segunda-feira, 20 de junho de 2011

Carta do Capitão George Creyke ao Almirante Charles Cotton, sobre o estado dos acontecimentos do Porto (20 de Junho de 1808)




H.M.S. Elipse, barra do Porto, 20 de Junho de 1808 



Senhor: 

Depois da relação que tive a honra de vos entregar a 10 de Junho, o Porto sofreu duas revoluções, e esteve sucessivamente nas mãos dos franceses e nas dos vassalos do Príncipe Regente. 
Depois dos espanhóis terem entregado os fortes à guarda dos portugueses e das bandeiras nacionais terem sido hasteadas, os franceses puderam voltar a estabelecer a sua autoridade, em consequência das fracas e indeterminadas medidas do Governador, Luís de Oliveira, que agora está preso como traidor, e a mantiveram até ao dia 16, dia do Corpus Christi, grande festividade nacional, na qual tem sido habitual que os Regimentos portugueses assistam arvorando as bandeiras [nacionais]. O Governador [Luís] de Oliveira, em consequência de ordens de Junot, tentou estabelecer na procissão a bandeira francesa em vez da portuguesa. Este violento ataque contra o costume nacional elevou os murmúrios da populaça a tal grau, que, quando se tentou executar a ordem do Governador, esta não teve qualquer efeito; e na tarde do dia 18 (um dia antes da minha chegada aqui), o povo estava excitado a tal grau de fúria que, apoiado pelos eclesiásticos, levantou-se em massa, arrombou os depósitos e muniu-se com vinte e cinco mil conjuntos de armas, e junto com a tropa regular, formou um exército bastante determinado e entusiasmado. A partir deste momento, toda a autoridade francesa cessou; e foram presos todos os homens franceses ou suspeitos de serem amigos dos franceses. 
O Bispo do Porto foi eleito como novo Governador, e um exército de vinte mil homens foi enviado para encontrar os franceses que tinham avançado, em número de novecentos, até seis léguas de distância do Porto. 
O entusiasmo foi comunicado de boca a boca, e as províncias portuguesas de Trás-os-Montes, Minho e a parte setentrional da Beira, à imitação dos espanhóis, levantaram-se sobre armas, determinadas a extirpar os franceses do seu Reino. Segundo as contagens mais moderadas, para além dos que existem no Porto, posso estimar que se levantaram mais de 100.000 homens. 
Todos os Regimentos regulares desmantelados pelos franceses estão a formar-se novamente com a maior actividade, e em brevemente unir-se-ão aos outros. Tive hoje uma entrevista com Sua Excelência o Governador, tendo sido conduzido até ele entre brados e hurras da populaça. 
Amanhã enviarei um destacamento para montar as peças de artilharia de um grande navio do Brasil, cujo comando foi dado a um inglês, e que se destina a bateria flutuante para defender a ponte [das barcas], caso os franceses tenham a temeridade de se aproximarem, embora não se receie tal ocorrência. Se me for requerida alguma pólvora, consentirei em dá-la, mas por agora eles têm abundância de armas, munições e mantimentos. 
A repulsa dos portugueses pelos franceses é tão grande que o Capitão Jones e eu, depois de suplicarmos pela vida do Intendente da Polícia francês [Perron], tivemos a maior dificuldade para trazê-lo como prisioneiro para o barco, e apenas o ilimitado amor e respeito pelos ingleses pôde evitar que a raivosa populaça não o desfizesse aos pedaços. 
Tenho a honra de ser, etc. 

G. A. Creyke 


[Fonte: The London Gazette, n.º 16161, from Saturday July 9, to Tuesday July 12, 1808, p. 963-964. Para além da nossa, existe uma outra tradução disponível no Correio Braziliense de Julho de 1808, p. 143].