quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Poesia a propósito da contribuição dos 40 milhões de cruzados e dos prometidos Camões



Segundo Brito Aranha, "quando se espalhou pelo povo em 1808 o decreto para a contribuição forçada dos 40 milhões, e ao mesmo tempo Junot dizia numa proclamação, para lisonjear o povo, de que em cada terra haveria um Camões para cantar as glórias portuguesas, logo apareceu quem compusesse as seguintes décimas à fanfarronada do General francês. [...] Parece que esta glosa é do poeta António José Xavier Monteiro, que teve sonetos impressos alusivos à invasão dos franceses. Estas décimas não sei se foram impressas ou manuscritas":



                    MOTE

          Eu vos venho proteger
          Haverão muitos Camões
          Resgatai os vossos bens
          Dai-me quarenta milhões.


                    GLOSA
          
          Dessa traidora nação
          Em astúcias infernal,
          Para roubar Portugal
          Vem aqui muito ladrão:
          Vejam bem o figurão,
          Para a maldade esconder,
          Para nos empobrecer
          'Inda mais talvez que Job,
          Que nos dissesse Junot:
          Eu vos venho proteger.

          Isto disse o descarado,
          E estendeu-se muito mais,
          Prometeu romper canais
          E ter dos pobres cuidado;
          Um Camões assinalado
          Promete aos altos Beirões;
          Dizendo co'os seus botões:
          Se este engano o povo come,
          No artigo morrer à fome
          Haverão muitos ladrões.

          Na costumada carreira
          Após um volve outro mês,
          E já não pode o francês 
          Disfarçar a ladroeira:
          Então com voz lisonjeira
          Afectando mil desdéns,
          E dando-nos parabéns
          Da francesa ocupação, 
          Diz: Da parte do sultão
          Resgatai os vossos bens.

          Assolou, roubou cidades,
          Matou velhos e meninos,
          'Té q'enfim os céus benignos 
          Atulham tais crueldades.
          Com fingidas amizades 
          Não mais franceses ladrões
          Seduziram as nações;
          Nem para fartar marotos
          Dirá o chefe dos rotos
          Daí-me quarenta milhões.




Nota: Como se terá observado (se for verdade o que diz o Brito Aranha, sobre estes versos terem sido compostos logo depois da publicação dos aludidos editais de Junot), a última décima parece ser apócrifa, ou teria sido modificada posteriormente.

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Fonte: Brito Aranha, Nota ácerca das Invasões Francezas em Portugal - Principalmente a que respeita á primeira invasão do commando de Junot. Contém muitos documentos relativos aos successos assombrosos na Europa no fim do seculo XVIII e principeios do seculo XIX, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1909, pp. 106-108.