quinta-feira, 28 de julho de 2011

Carta do embaixador de Portugal em Londres ao Bispo do Porto, sobre as dificuldades para organizar a futura Leal Legião Lusitana (28 de Julho de 1808)


Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor:

Assim que vieram as primeiras notícias dos movimentos do Porto, e que se espalhou o boato de que partia uma expedição inglesa para ajudar os portugueses a sacudir o jugo da França, vários Oficiais nossos que se tinham salvado do reino, e se achavam nos portos deste com destino para o Brasil, ofereceram-se a acompanhar as tropas inglesas. 
Apesar da despesa mui considerável que por conta da fazenda real tenho já feito com estes Oficiais, soldados, [e] paisanos de todas as classes para os expedir ao Brasil, contudo, chegadas as notícias dos gloriosos esforços que se faziam em Portugal, julguei que Sua Alteza Real devia aprovar o zelo destes Oficiais, e havendo por bem empregada a precedente despesa, estimar que eles fossem ter parte na glória de lhe restituir a sua Coroa, tão injusta e tão perfidamente usurpada.
Dei por consequência parte ao Governo inglês destes oferecimentos, e como aqui se acham Oficiais das três armas de infantaria, cavalaria e artilharia, e além dos soldados rasos, alguns paisanos que queriam alistar-se, propôs-se o plano de formar o quadro de uma legião, que sendo aprovado pelo Supremo Governo, se completasse aí com recrutas. 
Os Ministros ingleses puseram dificuldades à formação da legião, porque não podiam dar os cavalos com a brevidade necessária, e desejam que este corpo recrutado prontamente em Portugal possa unir-se e obrar junto com eles. Substituíram pois ao plano da legião o de três batalhões de caçadores e uma companhia de artilharia volante, como Vossa Excelência verá no papel incluso. Tudo está quase ajustado, e eu espero que um batalhão vá já formado, e os Oficiais de patente e Oficiais inferiores para os dois outros.
Os Ministros ingleses desejam que este corpo, [se] bem que pago por Sua Alteza Real, seja mantido com caixa militar separada, para que eles farão os fundos.
O que eles mais desejam é que Vossa Excelência tenha um número de mil e seiscentos recrutas mais ou menos prontos, escolhidos entre soldados, se for possível; e sendo bisonhos, que Vossa Excelência se adiante a mandá-los disciplinar, de forma que, chegando o casco que de cá vai, depressa se complete o corpo.
Armamento, fardamento para este corpo, tudo vai de cá. O Tenente Coronel Lecor e o Coronel inglês Cavalheiro Robert Wilson hão de ir adiante encarregados de combinar tudo com Vossa Excelência, antes que chegue o comboio com a gente que de cá vai.
Para o fim de manutenção separada deste corpo desejam os Ministros ingleses que o Coronel Wilson e mais três oficiais debaixo dele sirvam junto a ele como comissionados britânicos.
Eu tomo a liberdade de recomendar muito particularmente a Vossa Excelência o Coronel Wilson.
Se Vossa Excelência preferir o plano da legião como o necessário para a cavalaria [que] há de ir de cá, não tem Vossa Excelência mais do que combinar isso com o Coronel Wilson.
Oferecerei aos soldados o mesmo aumento de soldo e condições que Vossa Excelência ofereceu com a sua proclamação de 20 de Junho. Nada disse dos Oficiais de patente, mas Vossa Excelência estará bem persuadido da necessidade de lhes aumentar os soldos a todos; mas como não se sabe o que o Supremo Governo determinou a este respeito, não se quis fazer coisa que o comprometesse.
O uniforme deste corpo é verde escuro e branco, ou as cores da augusta Casa de Bragança.
Deus Guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Londres, aos 28 de Julho de 1808.

D. Domingos António de Sousa Coutinho

N.B. Assim estava entendido entre sir Robert Wilson e mim, porém depois recearam os Ministros ingleses de dar ciúme nos outros corpos ingleses, e assentou-se de dar mais ao Governo do Porto, por ora, cinquenta mil dólares, e deixar ao Comandante em Chefe das tropas britânicas de ajustar a paga deste corpo tirada da caixa militar inglesa, se o Governo Supremo carecer de fundos em dinheiro.

Domingos de Sousa Coutinho