segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Carta privada do General Dalrymple ao Tenente-Coronel Murray (29 de Agosto de 1808)







Quartel-General, Ramalhal, 29 de Agosto de 1808.


Meu caro Senhor:


Em primeiro lugar, devo dizer-vos que hoje tomámos posse de Torres Vedras, pois a suspensão das hostilidades cessou às doze horas. Estávamos com tantas dificuldades e inconveniências, que a medida era necessária. Também vos devo dizer que, na noite passada, em consequência do movimento avançado da coluna de Sir Arthur Wellesley (dentro da linha [de demarcação = rio Sizandro]), o General que comanda as guardas avançadas incluiu, ignorantemente, a vila [de Torres Vedras], facto que foi observado pelo Ajudante de Campo do General Junot, pois as ditas guardas travaram-no; isto preocupou-me muito, e rogo que o digais ao General. 
Incluo-vos as observações que se fizeram sobre o próprio Tratado, numa reunião dos Tenentes-Generais, as quais têm mais ou menos consequências; porém, a posse do Tejo, ou seja, de todos os fortes, é uma condição sine qua non, pois podereis estar seguro que nenhum Almirante britânico colocará qualquer navio de guerra à mercê de baterias que não lhe pertencem, mas antes estão guarnecidas por um inimigo; para além disso, o grande objectivo, que consiste num ancoradouro seguro para os nossos navios, seria retardado sine die, e isto numa estação muito ameaçadora.
Não tenho poderes para dar a resposta que me é esperada sobre alguns artigos; por exemplo, sobre as pessoas aprisionadas pelos espanhóis; por consequência, a minha condescendência sobre este ponto significaria que teria que usar toda a influência que tenho; devo acrescentar que não tenho dúvidas que obteria sucesso.
Tudo o que diga respeito aos navios do inimigo ou a quaisquer outros navios, deve ser respondido pelo Almirante [Charles Cotton]. Para além da frota russa e dos navios-transportes, nas bases não se mencionavam quaisquer embarcações*. Não vejo que o artigo XVII sustente sinais de considerar exclusivamente as embarcações mercantes dinamarquesas; pelo contrário, penso que dificilmente se aplica às mesmas; se se aplica, eu não o considero.
Seria certamente necessário modificar aqueles artigos que aludem ao Governo português, não só porque este será independente de mim quando for estabelecido, mas também porque os artigos podem envolver questões que não entendo.
A omissão das palavras "a ses frais" [sic], no artigo III, deve-se à aparência que a exigência compreende nessa forma, e não porque se faz qualquer objecção à despesa. Em relação ao embarque dos cavalos, é bom que o artigo seja garantido, enquanto ponto de honra; mas enquanto matéria de facto, tal é moralmente impossível, pois não temos transportes disponíveis para cavalos; e adaptar um transporte para cavalos é um trabalho demoroso, ainda que se achem embarcações.
Compreendereis que a maioria das alterações explicam-se por si mesmas, e são na verdade de importância inferior em comparação à abertura do porto; se o ancoradouro não for nosso, o Almirante não entrará nele, e consequentemente não poderá haver qualquer embarque, e todo o acordo chegará a um fim. Não podemos ficar mais aqui - isto é certo; quero dizer, não mais do que o tempo que vos é necessário para concluírdes ou romperdes com a negociação, e para vos reunirdes com o exército. Qualquer adiamento do nosso avanço é muito inconveniente. Pretendo avançar amanhã, ou ainda hoje; mas agora rogo que podeis regressar assim que a coluna possa partir ao romper de Quarta-feira dia 31, ou seja, depois de amanhã. Então teremos que marchar; porém, se os artigos mais importante forem consentidos quando chegardes, poderemos discutir os restantes na posição que seja indicada, e à qual podereis trazer a notícia; porém, em qualquer caso, os adiamentos devem chegar a um fim, e o ancoradouro do Tejo deve ser nosso. Provavelmente o General Junot sabe que a ancoragem que nos deu com a rendição de Cascais, etc., etc., é já nossa, mas de pouco vale. Aflige-me colocar-vos numa situação tão embaraçante, mas não posso auxiliá-la. Estou tão confiante que partireis para vos reunirdes comigo antes da hora que indiquei para o vosso avanço, que, se não receber notícias vossas, ficarei preocupado por vós. Assim, se por alguma razão fordes induzido a permanecer, não obstante o nosso avanço, tomai o cuidado de me enviardes a tempo um dos Oficiais que estão convosco. 

Hew Dalrymple,
Tenente-General

[Fonte: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, pp. 182-183 (doc. 59)].


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Nota: 


* [Nota do próprio Dalrymple à edição desta carta] Esta observação refere-se a uma outra comunicação privada do Tenente-Coronel Murray, declarando a suposição de que, segundo o artigo XVII [da primeira versão da Convenção Definitiva, à qual alude esta carta], os franceses pretendiam cobrir certas embarcações dinamarquesas.