sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Como o príncipe regente soube da invasão



Desde Junho de 1806 que o príncipe regente D. João tinha estabelecido a sua residência no palácio contíguo ao convento de Mafra, sendo aí que se reunia com o seu Conselho de Estado, cujos membros estavam divididos, entre apoiantes dos franceses ou dos ingleses, como conta o 7.º Marquês da Fronteira:


"Joaquim António de Araújo, mais tarde Conde da Barca, que era Ministro de Estado e antigo diplomata, e outros cavalheiros, entre eles, meu tio, o Conde da Ega, que estava por Embaixador em Madrid, eram partidários da política francesa e receavam que, rejeitando o nosso Governo as suas pretensões, os exércitos de Napoleão, que tinham ocupado e mesmo conquistado uma parte da Europa, invadissem Portugal e expulsassem a dinastia de Bragança.
O Marquês de Belas, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, e outros, esperavam tudo de nossos antigos aliados, os ingleses, e opunham-se às exigências do Governo francês.
Isto fazia com que o Príncipe Regente, naturalmente tímido e indeciso, a nada se decidisse, apesar das duas embaixadas sucessivas do Marechal Lanes e General Junot à corte de Lisboa, os quais nada conseguiram, ainda que foram muito bem acolhidos pelo Príncipe, que fez ao Marechal Lanes a honra de ser padrinho dum de seus filhos".
Em Outubro de 1807, ainda segundo o mesmo autor, "o Príncipe nada decidiu" quando ouviu as primeiras notícias de uma invasão possivelmente iminente, conhecidas na corte através do embaixador de Portugal na França, que sendo obrigado a sair daquele país, viu na sua passagem por Bayonne as tropas de Junot acantonadas. Por outro lado, "o nosso Embaixador em Madrid, meu tio o Conde da Ega, não soube da direcção do exército francês e se ele queria invadir Portugal pelo norte ou pelo sul, senão quando ele estava a vinte léguas da nossa fronteira da Beira Baixa, e partiu então para Lisboa, onde teve diferentes entrevistas com o Príncipe e com o Governo, mas sem nada decidirem.
Meu tio Alorna, que comandava a província do Alentejo, pedia instruções e respondia-se-lhe que recebesse Junot como um aliado. Em vista disto, tomou, sob sua responsabilidade, a deliberação de reunir todas as forças do Alentejo e escreveu directamente ao Príncipe [...], dizendo-lhe «que, visto o abandono em que os nossos aliados ingleses nos deixavam, anuísse às reclamações da França, fechando-lhes os portos, e que combatesse a invasão armada do exército francês, se, apesar de se anuir às reclamações do seu governo, ele continuasse a avançar. Que Portugal não tinha exército para invadir um país qualquer, mas para defender a sua nacionalidade e a dinastia tinha 40.000 homens armados e prontos a cumprirem o seu dever. Que havia poucos anos, tinha combatido no Rossilhão contra os franceses, na divisão auxiliar, e que vira os nossos soldados baterem-se com coragem, defendendo com entusiasmo as suas bandeiras».
Anos depois, soube que os cortesãos, em Mafra, tinham dito ao Príncipe, quando ele recebeu aquela carta: «O Marquês sempre foi doido, mas, depois que perdeu os dois filhos, está tonto. Ninguém pode resistir ao exército de Napoleão». Os únicos indivíduos que deram importância à opiniao do meu tio foram o Marquês de Belas e D. Rodrigo de Sousa Coutinho. A fugida vergonhosa da Casa de Bragança para o Brasil estava decretada e nao havia forças para o contrário.
 Fonte: BND
D. João Príncipe Regente de Portugal
Gravura de João Cardini (1807)

O Marquês de Alorna não teve resposta à sua carta e mesmo a correspondência ordinária do Ministério da Guerra cessou. As notícias que recebia da capital eram as que lhe davam os numerosos parente e amigos que todos lhe pediam que salvasse a pátria e combatesse a invasão, o que ele desejava mas não podia fazer, porque tinha ordens e instruções em contrário e apenas tinha o comando duma província e de pequena parte do exército português, pois não podia dispor de mais de 6.000 homens.
Fez, contudo, um grande serviço ao Príncipe.
Vendo que na Corte nada se sabia da marcha do exército francês, do qual ele também ignorava os movimentos, e parecendo-lhe que ele devia ter entrado em Portugal, ou, pelo menos, estar na fronteira, ordenou aos seus três Ajudantes de Campo, os Coronéis Lecor e Boucachar e Major Gaibão, que marchassem em diferentes ocasiões ao encontro daquele exército e que verificassem onde ele estava, que estrada tomava e quantos dias de marcha lhe seriam precisos para ocupar a capital.
O Coronel Lecor, em desempenho daquelas ordens, encontrou a vanguarda do exército de Junot a pouca distância de Abrantes, junto ao Sardoal, tendo atravessado a Beira Baixa, e, calculando que em seis dias, podia o mesmo exército estar às portas de Lisboa, partiu logo para Mafra, onde chegou em trinta horas, apesar da grande distância e dos péssimos caminhos. Foi só então que o Príncipe soube que o exercito de Napoleão havia já trinta horas que estava a vinte e quatro léguas da capital!
O quartel general de Junot tinha saído de Paris em Agosto e estes acontecimentos davam-se em Novembro! É levar a ignorância ao seu extremo!” (in Memórias do Marquês de Fronteira e d’Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861 – Parte Primeira e Segunda - 1802 a 1824, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 25-29).