem persuadido da felicidade que tem em se ver livre daqueles espanhóis, que, ainda que não tivessem feito mais que mostrar-lhe o jugo, num momento de esperanças delirantes sobre a posse de Portugal provaram a toda a gente sensata o quanto o dito jugo, cujo peso bem se conhece neste país, se faria nele grave, se alguma circunstância pudesse jamais confundir [=misturar] duas nações tão incompatíveis nos seus interesses como nos seus hábitos e nas suas opiniões. 

O desarmamento dos espanhóis prescrito pelo indigno modo de proceder dos seus chefes no Porto, se executou no mesmo dia, não só em Lisboa, mas também em todas as praças dos contornos; e foi tão bem combinado, que se fez por toda a parte, à mesma hora, sem que excitasse a menor resistência, nem a mais leve perturbação. Os oficiais são tratados, por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, com toda a atenção, consentindo-se que fiquem livres debaixo da sua palavra de honra de se não retirarem, nem intrometerem em coisa alguma. Os soldados estão a bordo de navios desarmados, onde recebem a sua ração e soldo, segundo o costume. 

Por notícias de Espanha consta que o General Dupont chegou a Córdova, na Andaluzia, com um corpo de exército francês mui considerável, e que se ia aproximando a Sevilha a fim de sujeitar ali à razão alguns insolentes agitadores vendidos aos ingleses e por eles excitados. 

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 24, 14 de Junho de 1808].