Sereníssimo Senhor:
Mui Señor meu e estimadíssimo amigo; esta qualidade deve conservar e aumentar a nossa confiança e jamais afrouxar em pessoas que, como nós, sabem ser constantes quaisquer que sejam as circunstâncias que ocorram. Nesta certeza estava eu, mas faltava-me contestação a uma carta que te escrevi pouco depois da retirada da família real desta capital; mas agora sei que fora desencaminhada e que não chegara à tua mão, e por isso continuo sem sossego a buscar-te por este meio, para assegurar-te a minha verdadeira amizade.
Uma deputação composta das primeiras pessoas da nobreza portuguesa vai apresentar-se a Sua Majestade o Imperador dos franceses; o não ser designado membro dela me privou da grande satisfação que teria de ver-te nessa Corte; mas havendo nela ocupado «só» o emprego que exercitei junto de Sua Majestade Católica*, não me era próprio a concorrência de muitos, e esta, estou seguro, será a tua opinião.
Aqui estou e aqui conservo a memória das distintas honras que Suas Majestades Católicas me favoreceram, e que farão o meu eterno reconhecimento; rogo-te** pois que a seus augustos pés ofereças os meus respeitos e os mais sinceros votos pela sua existência, paz e felicidades. A Condessa te pede juntamente [para que] queiras ter a bondade de dizer da sua parte a Sua Majestade a Rainha que ela tem presente na sua imaginação e impresso no seu coração todos os favores e distinções que sempre devera a Sua Majestade e muito mais às expressões lisonjeiras com que a honrou quando se separou ultimamente da Sua Augusta Presença, e que espera igualmente que Sua Majestade conserva aquela benevolência que a Condessa procurou constantemente merecer-lhe, e que toma a liberdade de assegurar a seus Reais pés que tem o maior pesar de que as circunstâncias políticas a fizessem separar dessa Corte, que considera como uma nova pátria. Estes são, meu amigo, os puros sentimentos de toda esta família.
Um amigo grato, um coração sincero e uma amizade sem interrupção me fazem apreciar sempre o tempo que tive a satisfação de achar-me mais perto de ti; de quem protesto [=declaro] ser fiel e verdadeiro amigo e respeitoso q. t. m. b.
[Fonte: Raul Brandão, El-Rei Junot, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, s.d. p. 155-156].
_____________________
Notas:
* Previamente, o Conde da Ega tinha sido embaixador de Portugal junto da Corte espanhola.
** É óbvio que esta carta foi escrita antes que o Conde da Ega tivesse tomado conhecimento da prisão de Godoy (ocorrida apenas 3 dias antes).