Desde Junho de 1806 que o príncipe regente D. João tinha estabelecido a sua residência no palácio contíguo ao convento de Mafra, sendo aí que se reunia com o seu Conselho de Estado, cujos membros estavam divididos, entre apoiantes dos franceses ou dos ingleses, como conta o 7.º Marquês da Fronteira:
"Joaquim António de Araújo, mais tarde Conde da Barca, que era Ministro de Estado e antigo diplomata, e outros cavalheiros, entre eles, meu tio, o Conde da Ega, que estava por Embaixador em Madrid, eram partidários da política francesa e receavam que, rejeitando o nosso Governo as suas pretensões, os exércitos de Napoleão, que tinham ocupado e mesmo conquistado uma parte da Europa, invadissem Portugal e expulsassem a dinastia de Bragança.
O Marquês de Belas, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, e outros, esperavam tudo de nossos antigos aliados, os ingleses, e opunham-se às exigências do Governo francês.
Isto fazia com que o Príncipe Regente, naturalmente tímido e indeciso, a nada se decidisse, apesar das duas embaixadas sucessivas do Marechal Lanes e General Junot à corte de Lisboa, os quais nada conseguiram, ainda que foram muito bem acolhidos pelo Príncipe, que fez ao Marechal Lanes a honra de ser padrinho dum de seus filhos".
Em Outubro de 1807, ainda segundo o mesmo autor, "o Príncipe nada decidiu" quando ouviu as primeiras notícias de uma invasão possivelmente iminente, conhecidas na corte através do embaixador de Portugal na França, que sendo obrigado a sair daquele país, viu na sua passagem por Bayonne as tropas de Junot acantonadas. Por outro lado, "o nosso Embaixador em Madrid, meu tio o Conde da Ega, não soube da direcção do exército francês e se ele queria invadir Portugal pelo norte ou pelo sul, senão quando ele estava a vinte léguas da nossa fronteira da Beira Baixa, e partiu então para Lisboa, onde teve diferentes entrevistas com o Príncipe e com o Governo, mas sem nada decidirem.
Meu tio Alorna, que comandava a província do Alentejo, pedia instruções e respondia-se-lhe que recebesse Junot como um aliado. Em vista disto, tomou, sob sua responsabilidade, a deliberação de reunir todas as forças do Alentejo e escreveu directamente ao Príncipe [...], dizendo-lhe «que, visto o abandono em que os nossos aliados ingleses nos deixavam, anuísse às reclamações da França, fechando-lhes os portos, e que combatesse a invasão armada do exército francês, se, apesar de se anuir às reclamações do seu governo, ele continuasse a avançar. Que Portugal não tinha exército para invadir um país qualquer, mas para defender a sua nacionalidade e a dinastia tinha 40.000 homens armados e prontos a cumprirem o seu dever. Que havia poucos anos, tinha combatido no Rossilhão contra os franceses, na divisão auxiliar, e que vira os nossos soldados baterem-se com coragem, defendendo com entusiasmo as suas bandeiras».
Anos depois, soube que os cortesãos, em Mafra, tinham dito ao Príncipe, quando ele recebeu aquela carta: «O Marquês sempre foi doido, mas, depois que perdeu os dois filhos, está tonto. Ninguém pode resistir ao exército de Napoleão». Os únicos indivíduos que deram importância à opiniao do meu tio foram o Marquês de Belas e D. Rodrigo de Sousa Coutinho. A fugida vergonhosa da Casa de Bragança para o Brasil estava decretada e nao havia forças para o contrário.
Fonte: BND D. João Príncipe Regente de Portugal Gravura de João Cardini (1807) |
Fez, contudo, um grande serviço ao Príncipe.
Vendo que na Corte nada se sabia da marcha do exército francês, do qual ele também ignorava os movimentos, e parecendo-lhe que ele devia ter entrado em Portugal, ou, pelo menos, estar na fronteira, ordenou aos seus três Ajudantes de Campo, os Coronéis Lecor e Boucachar e Major Gaibão, que marchassem em diferentes ocasiões ao encontro daquele exército e que verificassem onde ele estava, que estrada tomava e quantos dias de marcha lhe seriam precisos para ocupar a capital.
O Coronel Lecor, em desempenho daquelas ordens, encontrou a vanguarda do exército de Junot a pouca distância de Abrantes, junto ao Sardoal, tendo atravessado a Beira Baixa, e, calculando que em seis dias, podia o mesmo exército estar às portas de Lisboa, partiu logo para Mafra, onde chegou em trinta horas, apesar da grande distância e dos péssimos caminhos. Foi só então que o Príncipe soube que o exercito de Napoleão havia já trinta horas que estava a vinte e quatro léguas da capital!
O quartel general de Junot tinha saído de Paris em Agosto e estes acontecimentos davam-se em Novembro! É levar a ignorância ao seu extremo!” (in Memórias do Marquês de Fronteira e d’Alorna D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto ditadas por ele próprio em 1861 – Parte Primeira e Segunda - 1802 a 1824, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 25-29).