quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Carta do General Dalrymple ao Bispo do Porto (31 de Agosto de 1808)


A Sua Excelência o Presidente da Suprema Junta do Conselho no Porto*.


Quartel-General de Torres Vedras, 31 de Agosto de 1808**


Tenho a honra de informar Vossa Excelência que o exército francês abandonará rapidamente Portugal, em consequência duma Convenção concluída para esse propósito entre o Comandante em Chefe francês duma parte, e o Almirante que comanda a esquadra de Sua Majestade [Britânica] que se encontra na barra do Tejo e eu próprio pela outra parte. As ratificações desta Convenção ainda não foram trocadas, e ainda não tenho, neste momento, uma cópia exacta deste tratado em minha posse, para transmiti-la a Vossa Excelência; contudo, penso que é essencial que tenhais esta primeira notícia possível deste facto; entretanto, ordenei que o conteúdo dos vários artigos fosse comunicado ao Major Aires Pinto de Sousa, que está aqui da parte do General Bernardim Freire. Assim que Portugal estiver livre da opressão daquele poder que suspendeu a autoridade do legítimo Príncipe e a da Regência estabelecida antes da sua partida, poderá naturalmente supor-se que tudo voltará a ser reconduzido para o canal donde se desviou pela força estrangeira; mas como parece que alguns membros da Regência nomeada pelo Príncipe abandonaram a sua causa e aderiram ao inimigo, tornando-se consequentemente incapazes de retomar as suas antigas funções, é necessária alguma delicadeza ao reestabelecer-se um Governo que a nação portuguesa estará inclinada a reconhecer. 
Relativamente a este ponto, tenho lido, desde que tomei o comando deste exército, os papéis enviados pela Junta Suprema de Governo no Porto a Sir Charles Cotton, em inícios de Agosto, juntamente com as suas respectivas respostas. Teria sido presunçoso da minha parte, logo depois de ter chegado a este país, ignorando as circunstâncias da causa, que tivesse dado qualquer opinião sobre os meios propostos para realizar um fim que não hesito em reconhecer que teve a minha mais perfeita aprovação; mas parece ser evidente que, aproximando-se a expulsão dos franceses de Portugal, nenhum objecto pode ser mais importante do que tomar precauções antecipadas contra aqueles males que podem surgir no povo, a partir de qualquer fonte de ressentimento.

H. W. Dalrymple

[Fonte:  Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 212 (doc. 123); Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, pp. 294-296; Existe uma outra tradução - bem como o texto original em inglês - disponível na obra de Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, p. 60-63]. 

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Nota:

Frederick von Decken, agente secreto do Governo britânico, chegara ao Porto no dia 17 de Agosto de 1808, tendo no dia seguinte comunicado ao General Dalrymple, entre outros factos, que o Bispo do Porto lhe dissera que tinha tomado o Governo de Portugal nas suas mãos. Dalrymple recebeu esta  notícia com bastante admiração, tendo inclusive chegado ao ponto de no dia 24 repreender von Decken pela insinuação que este tinha feito ao Bispo, como que admitindo que tal medida iria ser aprovada pelo Governo britânico e pelo próprio Dalrymple. Muito pelo contrário, ainda que na presente carta não o admita explicitamente, Dalrymple nunca reconheceu que a Junta Suprema do Porto fosse o Governo legítimo de Portugal (antes considerava que o legítimo era o Governo da Regência), receando ademais que o povo de Lisboa, uma vez livre de franceses, tampouco reconheceria tal autoridade, facto que, agravado pela grande falta de chefes militares e políticos (recordemos que grande parte da corte tinha emigrado para o Brasil, outros altos cargos eclesiásticos e nobiliárquicos tinham ido para a França fazendo parte da chamada deputação portuguesa, e finalmente vários milhares de militares tinham também emigrado para lutarem por Napoleão ao serviço da Legião Portuguesapoderia conduzir o país uma guerra civil.

** Segundo o próprio Dalrymple, uma cópia desta carta foi enviada a Lord Castlereagh, embora nesta última se tenha alterado a data para 1 de Setembro.