Como atrás vimos, D. João chegou a S. Salvador da Bahia no dia 22 de Janeiro de 1808. Antes de partir para o Rio de Janeiro, no dia 26 de Fevereiro, D. João decretou a abertura dos portos, "aprovou a criação da primeira escola de medicina do Brasil e os estatutos da primeira companhia de seguros, baptizada Comércio Marítimo. Também deu licença para a construção de uma fábrica de vidro e outra de pólvora, autorizou o governador a estabelecer a cultura e a moagem do trigo, mandou abrir estradas e encomendou um plano de defesa e fortificação da Bahia, que incluía a construção de 25 barcas canhoneiras e a criação de dois esquadrões de cavalaria e um de artilharia" [Fonte: Laurentino Gomes, 1808 - Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil, (5.ª reimpressão), São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 118].
Fonte: História Virtual
Chegada da Familia Real ao Rio de Janeiro,
segundo Geoff Hunt
Finalmente, no dia 7 de Março, D. João chega ao Rio de Janeiro, sendo o seu desembarque, no dia seguinte, seguido de grandes festas. No dia 11, são instaladas no Brasil as três Secretarias de Estado: a dos Negócios do Reino (encabeçada por D. Fernando José), a da Marinha e Ultramar (encabeçada por D. João Rodrigues de Sá e Melo) e a da Guerra e Negócios Estrangeiros (encabeçada por D. Rodrigo de Sousa Coutinho).
Ainda nesse mesmo dia 11, D. João mandava publicar a seguinte proclamação, muito pouco conhecida:
Espanhóis Americanos: esta é a vez primeira que o Omnipotente decretou que viesse junto a vós um Monarca da Europa para estabelecer nestes Estados um vasto Império. Sabei que sou o Príncipe de Portugal, único herdeiro dos meus Estados, que uns em séculos remotos foram dados, e outros conquistados aos infiéis, à custa do sangue e da força do valoroso braço português. Sabei pois que a violência a mais indigna me obrigou a deixá-los precipitadamente, para não anuir à bárbara proposta da nação francesa, perturbadora do geral sossego, instando-me que fizesse um considerável dano aos direitos de um Amigo prendendo os ingleses, usurpando-lhes os seus bens e cofres, e entregá-los à França, atentado o mais doloroso e indigno de se propor a um monarca com sentimentos de cristandade, e ser por ele executado contra aqueles que, na boa fé e debaixo da minha palavra de honra e amizade, viviam nos meus Estados seguros não só pelas minhas Reais promessas, mas também porque a neutralidade que com a França tinha ajustado não se achava finalizada. O tirano, porém, quebrando todo o direito, queria aviltar-me e fazer-me por este modo inimigo da Grã-Bretanha; e marchando com um Exército, pertendeu surpreender-me e fazer-me vítima do seu bárbaro furor, bem como o são essas testas coroadas suas aliadas, que por pouco tempo talvez terão o prazer de empunhar os ceptros; pois no coração o mais ambicioso que apareceu no mundo, já está decretada a sua final existência.
