terça-feira, 19 de julho de 2011

Carta e representação dos alentejanos à Junta Suprema da província espanhola da Extremadura, publicadas no Diario de Badajoz de 19 de Julho de 1808



Oprimidos e necessitados de meios para nos libertarmos, temos sido pavorosos espectadores da velocidade com que redobrastes os esforços para libertar o mundo e os vossos compatriotas; estes motivos fazem-nos crer que a proposição e a súplica contidas no papel adjunto que tenho a honra de vos dirigir serão atendidas por essa Suprema Junta. Dignai-vos, pois, fazê-las presentes, em benefício das mesmas povoações desta província do Alentejo, que suspiram pela honra de vos imitar.

C. J. A. de Ar.




Todas as povoações da província do Alentejo desejam ardentemente sacudir o jugo tirânico dos opressores da Europa, embora conheçam a dificuldade, estando desunidas e sem organização, e tendo que superar tanto o poder dos inimigos, como os esforços contínuos dos portugueses espúrios, que, levados pelo egoísmo mais refinado, auxiliam os nossos inimigos, inutilizam e ainda tornam terríveis os esforços e projectos melhor concebidos e esperançados. Vós, unicamente, valorosos espanhóis, socorrei-nos; vós que empreendestes a nobre e justíssima empresa de salvar a Europa, detendo o tirano do Continente no meio da carreira dos seus roubos. Ah! Salvai-nos: seja a nossa organização obra vossa. Mandai 3.000 homens que venham ajudar as nossas cidades, para criar uma Junta destinada a recolher os fundos públicos e para vigiar a organização e armamento dos nacionais. Então tereis companheiros que vos imitem e que nos libertem. Com o vosso auxílio e exemplo, seguiremos atrás de vós e evitaremos os insultos que padeceram Beja e Vila Viçosa. Temos nas nossas cidades e nas nossas vilas depositados os restos dos fundos públicos que se puderam livrar da pilhagem dos franceses. Falta-nos apenas cobrar metade das rendas anuais, que venceram no mês antecedente. As províncias podem contribuir com guerreiros robustos e animosos; porém, se uma pode dar muitos homens, os seus fundos são menores, ou talvez incapazes de manter os homens que pode levantar; ao mesmo tempo que outra, em virtude do maior comércio ou agricultura dimanada da sua localidade, pode oferecer maiores fundos e menos homens; pois que à excepção de um certo número, o outro seria um roubo feito ao cultivo dos campos ou ao comércio. Um cálculo prévio de todos os fundos existentes em poder dos morosos, e ainda uma nova contribuição que uma junta ilustrada exigisse dos povos para a sua liberdade, viria a determinar qual deve ser o número de portugueses que se deverá armar.
A nossa tropa está dispersa; mas existem os soldados animosos, que preferiram a indigência à injusta glória de ser franceses; existem as milícias, e, sobretudo, temos o vosso exemplo; amparai-nos, pois; dignai-vos proteger-nos até que possamos concorrer convosco na generosa empresa de castigar os malvados, ou morrer convosco em defesa do nosso legítimo Soberano. Assim vos pedem os vossos vizinhos oprimidos; dignai-vos escutá-los.

[Fonte: Diario de Badajoz, n.º 33, 19 de julio de 1808; republicado in Extracto de los Diarios de Badajoz, 17, 18 y 19 de julio de 1808; e na Gazeta de Madrid, n.º 113, 16 de agosto de 1808, pp. 1013-1014].

________________________________________________________________

Observações:

Refere o autor das Cartas Americanas, Teodoro José Biancardi, num outro texto seu intitulado Sucessos do Alentejo, que Federico Moretti, depois de ocupar a praça-forte de Juromenha, convidou as povoações vizinhas portuguesas, por circulares e proclamações, a reunirem as suas forças contra os franceses, como atrás referimos. Pouco depois começaram a chegar a Juromenha vários deputados destas povoações, encarregados de pedir a Moretti que organizasse as tropas e as juntas de governo, "mas ele, não querendo responder pelos resultados futuros, nem exceder as instruções das autoridades [espanholas], declarou-lhes, agradecido, que via como uma honra superior ao seu mérito as esperanças que a província do Alentejo fundava nos seus poucos talentos, ainda que sempre o achariam pronto a sacrificar a sua vida por ela; mas como não podia, sem delinquir, arrogar-se de faculdades que não lhe tinham sido concedidas, [era preferível que os deputados portugueses] recorressem a Badajoz, e que se a Junta o julgasse digno do alto cargo que eles lhe ofereciam agora, seria o dia mais feliz da sua vida aquele em que principiasse a corresponder a tão lisonjeira confiança, trabalhando com os leais e honrados portugueses pela liberdade e defesa da província" [Fonte: Successos do Alem-Téjo. Primeira Parte, Lisboa, Impressão Régia, (Outubro) 1808. Ao que nos consta não foi publicada mais nenhuma parte desta obra, cuja edição consultada foi a espanhola, com um prefácio actualizado pelo próprio autor: Sucesos de la Provincia del Alentejo, escritos por Teodoro Josef Biancardi, y vertidos del portugues, Algeciras, Don Juan Bautista Contillé, 1811, pp. 24-25. Esta edição espanhola encontra-se compilada na Colecção de sentenças que julgarão os réos dos crimes mais graves e attrozes commetidos em Portugal e seus dominios - Vol. 4, 1863, fls. 61-88v].
Apesar de não estarem datados, os documentos acima transcritos teriam sido compostos nesta ocasião, algures em meados de Julho, pois como referia o número do Diario de Badajoz onde foram inseridos, "os portugueses acabam de dirigir-nos, através do Governador de Juromenha, o Coronel D. Federico Moretti, a carta adjunta e a representação seguinte, que publicamos traduzidas" (negritos nossos). Em resposta, a Junta de Badajoz recomendou a Moretti que insinuasse às Juntas alentejanas entretanto formadas para se reunirem debaixo da alçada da Junta Suprema de Estremoz. E como a presença de Moretti parecia indispensável em várias partes, foi-lhe dada permissão para sair de Juromenha, o que executou logo no dia 18 de Julho, reunindo-se em Vila Viçosa com António Lobo, Sargento mor das Milícias daquela vila, e com o General da província do Alentejo, Francisco de Paula Leite
Pouco depois, como adiante veremos, partiriam os três para Évora, acompanhados por cerca de 1.000 espanhóis e 700 portugueses, que não seriam suficientes para derrotar uma força muito superior de franceses comandados por Loison, que se dirigiu para a mesma cidade no final de Julho.