Fosse pelas razões abaixo apresentadas por Acúrsio das Neves, por simpatia ou por mero conformismo, não era só em Lisboa que as autoridades portuguesas colaboravam com os invasores. No sul do país, embora o Algarve tardasse em ser ocupado pelas tropas espanholas, de acordo com as determinações do Tratado de Fontainebleau (o que só ocorrerá definitivamente a 22 de Janeiro do ano seguinte), os membros da Câmara Municipal de Faro pareciam estar ansiosos em receber os invasores. De facto, logo no dia 9 de Outubro de 1807 (incrivelmente, cerca de 20 dias antes dos franceses penetrarem na península!) determinaram aqueles autarcas que se "passasse a averiguar de alguns armazéns mais convenientes para o aquartelamento das tropas francesas ou espanholas" [cf. Arquivo Histórico Militar, DIV 1/14/186/24].
Dois meses depois, já com os franceses instalados na capital e os espanhóis a entrarem pelo Alentejo, voltavam os membros da mesma Câmara a se reunirem. No dia seguinte, era lavrada a acta que seguidamente se transcreve. Note-se o elucidativo edital aí incluído (em itálico):
Nesta [vereação] se determinou [que] se passasse [a] averiguar alguns armazéns mais convenientes para o aquartelamento das tropas francesas ou espanholas.
Determinou-se igualmente subscrever em cartas aos Juízes e Escrivães das freguesias deste termo [de Faro] para remeterem de cada uma delas vinte e cinco cargas de lenha para aprovisionar a mesma tropa; e pela outra parte, para se averiguar a quantidade de palha de centeio que houvessem nas mesmas freguesias e ser depois conduzida para se encherem as enxergas para a mesma tropa.
Determinou-se mais que se fizesse aviso ao público para no dia onze virem a esta Câmara as pessoas da Nobreza, Eclesiásticas e Povo, mandando-se para isto [um] édito, o qual é da forma o teor seguinte:
Doutor Juiz Presidente, vereadores e mais oficiais da Câmara desta cidade de Faro e seu termo, etc.
Fazemos saber a todas as pessoas desta cidade, tanto da primeira Ordem, Nobres e Eclesiásticas, como demais pessoas do Povo, que para se tratarem Negócios que respeitam ao bem comum desta cidade e seu termo é preciso que no dia de amanhã que se contam onze do corrente mês às dez horas e meia da manhã se achem nas Casas da Câmara desta mesma cidade para aí se deliberarem os referidos Negócios, e isto com a declaração de ficarem suspeitos os que faltarem ao alarde dos demais.
Faro, 10 de Dezembro de 1807.
E eu, José Francisco de Alves Camacho, a escrevi.
Azevedo Falcão.
Barros.
Figueiredo.
Ribeiro.
Guilherme José Pargana.
Manuel da Costa.
in Alberto IRIA, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, 1941, p. 347 (doc. 15).