Que seria de vós e destes meus Estados, nas presentes circunstâncias, se a Divina Misericórdia não me livrasse do contagioso mal que de presente tem assolado toda a Europa? Insensivelmente ver-vos-íeis tocados do mesmo veneno, e vítimas desgraçadas da sua insaciável tirania. O vosso Monarca, pai da Princesa minha muito amada e prezada esposa, unindo-se à França com um Exército combinado, entraram nos meus Estados, e com carácter auxiliador e promessas de protecção, arrogaram a si, sem direito algum, todo o Governo. A capital e praças do meu Reino vêm, com mágoa, arvorada a bandeira francesa; meus vassalos fiéis, pelas horrorosas e injustas contribuições, vivem oprimidos, declarando o tirano finalmente que Portugal é por ele conquistado. A Espanha experimentará com mais crueldade a mesma sorte, pois desta maneira costuma a França recompensar os bons serviços de seus aliados. É essencialmente necessária na presente circunstância a total união dos vossos aos meus Estados, para melhor promover a fortuna dos americanos em geral, quando voluntária e amigavelmente queirais anuir às minhas direcções, para vós as mais felizes e vantajosas. Eu não sou estrangeiro que nascendo da rasteira prole queira apossar-me dos bens alheios pelo poder da força e com cavilosa fraude: A Rainha minha prezadíssima mãe, minhas tias e meus caros filhos, a Princesa minha estimadíssima esposa, o meu sobrinho o Infante de Espanha, que desde o berço tenho educado com paternal cuidado, todos somos os mais próximos parentes dos vossos Monarcas, e esta preciosa e Real família que, privada de todos os bens da sua Corte e Reino pela maligna influência de injustos agressores, vendo-se na injusta necessidade de deixar seus amantes vassalos, corta o Oceano, conduzida pela sábia providência de um Deus clemente, vem agora e para sempre habitar junto aos vossos lares. Deixei pátria e meus Estados para não quebrar o direito das Leis sagradas, por isso não intento violentar-vos; exponho às vossas bem ajustadas intenções a minha justa causa, e de vós exijo um livre donativo, feito por geral consentimento, vindo a ser uma justa compensação do que a França, aliada com o vosso Rei, tão indigna e cavilosamente me usurpou. Ele, por uma acção cobarde e aviltada, fez-se a si e a seu Reino desgraçados, e concorreu para que eu e sua filha perdêssemos aquele Estado; acção de um pai a todos estranha, e que causa horror só o pensá-la! Vós, só por uma acção a mais generosa e voluntária, que sempre será louvável e eterna a sua memória, deveis conceder-me os votos; nisto verá o mundo a vossa piedade para com uma filha perseguida da tirania de um pai desumano, e vós sereis felizes e respeitáveis. A Grã-Bretanha será sempre vossa aliada, o comércio chegará a um ponto de maior opulência; tereis também, como os meus vassalos, os títulos que criar de novo, ocupareis todos os empregos de mistura com eles, e sereis também os Grandes da minha Corte: Todas as Américas serão um só povo e uma só nação, que, conservando a aliança do meu constante e antigo amigo, o Rei da Grã-Bretanha, nos faremos temidos e respeitados; vós tereis em mim um Monarca prudente e um pai amante, que atenderá ao vosso sossego público e à vossa fortuna, e só assim virá [o] tempo que arrostaremos o Tirano da Europa, e teremos a glória de triunfar dele.
Pensai os danos e lamentáveis perdas, e outros funestos e tristes efeitos, sem recurso de melhorardes, se projectardes outro plano, que para vós será mais funesto; pois a vossa imprudência vos conduzirá a uma escravidão irremediável, quando podeis contar com prazer a vossa glória e felicidade que vo-lo assegura a merecida honra e palavra de um Monarca; porém, eu me lisonjeio que atendendo vós no estado presente à vossa segurança e verdadeiros interesses, e aumento das vossas terras, e comércio, me fareis possuidor das vossas vontades, e que só por mim serão dirigidas unicamente a melhorar-vos e felicitar-vos, e fazer poderoso o vosso continente, e exaltar o nome Americano na erecção de um novo Império.
[Fonte: Revista Michelense – Numero commemorativo do Movimento de 1 de Março de 1821 no I.º Centenário - 1921, S. Miguel, n.º 1, Anno 4.º, Março de 1921, pp. 924-926; uma transcrição manuscrita deste documento também se encontra disponível, embora com algumas variantes, no 4.º volume organizado por António Joaquim Moreira da Colecção de sentenças que julgarão os réos dos crimes mais graves e attrozes commetidos em Portugal e seus dominios, 1863; existe finalmente uma outra transcrição, também com variantes, disponível no Arquivo da Câmara Municipal de Mafra com o código de referência PT/AMM/CFLLTV/AMSMA-ACS/015].