Enquanto o meu género de vida não me facilita para um longo discurso sobre a matéria que devo tratar, contudo sua qualidade importante e os seus abusos, que se devem evitar, penhoram-me para enunciar do modo possível até que melhorados dias dêem ócio e frase. O objecto não é menos que a reprovação de um abuso pernicioso ao estado moral e eclesiástico. É a reprovação, digo, de se armarem os eclesiásticos, militarmente, segundo lhes inspirar a sua imaginação indisciplinada, e extravagante sistema é este oposto ao Evangelho que professamos. Este manda ser o eclesiástico manso e humilde: ele veda o fogo e ferro manejado pelo eclesiástico; ele nos proíbe ser guerreiros e gente armada; nossa milícia é para contender com os vícios e propagar a virtude. Quanto é dissonante destes exercícios uma vida guerreira, mal animada e mal comportada! O braço que sustenta a Arca do Testamento seria torpemente distraído para empunhar o ferro e o aço. Seria introduzir no Santuário o abuso e o vício. Não há engenho nem arte que façam concordar a doçura evangélica e o estrondo das armas. Aquela é a nossa vocação legítima. O contrário seria viver exposto à sanha militar para descrédito e demonstrações tristes. Para estas ideias deve o eclesiástico regular sua vida para nem desagradar à Divindade, que o quer humilde, nem às Potências temporais, que tiram escândalo de semelhante abuso. O alvoroço militar que lhe recomendamos é a pronta obediência às vozes da sabedoria, quando chama para a sua fortaleza e para guarnecer as muralhas da cidade, com a valentia da doutrina e virtude; quando os interessa na vigia contra os assaltos dos inimigos da alma, e põem em alerta para a preservar dos insultos. Ocupados os eclesiásticos destas obrigações, jamais se deixarão enganar pelo atractivo da armadura que lhes é incompetente. A armadura doutrinal para que a sabedoria nos convida é o que a mesma sabedoria encarnada ostentou entre os homens, e dela deu mostras no Tabor, onde ensinou a ocupação sacerdotal, servindo aos ministros e sacramentos da Lei, dos Profetas e do Evangelho. Confiamos que pelo arbítrio de inspirar aos professores do nosso estado os argumentos por que se devem dirigir nos actos da sua vida, haverão de conformar-se todos ao Clero escolhido e modesto e ao espírito das Santas Escrituras. Contudo, para o fazerem meritoriamente, mandamos ao Clero de um e outro estado, secular e regular, [que] não tenham em seu poder nem usem de armas que lhe são defesas, e [que] as deponham no depósito público, aonde o governo desta cidade as tem mandado fechar. Este nosso edital será lido nas Igrejas desta cidade.
Dado em Évora sob nosso sinal, aos 30 de Julho de 1808
Frei Manuel, Arcebispo de Évora
[Fonte: Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas, Diário - 5.º Códice, fls. 108-109 (disponível para consulta on-line na Biblioteca Digital do Alentejo)].
[Fonte: Frei Manuel do Cenáculo Villas-Boas, Diário - 5.º Códice, fls. 108-109 (disponível para consulta on-line na Biblioteca Digital do Alentejo)].