Como já tivemos ocasião de referir, no dia 22 de Abril de 1808 a Gazeta de Lisboa passava a ostentar no seu cabeçalho as armas imperiais de Napoleão:
Neste mesmo número deste órgão de impressa apossado pelo Governo francês, surgia a seguinte notícia, relativa à viagem de Napoleão para o sudoeste da França, e eventualmente até mesmo Portugal, motivo pelo qual Junot tinha mandado aprontar o Palácio de Queluz. Apesar de aqui não se mencionar, Napoleão tinha empreendido esta viagem com o objectivo (anunciado por si próprio, ainda que aparentemente não tivesse intenção de o fazer) de entrar na Espanha para se encontrar com o novo Rei D. Fernando VII. Depois de Napoleão adiar a sua entrada na Espanha sob pretextos vários (acabando por nunca chegar a fazê-lo), D. Fernando começou a aproximar-se cada vez mais da fronteira com a França. À data de publicação desta notícia, já se encontrava em Bayonne D. Fernando e o seu irmão o Infante D. Carlos, estando os seus próprios pais (D. Carlos IV e D. María Luísa) a poucos dias de viagem da mesma cidade francesa. Segundo as previsões de Napoleão, nessa mesma noite de 22 de Abril deveria começar o próprio Godoy (até aí preso pelo novo Governo) a empreender a viagem para o mesmo destino, escoltado pelo exército francês. Feita esta introdução, vejamos então a notícia publicada na Gazeta de Lisboa:
O Diário de Ofício do Império francês anuncia que Sua Majestade o Imperador e Rei partiu, a 2 de Abril, de S. Cloud, para ir visitar os departamentos meridionais.
Por cartas posteriores consta que Sua Majestade se achava, a 4 do corrente, em Bordéus; e que no número das pessoas que têm a honra de o acompanhar, se compreendem Sua Alteza Sereníssima o Príncipe de Neuchâtel, Vice-Condestável do Império; o Grão-Marechal do Paço mr. Duroc; Suas Excelências o Ministro das Relações Exteriores, mr. de Champagny; e mr. Maret, Ministro Secretário de Estado.
Na ausência de Sua Majestade, o Conselho de Ministros é presidido em França por Sua Alteza Sereníssima o Príncipe Arquichanceler do Império; todo o trabalho, porém, é regularmente dirigido ao Imperador por um Auditor do Conselho de Estado, de sorte que, tanto de perto como de longe, Sua Majestade tudo vê, tudo faz e tudo anima com o seu génio, que hoje em dia abrange toda a Europa, sem que nada lhe escape.
O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes mandou fazer todas as disposições convenientes para que o Palácio de Queluz (que fica [a] coisa de 2 léguas de Lisboa) se reparasse quanto antes e pusesse em estado de receber o Grande Napoleão, no caso que Sua Majestade se digne de honrar este país com a sua presença: as obras determinadas se vão adiantando com a maior actividade, de maneira que está já quase concluído o trabalho de o adornar e guarnecer de móveis.