Como atrás indicámos, o Cardeal Patriarca de Lisboa foi o primeiro clérigo (e precisamente o mais alto da hierarquia eclesiástica portuguesa) a emitir uma pastoral apelando à boa recepção e harmonia entre os portugueses e as tropas napoleónicas, poucos dias depois de Junot ter entrado em Lisboa. Pouco mais de dois meses depois, este Patriarca falecia. Segundo o diário de Fr. Inácio de S. Carlos, originalmente publicado no vol. XIII das provas da História Orgânica e Política do Exército Português de Cristóvão Aires de Magalhães Sepúlveda, “o Patriarca era maior de 80 anos, muito doente, e tão devoto e português como tímido e condescendente; crê-se, não sem fundamento, que tendo-se mais maduramente considerado e combinado mexer as coisas em vista do Decreto de Junot do 1.º de Fevereiro de 1808, em que se declarou por Soberano deste Reino o Tirano do Mundo, o Patriarca se penetrou de [tal] modo, que abreviou o resto dos seus dias” [apud João Francisco Marques, "O clero nortenho e as invasões francesas - patriotismo e resistência regional", in Revista de História, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n.º 9, 1989, pp. 165-246, p. 174].
Por outro lado, num manuscrito de um funcionário anónimo da Cúria Patriarcal de Lisboa pode ler-se a seguinte nota referente à morte do Cardeal Patriarca, que tem a particularidade de indicar a data exacta deste falecimento:
5.ª feira, 11 de Fevereiro de 1808 – morreu o Ex.mo Sr. Patriarca José 2.º, por as onze horas e 45 minutos da noite. Se deu à sepultura em o dia de sábado às 9 horas da noite, defronte do altar de N.ª Sr.ª sua madrinha, onde se abriu a sepultura, que custou muito a abrir por ter encontrado com uma rocha. E em 4.ª feira, 17 do mesmo mês, se fez o funeral na Santa Igreja Patriacal, por mando do Ex.mo Colégio [isto é, o Colégio dos Cónegos chamados Principais], Sé vacante. Assistiu todo o corpo da Relação Patriarcal.
[Fonte: Isaías da Rosa Pereira, “Pastorais de alguns bispos portugueses por ocasião das invasões francesas”, in Revista de História das Ideias, vol. 10, 1988, pp. 327-346, p. 335].
O próprio Junot, numa carta a Napoleão datada de 14 de Fevereiro de 1808, também referiu este acontecimento:
Morreu anteontem, com mais de 80 anos de idade, Sua Excelência o Cardeal Patriarca. Era um homem muito considerado no país, e o seu posto era o único no género na Europa. Ao dar ao Papa quantias imensas, D. João V, esse Rei tão rico, tinha comprado o direito de ter um patriarca. A patriarcal tem rendimentos de, pelo menos, 3 milhões, e os Reis de Portugal já de há muito atacavam esses rendimentos; tinha-se por certo que este patriarca seria o último e que se deixaria desaparecer os indivíduos que actualmente constituem o Colégio da Patriarcal. Suponho ser essa também a intenção de Vossa Majestade; mas, de contrário, esses lugares, que são de grande importância, deveriam ser ocupados por nomeação de Vossa Majestade. A autoridade do Patriarca reside provisoriamente no Colégio, e eu não julguei dever modificar nada a esse respeito. Aguardarei as ordens de Vossa Majestade Imperial sobre este assunto.
[Fonte: Junot, Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, p. 144].
Em relação aos rendimentos do Patriarcado, deve-se ter em conta que Junot tinha ordenado que todo o ouro e prata de todas as igrejas, capelas e confrarias de Lisboa e seu termo ingressassem na Casa da Moeda até 15 de Fevereiro, e que até Março o clero lisboeta deveria pagar o primeiro terço (aplicado, no caso do Patriarcado, sobre dois terços dos seus rendimentos anuais) da contribuição extraordinária decretada por Napoleão (segundo o artigo IV e IX do decreto sobre esse efeito). Ainda a este respeito, conta Luz Soriano que “uma considerável porção de prata da igreja patriarcal, que carregou catorze carros, não tendo chegado a tempo ao cais de Belém para embarcar para bordo da esquadra [que levara a Corte para o Brasil], voltara do dito cais outra vez para a tesouraria da dita igreja. Jufre [cunhado de Junot, tendo-o este nomeado de administrador geral dos domínios reais] não se demorou em lhe lançar a mão, juntando aos quatorze carros mais uma rica e majestosa banqueta do altar do Santíssimo, que era uma das mais preciosas peças que no seu género se conhecia em Portugal e que fora mandada fazer por um dos mais célebres artistas da França” [Fonte: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Epocha – Tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1870, p. 46]. Apesar de Simão Luz Soriano dar a entender que este caso foi praticado pouco depois dos franceses terem chegado a Lisboa, julgamos no entanto que ocorreu entre 4 e 15 de Fevereiro (ou seja, entre a data de publicação do decreto indicado e o prazo assinalado no início deste parágrafo), sem sabermos precisar se foi antes (o que daria mais razão à primeira referência aqui citada) ou depois da morte do Patriarca. Recordemos que até então o exército invasor continuava a apresentar-se como amigo; ou seja, o roubo mencionado por Simão Luz Soriano deve ter sido realizado e "justificado", muito provavelmente, pela referida contribuição extraordinária.
Finalmente, já um mês depois da morte do Patriarca, era publicado o seguinte aviso na Gazeta de Lisboa:
Finalmente, já um mês depois da morte do Patriarca, era publicado o seguinte aviso na Gazeta de Lisboa:
A 17 do corrente mês [de Março], de tarde, se hão de vender nas cavalariças do Palácio em que residiu o Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca, defunto, as bestas [=cavalgadura] que ali se acham.
[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 11, 15 de Março].