Portugueses!
A vossa sorte é talvez a mais dura que jamais sofreu povo algum sobre a terra. Os vossos Príncipes foram obrigados a deixar-vos, e os acontecimentos da Espanha são uma prova irrefragável da absoluta necessidade daquela medida. Vós tivestes ordem para não defender-vos; e, com efeito, não vos defendestes. Junot ofereceu fazer-vos felizes, e a vossa felicidade consistiu em serdes tratados com maior crueldade do aquela que os mais ferozes conquistadores irrogam aos povos que têm subjugado à força de armas, e depois da mais obstinada resistência. Vós tendes sido despojados dos vossos príncipes, das vossas leis, dos vossos costumes, da vossa propriedade, da vossa liberdade, até das vossas vidas, e da vossa Santa Religião, que os vossos inimigos jamais respeitaram, quaisquer que tenham sido (na forma de seu costume) as promessas que fizessem de a proteger; e por mais que afectem, e pretendam ter algum conhecimento dela. A vossa nobreza foi aniquilada; a sua propriedade confiscada, em castigo de sua fidelidade e lealdade. Vós tendes sido vilmente arrastados para os países estrangeiros, e sido obrigados a prostrar-vos aos pés daquele homem que é o autor das vossas calamidades, e que com a mais horrível perfídia usurpou o vosso Governo, e vos governa com um ceptro de ferro. Mesmo agora, que as tropas deixaram as vossas fronteiras, e viajam em cadeias para morrer em defesa daquele que vos tem oprimido, e por este meio poderá a sua profunda malignidade conseguir as suas vistas, destruindo aqueles que constituiriam a vossa fortaleza, e fazendo que as suas vidas sejam instrumento de seus triunfos, e da glória selvagem a que ele aspira.
A Espanha viu a vossa escravidão e os horrorosos males que se lhe seguiram, com a duplicada sensação de dor e desesperação. Vós sois olhados como irmãos, e a Espanha arde por voar em vosso socorro. Mas certos chefes, e um Governo fraco e corrompido, a retiveram em cadeias, e continuaram a preparar os meios pelos quais a ruína do nosso rei, das nossas leis, da nossa independência, nossa liberdade, nossas vidas, e até da nossa Santa Religião, em que estamos unidos, deveria acompanhar a vossa ruína, pela qual um povo bárbaro poderia consumar o seu triunfo, e completar a escravidão de todas as nações da Europa. A nossa lealdade, a nossa honra, a nossa justiça, não se podiam submeter a tão flagrante atrocidade! Nós quebrámos as nossas cadeias – entremos, por tanto, em acção – nós temos exércitos, nós temos chefes, a voz geral da Espanha é: Morreremos em defesa da nossa Pátria, mas teremos cuidado de que morram também connosco aqueles infames inimigos. Vinde, pois, generosos portugueses, uni-vos com a Espanha para morrer em defesa da vossa Pátria – as suas bandeiras vos esperam, eles vos receberão como irmãos infamemente oprimidos. A causa de Espanha e de Portugal é a mesma, não deixeis de confiar nas nossas tropas, os seus desejos são os vossos mesmos, e podeis contar com a sua coragem e fortaleza, como parte da vossa segurança.
Vós tendes entre vós mesmos o objecto da vossa vingança – não obedeçais aos autores da vossa desgraça – atacai-os – eles não são mais do que um punhado de miseráveis homens, aterrados com um terror pânico, humilhados, e conquistados já pela pérfida e crueldades que têm cometido, e que os têm coberto de opróbrio aos olhos da Europa e do Mundo! Levantai-vos portanto num corpo, mas evitai o manchar com crimes vossas mãos honradas; porque o vosso fim é resistir-lhes e destruí-los – os nossos esforços unidos serão bastantes para esta nação pérfida, e Portugal, Espanha, toda a Europa, respirará ou morrerá livre, e como homens.
Portugueses: A vossa Pátria já não está em perigo – este já passou – uni-vos, uni-vos, e voai a restabelecê-la e a salvá-la.
Sevilha, 30 de Maio de 1808. Por ordem da Suprema Junta do Governo.
D. Juan Bautista Esteller, 1.º Sec.
D. Juan Bautista Pardo, 2.º Sec.
[Fonte: Joaquim José Pereira de Freitas, Biblioteca Histórica, Política e Diplomática da Nação Portuguesa, ed. cit., pp. 136-138; José Acúrsio das Neves, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal – Tomo III, ed. cit., pp., pp. 27-32; Correio Braziliense – Armazém Literário (Julho de 1808), ed. cit., pp. 138-140; Gazeta Extraordinária do Rio de Janeiro, n.º 1, 14 de Setembro de 1808, pp. 3-4; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 52-54. Na sua língua original, esta proclamação pode ser encontrada, por exemplo, na Coleccion de bandos, proclamas y decretos de la Junta Suprema de Sevilla, y otros papeles curiosos reimpreso em Cádiz por D. Manuel Santiago de Quitana, Cádiz, s.d. [1808?], pp. 14-15; na Gazeta Ministerial de Sevilla, n.º 2, en la Imprenta de la viuda de Hidalgo y Sobrino, 4 de junio de 1808, pp. 13-15; ou no Diario Mercantil de Cadiz, n.º 176, 22 de junio de 1808, pp. 689-691].