A nação portuguesa, a mais unida e obediente a seus legítimos soberanos, obedecendo às ordens de seu Augusto e sempre adorado Príncipe, recebeu as tropas francesas como aliadas e pacíficas, e para ser conservada na sagrada religião católica, que sempre professou e há de professar, e também para conservação das suas vidas, fez todos os sacrifícios possíveis à dominação francesa. Os franceses, abusando desta religiosa e voluntária moderação, não se lembrando que a desesperação é perigosa, postergando todos os princípios do governo político, e tendo adoptado por únicas bases do seu império a sedução e a tirania; arrebatados da cega e insaciável ambição que os domina, apertaram e oprimiram os portugueses até ao ponto deles desejarem mais a morte do que a vida. Os portugueses, que deram sempre exemplos de honra e de valor a todo o mundo, poderiam eles por mais tempo suportar o infame jugo de um governo no qual não há religião, nem verdade, nem honra, nem justiça? Os portugueses, ainda na suposição de não poderem sacudir este insuportável jugo, não estimariam eles muito mais morrer com glória do que viver com ignomínia? Enfim chegou o tempo destinado pela Providência divina, fiados na qual os portugueses da cidade do Porto quebraram na manhã do memorável dia 19 de Junho do presente ano de 1808 os pesados grilhões da tirania francesa; libertaram-se e exterminaram para sempre aquele abominável governo; aclamaram novamente o Príncipe do Brasil, seu augusto, sempre amado e legítimo soberano, e tiraram as suas reais armas da obscuridade em que as tinha envolvido o governo francês, fazendo levantar de novo este sagrado estandarte, que sempre foi e há de ser respeitado enquanto durar o mundo.
Logo, na mesma cidade, no real nome do Príncipe do Brasil, foi instituída uma Junta do Supremo Governo, à qual se uniram e subordinaram unanimemente todas as províncias do norte e todas as Câmaras das vilas e cidades, as autoridades legítimas, todos os estados e povos das mencionadas províncias, com o fim único de restaurar a monarquia portuguesa para ser restituída ao seu legítimo soberano, à custa dos seus fiéis, valorosos e honrados vassalos portugueses. A cidade do Porto foi logo guarnecida por muitos milhares de voluntários, intrépidos e honrados combatentes. Nas mais cidades, vilas e lugares, praticou-se o mesmo.
Entretanto, o exército inimigo, governado pelo General Loison, que nesta conjuntura pretendia invadir as províncias do norte de Portugal, forçado pelos portugueses, se retirou fugindo, rapinando e mostrando a sua cobardia na infame vingança que tomou até nos meninos inocentes e nas povoações abertas e desguarnecidas.
A Junta do Supremo Governo já fez pôr em marcha um pé de exército, dirigido à parte ocidental e capital do reino, ainda ocupada e tiranizada pela dominação francesa. Já fez uma nova aliança com o reino da Galiza, para o fim de se expulsar de Portugal e de toda a península o inimigo comum, aliança que se espera garantida pela nossa antiga e fidelíssima aliada a Grã-Bretanha, de quem a Junta do Supremo Governo implora os precisos e convenientes socorros de dinheiro, armamento e munições.
Dado nesta cidade do Porto, pela Junta do Governo Supremo, aos 7 de Julho de 1808.
Bispo, Presidente Governador
Manuel Lopes Loureiro
José Dias de Oliveira
António Mateus Freire de Andrade Coutinho Bandeira
António da Silva Pinto
José de Mello Freire
Luís de Sequeira da Gama Ayala
Francisco Osório da Fonseca
[Fonte: Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 59-61].